O novo coronavírus que até pouco tempo tinha concentração majoritária na Capital e Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) se espalhou pelo interior do Estado e, diante da rápida multiplicação dos casos, tornou-se uma preocupação. O temor é que ocorra um estrangulamento do sistema de saúde. Até ontem, o interior já contava com mais de 5.700 casos da Covid-19. A taxa de pessoas infectadas fora da RMF já supera a marca dos 23%. O número ameaça a capacidade atual dos leitos e põe em risco a operacionalidade dos hospitais-polos, próximos de atingir a ocupação máxima das UTIs. “O Governo do Estado tem procurado ampliar cada vez mais a rede de atendimento”, pontuou Camilo Santana (PT).
E isso tem acontecido. O número de leitos cresceu nos três hospitais regionais e municípios que nunca tiveram Unidade de Terapia Intensiva passaram a contar nos seus hospitais polo. Mas, apesar do reforço, diante do crescente no número de contaminados, o quantitativo de leitos pode não ser suficiente.
Rápida multiplicação
Há duas semanas, Sobral registrava 380 pessoas com a doença. Ontem (22), conforme o boletim epidemiológico da Secretaria da Saúde do Estado, este número mais que dobrou, chegando a 851 – maior índice do interior. Em Quixadá, no Sertão Central, a situação ficou ainda pior: até o último dia 8 eram 91 casos, enquanto que agora, são 413 casos conforme Secretaria Municipal. São cidades que viram os casos duplicarem e quadruplicarem, respectivamente, mas que a abertura de leitos não acompanhou essa mesma velocidade.
A presidente do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde (Cosems), Sayonara Moura Cidade, define a situação, mesmo com a ampliação de leitos, “ainda muito preocupante”. Como o interior não tem a mesma estrutura hospitalar que a Região Metropolitana de Fortaleza, ela acredita que a doença só será contida se houver mais controle na atenção primária. “Estar mais próximos de pacientes com alguma comorbidade”, detalha. “Se não trabalhar bem, pode ter uma situação descontrolada, sem leitos para todo mundo, mesmo que habilite a quantidade estipulada pelo plano de contingência”.
Alerta ligado
A situação de Sobral gera atenção, pois o Hospital Regional Norte (HRN), referência para 55 municípios e uma população somada de 1,6 milhão de habitantes, está quase lotado. Dos 36 leitos de UTI, 34 estão ocupados, o que representa uma taxa de 94,44%. Já os leitos de enfermaria, de 48 vagas, 46 estão sendo utilizadas, representando 98,83% de taxa de ocupação. “Recebemos uma quantidade boa de outros municípios por ser sede de macrorregião”, pontuou o coordenador de Vigilância do Sistema de Saúde de Sobral, Marcos Aguiar Ribeiro.
Na Santa Casa de Misericórdia, no mesmo Município, todos os 20 leitos de UTI estão ocupados. Já no Hospital Unimed de Sobral, de cinco vagas, duas estão ocupadas. Para reforçar a estrutura de atendimento durante a pandemia, o HRC já contratou 120 profissionais e mantém apenas os serviços de urgência e emergência. Para suprir a demanda crescente, o Município abriu, na última quinta (21), hospital de campanha Dr. Francisco Alves, que inicialmente tem 36 leitos de enfermaria e aguarda a regulação de 11 leitos de UTI. “Servirá para toda a macrorregião”, pontua Marcos. A abertura de outros 10 leitos de UTI cada, em Crateús e Tianguá, conseguiu desafogar esse fluxo. “Descentraliza mais e tem mais oferta”, acrescenta.
Paralelo a isso, os outros hospitais têm sido estruturados, como a Santa Casa, que possui 14 leitos de enfermaria, receberá mais 10 vagas. “Identificamos a grande taxa de ocupação e a primeira ação foi estruturar o hospital de campanha e a abertura de novos leitos na Santa Casa”, reforça Marcos. O hospital filantrópico Dr. Estevam, também ampliará de 21 para 30 os leitos enfermaria.
O município de Itapipoca, segundo com maior número de casos no interior, alcançando 536 pessoas infectadas, também sofre com a alta demanda. Segundo o diretor do hospital filantrópico São Vicente, Juliano Ragnoni, foram habilitados 10 leitos de UTI para pacientes com Covid-19, mas todas as vagas estão ocupadas e outros cinco aguardam uma vaga. O equipamento tenta habilitar entre cinco a sete leitos de UTI para suprir a demanda. A unidade também atende os municípios de Miraíma, Amontada, Tururu, Trairi, Uruburetama e Umirim, que somam mais de 315 casos confirmados. O problema reside justamente na polarização dos casos. Cidades vizinhas já apresentam muitos casos e as unidades de saúde referência não conseguem suprir a demanda de todas elas.
A Secretaria de Saúde de Itapipoca informou que sua Unidade de Pronto Atendimento está ampliando de 20 para 45 leitos na ala Covid, sendo quatro com ventiladores mecânicos. “Atenderemos casos com maior complexidade”, disse a coordenadora de Despesas da Pasta, Mayla Sampaio.
Saturação
O Hospital Regional do Sertão Central (HRSC), em Quixeramobim, referência para aproximadamente 631 mil habitantes de 20 municípios daquela região, está com todos os seus 30 leitos de UTI ocupados, enquanto dos 62 leitos de enfermaria, apenas oito estão disponíveis, representando uma taxa de 87,1%. Há duas semanas, a secretária de Saúde de Quixadá, Juliana Capistrano, cidade vizinha à unidade e que possui o maior número de casos confirmados, já classificava como “urgente” a ampliação de leitos na região.
Como forma de atender essa demanda crescente, a unidade exclusiva para pacientes com novo coronavírus instalada na UPA de Quixadá está sendo ampliada de 15 para 20 leitos, cinco com respiradores. “O Estado vai mandar mais cinco”, antecipa Juliana.
No Centro-Sul o cenário é o mesmo. Iguatu, cidade-polo da região, já conta com 114 casos e 12 óbitos, uma taxa de letalidade acima de 10%. No início da pandemia, foi previsto a abertura de 30 leitos, mas, até agora, apenas 10 foram efetivadas no hospital filantrópico São Vicente. O Hospital Regional de Iguatu aguarda mais dez leitos de UTI, enquanto já possui 30 de enfermaria – quase metade ocupados. A unidade atende a cidades vizinhas que somam 300 mil pessoas.
O médico sanitarista, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Odorico Monteiro, alerta que o ideal é endurecer as medidas de isolamento social para frear o avanço do vírus. Ele reconhece que “o interior não tem suporte de UTIs para atender elevada demanda de pacientes graves”.
Em Acaraú, Coreaú e Forquilha, por exemplo, foi implantado lockdown, semelhante a medida já vigente em Fortaleza. Nas duas primeiras cidades, os pacientes mais graves são levados para o HRN.
A Secretaria da Saúde do Ceará informou que o Estado já atingiu 2.139 novos leitos, sendo 627 de UTIs, mas não respondeu quantos estão no Interior e se há novos leitos em processo de habilitação.
Por Antonio Rodrigues
Fonte: Diário do Nordeste