“Escrever é sempre esconder algo de modo que
mais tarde seja descoberto.”
Ítalo Calvino
José Caminha Alencar Araripe está comemorando neste dia 30 de abril seu centenário. Ele encantou-se em 2010, mas os escritores têm esse poder mágico, típico dos videogames e dos gatos: sempre podem contar com muitas e muitas vidas à sua disposição. Deixam senhas e cifras escondidas pelas esquinas de livros e textos, botijas enterradas entre períodos e parágrafos. E nem ficam os mapas das minas! Os leitores, anos e anos depois, na tentativa rocambolesca de achá-los, terminam, também, encontrando os seus autores. Os escritores, assim, não morrem, apenas hibernam. E, por isso mesmo, é que hoje, sentimo-nos à vontade, mesmo em tempos de isolamento sanitário, de ajudar a soprar as cem velinhas do bolo de J. C. Alencar Araripe.
Há exatamente um século, Caminha nasceu aqui pertinho, no Jardim. Vinha de uma épica e tradicional família caririense, o guri era trineto de D. Bárbara. Uma parte da infância o fez banhar-se nas águas do Riacho do Machado em Várzea Alegre e, depois, rapazinho, bebeu no majestoso Seminário São José de Crato, onde teve o batismo das letras. Depois, partiu para Capital e lá formou-se em Ciências Contábeis e envolveu-se no magistério tanto na área técnica, como, depois, na UFC como fundador professor assistente de Comunicação Social.
Como jornalista, nosso Caminha (o Pero Vaz caririense) percorreu todos os caminhos da sua arte, desde a reportagem até à função de Editor Geral do Jornal “O Povo”, cargo que exerceu por muitos e muitos anos. Fez-se também articulista do “Diário do Nordeste”. Sua produção jornalística é extensa e multifacetada: ensaios, editoriais, crônicas, discursos, artigos. Araripe viu-se multipremiado na sua atividade, desde o Prêmio Esso em 1958, até galardões internacionais, em Portugal e na Argentina. Alencar foi ainda membro do Instituto do Ceará e da Academia Cearense de Letras e ocupou a Cadeira 20, da Seção Letras do Instituto Cultural do Cariri, cujo patrono é seu ascendente e biografado o Senador José Martiniano de Alencar. Caminha também presidiu a Academia Cearense de Imprensa por doze anos.
A política, que geneticamente lhe corria no sangue, o fez vereador em Fortaleza pela UDN, tendo exercido a presidência da Câmara e, depois, o cargo de prefeito interino da capital do Ceará em 1952.
Como escritor, o nosso caririense deixou muitas obras, as mais importantes na área biográfica e histórica, tendo traçado a vida de Delmiro Gouveia, D. Bárbara, Senador Alencar, a trajetória da Faculdade de Medicina do Ceará. Seu livro “Alencar, o Padre Rebelde” é uma das mais detalhadas e precisas obras sobre a vida gloriosa do Confederado de 1824.
J. C. Alencar Araripe foi pródigo em esconder seus mistérios e suas botijas ao longo de sua caminhada. As futuras gerações têm sobejas razões de brincar com ele nesse jogo de esconde-esconde e, a cada descoberta, a cada revelação, junto à prenda e à joia encontrada, ganharão, uma outra pedra preciosa: a luminescência de uma vida pródiga e encantada, envolta, como um rocambole, na poeira da Realidade, mas imersa no colorido do sonho.
Por J. Flávio Vieira, médico e escritor
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri