A ESTÉTICA DA MALDADE
O maucaratismo da política bolsonarista tem várias configurações de decadência moral em estado bruto. No entanto, a mentira é a plataforma propulsora da estética da maldade, como se o dolo, a trapaça e a desonestidade fossem atributos da civilidade. Essa inversão criminosa de valores começa na idolatria fascista por outro criminoso, Trump é o esteio da iniquidade, transmissor do vírus da patifaria para Bolsonaro, se é possível infectar uma pessoa já infectada. Já na campanha eleitoral o gabinete do ódio dirigido por sua prole miliciana fabricou mentiras criminosas a torto e a torto, como quem cospe no santo, com a naturalidade de quem vai ao banheiro e desova o esterco. Em pouco mais de dois anos de desgoverno a maior obra executada pelo mandatário tem sido a mentira, muitas vezes distribuída com esmero, com requintes de construtividade, digna de um vilão de cinema americano. Porém, na maioria das vezes, é a mentira deslavada, aquela em que o mentiroso mais bandido sabe que está vilipendiando a dignidade na forma mais grotesca, xucra. Através da mentira escabrosa a quebra do decoro se tornou rotina bolsonarista, tal qual as notas de repúdio da cumplicidade oficialesca das “autoridades” empossadas na marginalidade. Se esse fosse um país sério, como sério é o estado do Rio de Janeiro, Bolsonaro já estaria preso. É providencial avisar ao gado, que a última frase contém alto grau de ironia, se não ele identifica isso como pasto e engorda ainda mais a sua ignorância. O que mais impressiona nesse teatro de horrores, nessa farra da barbárie, é essa prontidão da manada em negar a realidade e corroborar a escrotidão. Dentre as tendências planetárias de recrudescimento da extrema-direita fascista, a sociedade brasileira é a que mais condensa uma genética estrutural de racismo, machismo, misoginia, homofobia e supremacismo social, em que pese a riqueza patrimonial erguida por assaltos aos cofres públicos. É ela a mais conservada no banditismo primitivista e na religiosidade facínora.
A MENTIRA DE MÃOS ATADAS
Na tentativa de se livrar em público da imputação de responsabilidade direta na morte de milhares de vítimas do novo coronavírus, inclusive as dezenas que morreram asfixiadas por negligência em Manaus, Bolsonaro mente descaradamente, acreditando em sua própria mentira, ao afirmar que foi impedido pelo Supremo Tribunal Federal de qualquer ação contra a pandemia. “Só deus me tira daqui. Me tirar na mão grande não vão tirar. Vou repetir aqui: que moral tem João Doria e Rodrigo Maia em falar em impeachment se eu fui impedido pelo STF de fazer qualquer ação contra a pandemia?”, fala de Bolsonaro em entrevista a José Luiz Datena, o paladino de araque, da TV Band. Em sua verborragia de malandro de rodoviária Bolsonaro ainda disse mais: “Pelo STF eu tinha que estar na praia uma hora dessas, tomando uma cerveja. O Supremo falou isso para mim”. Porém, a história verdadeira é completamente diferente. Em seus raros momentos de integridade legitimada o Supremo agiu em defesa da sociedade brasileira, quando Bolsonaro queria impor o negacionismo obscurantista de quebra do isolamento social, do banimento do uso de máscaras e de abertura total do comércio, das escolas, bancos, igrejas, bares, restaurantes, templos e qualquer coisa em que possa existir trânsito e convívio social. Justamente quando ele desdenhava a pandemia e se referia a Covid-19 como uma “gripezinha”, bem antes da grotesca declaração: “O Brasil tem que deixar de ser um país de maricas”. Em abril, o STF reafirmou a autonomia de estados e municípios para adotar medidas de isolamento social e definir quais atividades serão suspensas, mas não tirou do governo o poder para atribuições relativas à pandemia. A ministra Carmen Lúcia teve que vir a público desmentir Bolsonaro sobre isso: “O que o Supremo disse é que a responsabilidade é dos três níveis [federativos] — e não é hierarquia, porque na federação não há hierarquia — para estabelecer condições necessárias, de acordo com o que cientistas e médicos estão dizendo que é necessário, junto com governadores, junto com prefeitos”. Pior é que paralelo a essa postura impostora de impedimento legal de agir, Bolsonaro tem continuado sua criminosa campanha negacionista, parabenizando prefeitos, governadores e apoiadores que quebram o isolamento social e o uso de máscaras, ao mesmo tempo em que ele, o presidente impedido pelo Supremo de combater a pandemia, não usa máscara, provoca aglomerações e mente ao dizer que a pandemia “está no finalzinho”.
