Não se sabe ao certo se foi mais sebosa a entrada de Moro no governo ou se foi mais sebosa a sua saída. Da negociata deprimente para se tornar a medalha de desonra na farda mofada de um ex-capitão expulso da caserna, até os desacertos cabulosos para se tornar o maior fracasso do código de ética da bandidagem oficialesca, Moro é a tradução perfeita do governo Bolsonaro: uma farsa montada de honestidade, na forma de um sinistro aboio, feito para facilitar o sono delinquente das elites e o pasto solene dos subalternos.
A indecência maior desse episódio marginal não está em quem lamenta ou quem defende qualquer um desses dois elementos e suas hordas adjacentes, mas na parcimônia das notas de repúdio, carregadas com o tom das corjas, bem como na postura estéril de reprovação daqueles que a bem pouco tempo pavimentaram o golpe para esse bloco do sujo passar, e agora exibem inocências fajutas, devidamente protocoladas como hienas no diário oficial do submundo do crime legalista. Na cultura do aplauso, em que tudo virou a espetacularização do pastiche, todos merecem as palmas da vergonha alheia.
Se por um lado Moro usou a prisão de Lula e as arbitrariedades da lava-jato como moeda de troca para o ministério da justiça e uma vaga no Supremo Tribunal Federal, por outro lado Bolsonaro usou a carta branca do poder como moeda de troca para a blindagem de suas condutas criminosas e a garantia de investigações políticas dos seus inimigos. Acreditavam os dois que se complementariam: o paladino de Curitiba tocaria sua missão psdbista de exterminar o PT e o presidente teria a proteção legal para implantar o terrorismo fascista, arrancando das vísceras da esquerda o golpe. Ambos ficariam colados pelas costas, atirando para todo lado, como na cena final de um filme americano de gangster.
Ambos foram desmascarados pelas contingências de uma vida pública sórdida, de um país erguido na sordidez sem nenhuma classe da realeza portuguesa. Entre os dois: o desespero está do lado de Bolsonaro, encurralado por investigações de crimes graves, mergulhado em uma fúnebre solidão política que ele mesmo fabricou. Não há nenhuma dignidade entre os dois. Mas há entre os dois a ironia do destino, que exibe sua gargalhada cínica, cheia de dentes caninos. Moro foi desbaratado pelo vazamento de informações publicadas pelo providencial site The Intercept Brasil, as mensagens reveladas mostraram os crimes legalistas da lava-jato e o modo facínora de ser o juiz Sérgio Moro. Ele e sua tropa negaram tudo. Desqualificaram as investigações. No entanto, para provar as acusações que tem feito contra o chefe, ele usa vazamentos próprios, sem nenhuma envergadura moral. Com trocadilho.
Já o presidente queridinho das senhoras honestas e incultas, compradoras de água benta em cultos eletrônicos, ungidas pela patifaria religiosa de igrejas empreiteiras, bem como queridinho de muitos médicos e advogados militantes da dignidade, de muitos empreendedores e investidores urubus ávidos pela carniça do trabalhador depenado em seus direitos, queridinho de muitos professores abestalhados e desocupados terraplanistas, nada contra os desocupados, agora busca sustentabilidade política no apoio e na lealdade de ninguém menos do que Roberto Jefferson, um dos maiores bandidos da história brasileira, dono de um cartel de falcatruas e pilantragens que até o diabo tem inveja. Agora eles são parças, juntos vão lutar contra a corrupção. Justamente ele, o avatar da honestidade, o combatente da velha política, agora distribui cargos com o mais que suspeito centrão, na tentativa de preservar o mandato.
Mas o medo maior de Bolsonaro não é necessariamente perder o mandato. Isso não deixa de ser uma ameaça séria, devido aos vários crimes de atentado às instituições, à constituição e à democracia, além da conduta criminosa no combate à pandemia. No entanto, além dessas investigações que incluem também as relativas ao gabinete do ódio, na CPI das fake News, existe outra, que pode terminar em consequências judiciais perigosas, para ele e os filhos. Em reportagem desse último sábado (25) o The Intercept Brasil revelou que a investigação do Ministério Público carioca aponta que Flávio Bolsonaro se beneficiava das irregulares ocupações de terras e construções de edifícios pelas milícias. A investigação mostra que o filho de Jair Bolsonaro lucrou com a construção ilegal de prédios erguidos pela milícia usando dinheiro público.
Acontece que essa milícia em questão coloca novamente a família Bolsonaro no centro do caso de assassinato de Marielle, pois os integrantes dessa milícia são amigos da família e são acusados no caso Marielle. São mais de quinze anos da família Bolsonaro com aproximações, homenagens e defesas calorosas das milícias. As inúmeras cortinas de fumaça têm conseguido manter, até agora, esse lado evidente das ligações da família Bolsonaro com os suspeitos de envolvimento na morte de Marielle. Em seu discurso de resposta a Moro, discurso histórico por sinal, pelas explicações inexplicáveis, Bolsonaro admitiu que tentou interferir na direção da Polícia Federal do Rio de Janeiro, por causa do caso Marielle. Eis a farsa indisfarçável.
Por Marcos Leonel – Escritor e cidadão do mundo
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri