A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) decidiu interromper a venda direta do álcool 70% líquido a partir de 30 de abril. A agência mencionou que este tipo de álcool continuará disponível em forma de gel e na forma líquida, desde que sua concentração seja inferior a 54º GL (graus Gay-Lussac, que indicam a proporção de álcool puro, ou etanol, em cada 100 partes da solução).
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Entretanto, para uso profissional, o álcool líquido 70% ainda é permitido.
Inicialmente, em março de 2020, a Anvisa autorizou a venda do álcool 70% líquido para o público em geral devido à pandemia da Covid-19. Esta permissão temporária era válida por 180 dias. A agência reiterou a necessidade de manusear e usar o álcool líquido 70% com cautela, mantendo-o fora do alcance das crianças para evitar queimaduras e ingestão acidental.
A decisão, estabelecida pela Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 350 de 19 de março de 2020, anulou uma anterior de 2002 que regulamentava a concentração e a forma de venda do álcool ao público. Antes de 2002, a venda ao público de álcool líquido com concentrações como 70% e 96% era permitida.
Posteriormente, em 8 de dezembro de 2022, a Anvisa emitiu uma nova resolução que permitia a venda livre do álcool 70% líquido até 31 de dezembro de 2023. Após essa data, a venda livre poderia continuar por mais 120 dias após o término da vigência da RDC para esgotamento do estoque.
A Waltrick Química Sul contestou essa medida, buscando a suspensão da RDC nº 766, de dezembro de 2022, e a permissão da venda livre do álcool 70% líquido até março de 2031, que é a data de validade dos produtos fabricados pela empresa. No entanto, a 4ª Vara Federal de Cricíuma (SC) manteve a resolução da Anvisa, destacando que, embora o registro do produto comercializado pela empresa possa ser válido até 2031, as condições de comercialização do produto não o são.
A Anvisa ressaltou que o álcool etílico 70% ainda está disponível em outras formas físicas no mercado, como gel, lenços impregnados e aerossol, além de estar disponível na forma líquida com concentração inferior a 54º graus GL. A agência também informou que outros produtos de limpeza, como os desinfetantes de uso geral, são eficazes na inativação de microrganismos prejudiciais à saúde, incluindo o Sars-CoV-2.
Reinaldo Bazito, professor do Instituto de Química da USP, explicou que o álcool líquido 54º GL é menos inflamável, porém menos eficaz na desinfecção em comparação com o álcool em gel de 70%. Ele destacou que a concentração de 70% é ideal para desinfetar superfícies, independentemente da forma de apresentação do produto.
Kelly de Araújo, vice-presidente da SBQ (Sociedade Brasileira de Queimaduras), observou que após a liberação do álcool líquido 70% durante a pandemia de Covid-19, houve um uso indiscriminado do produto, aumentando os riscos de acidentes, especialmente envolvendo crianças. Araújo destacou a importância de educar sobre o uso correto do álcool e expressou preocupação com a liberação irrestrita do álcool 70%.
Um estudo realizado pela SBQ após a proibição da venda geral de álcool líquido altamente inflamável em 2002 mostrou uma redução média de 65% nos acidentes relacionados ao álcool. Na época, cerca de 45 mil crianças sofriam queimaduras causadas por álcool todos os anos.
Araújo também mencionou que algumas pessoas estão cozinhando com álcool líquido devido ao aumento do preço do gás de cozinha. Ela enfatizou a necessidade de considerar essas questões sociais ao discutir as políticas de venda de álcool, além dos potenciais riscos à segurança.
Churrasqueiras e fogueiras
De acordo com o Ministério da Saúde, são registradas cerca de 150 mil internações por ano, em decorrência de queimaduras. Com base em levantamentos e consultas com participação da sociedade, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) explica que, em geral, a situação mais perigosa envolvendo queimaduras está relacionadas ao uso do álcool no momento em que as pessoas acendem churrasqueiras e fogueiras.
“No gerenciamento de risco são considerados vários fatores para se avaliar o potencial perigo de um produto para o ser humano. No caso do álcool, um desses fatores é a facilidade de espalhamento do produto antes e durante a combustão quando em estado líquido, o que é inversamente proporcional quando com viscosidade. Assim, quando há acidente com o álcool na forma física líquida, a extensão e o dano à pele são grandes”, informou a agência.
Foi exatamente o que aconteceu com Pedro Ernesto. “Tudo aconteceu muito rápido. Foram 10 ou 15 segundos que mudaram minha vida, inclusive prejudicando meus estudos, porque isso aconteceu no ano em que eu deveria me preparar para os exames visando a entrada na universidade”, disse, referindo-se ao acidente ocorrido no dia 2 de fevereiro de 2014.
“Eu estava jogando sinuca. Ao ver meu tio usando álcool para acender o carvão, fui na direção dele para avisar que isso era perigoso. Não deu outra. Ao virar a garrafa para tentar reativar o fogo quase apagado, a chama subiu pelo fio de álcool e explodiu, espalhando o fogo por todos os lados”, lembra Pedro Ernesto.
O acidente aconteceu quando ele estava a meio metro da churrasqueira. “Lembro de ter usado as mãos para proteger meu rosto. Após alguns segundos, senti minha perna queimando. Meu calção estava em chamas. Jogaram então água para apagar o fogo. Foi quando olhei para minhas mãos e vi a pele toda retorcida. Foram segundos de total desespero”, acrescentou o jovem, que sofreu queimaduras de terceiro grau nas mãos, nos antebraços e nas coxas; e de segundo grau na barriga.
Após um mês de internação, Pedro foi para casa, onde foram necessários outros dois meses de tratamento dolorido e caro, uma vez que cada placa de metal utilizada para cobrir a pele custava mais de R$ 1,5 mil.
“São feridas que demoram muito a cicatrizar. Muita dor mesmo, porque era necessário machucar com raspagens para sarar. Eu chorava pedindo mais morfina para aliviar a dor, principalmente nos momentos posteriores às quatro cirurgias que fiz”, descreveu o jovem de 27 anos, que trabalha atualmente como bartender, especialista em preparar drinks alcoólicos e não alcoólicos, no restaurante Capincho, em Porto Alegre.
Supermercados querem vender
A retirada de álcool líquido das prateleiras de supermercados foi criticada pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras). A entidade reivindica, junto à Anvisa, que a medida seja revista, sob o argumento de que “o consumidor já se acostumou a comprar [o produto] não só em farmácias, mas em supermercados de todo o Brasil”.
Segundo a Abras, “a proibição da comercialização retirará do consumidor o acesso ao produto de melhor relação custo-benefício, comprovadamente eficaz nos cuidados com a saúde, na sanitização de ambientes e na proteção contra doenças, incluindo a Covid-19”.
Em nota, o vice presidente da entidade, Marcio Milan, argumenta que “os consumidores se adaptaram e adotaram a prática comum de compra do álcool líquido 70% para higienização de ambientes em casa e no trabalho, pois o setor supermercadista fez uma campanha bem-sucedida de orientação e esclarecimentos que proporcionaram um comportamento sensato e seguro destes sanitizantes, sem o registro de contingência ou acidentes desde a liberação da comercialização pela Agência em 2022”.
A Abras acrescenta que, desde a autorização da Anvisa em 2022, mais de 64 milhões de unidades de álcool líquido 70% foram comercializadas pelos supermercados. “O setor tem observado que o consumidor mantém a preferência pelo álcool 70% na forma líquida por não deixar resíduos em móveis e objetos”.
Por Nicolas Uchoa (Com informações da Agência Brasil)