A MENTIRA MEDICAMENTOSA
A ANVISA desmentiu categoricamente a falácia bolsonarista do “tratamento precoce”. O terraplanismo governamental foi bombardeado duramente durante a aprovação das vacinas Coronavac e Universidade de Oxford. Por tabela, a agência nacional também desconstruiu a imagem de ser o agente que atrapalhou a imunização no país. A ANVISA foi usada metodicamente por Bolsonaro, para a defesa da sua falta de atitude na vacinação do povo brasileiro. Em diversos momentos de sua trajetória genocida, o presidente culpou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, pela demora na elaboração de um plano de vacinação. Chegou a promover uma ocupação militar na agência para garantir esse retardamento, enquanto atribuía o embrulho operacional às decisões dos cientistas que poderiam aprovar as vacinas. Ao mesmo tempo em que ele encenava esse jogo nefasto de competências incompetentes, ele seguia destilando o seu negacionismo e desdenhando a eficácia, pondo em dúvida a ciência, fazendo piada sobre o direito de o cidadão negar a vacina: “Pô, quer tomar toma, aí se você toma e vira jacaré, foi você aí”. Fez campanha acirrada nas redes sociais contra a vacinação obrigatória, além de tentar impedir que os estados comprassem a vacina, bem como tentou confiscar seringas. Meiruze de Freitas, uma das diretoras da entidade, afirmou que os critérios utilizados na aprovação foram meramente científicos e seguiram as orientações da Organização Mundial da Saúde. Ela disse: “Até o momento não contamos com alternativa terapêutica aprovada disponível para prevenir ou tratar a doença causada pelo novo coronavírus”. Outro diretor da entidade, Alex Campos, foi categórico: “Considerando que a autorização de uso emergencial num cenário em que não há medicamentos para tratar a emergência do coronavírus, considerando por fim o interesse público envolvido, justifica o seu uso neste momento, voto pela autorização de uso emergencial excepcional e temporário da Fiocruz e do Butantan”. Todos os diretores durante o ato da aprovação enfatizaram a ineficácia do “tratamento precoce”. Sendo que muitos não se eximiram de comentar a responsabilização do governo federal na tragédia inadmissível de Manaus, o genocídio por asfixia. O diretor presidente da entidade também desmentiu a falácia bolsonarista de negar as regras sociais de combate ao vírus: “Me dirijo ao cidadão brasileiro que nos atinge. A imunidade leva um tempo para se estabelecer. Use máscara, mantenha distanciamento social, higienize suas mãos”.
A MENTIRA BOLSONARISTA É IMUNE
A pantomima de João Dória provocou um terremoto na frágil estabilidade governamental de Bolsonaro. Depois da aprovação das vacinas o presidente não fez nenhum comentário, enquanto que mesmo várias “autoridades” fajutas tenham pegado carona no episódio e soltando suas prosódias surdas, no sotaque politiguês da barbárie. Ele deixou para o ministro em caos, Pazuello, fizesse o papel de palhaço interino, afirmando que a vacinação iniciada em São Paulo era ilegal. Ilegal é negligenciar e provocar a morte de milhares de pessoas. Um dia depois, o presidente se dirige ao parco gado no cercado e solta essa: “Apesar da vacina…Apesar, não. A Anvisa aprovou, não tem o que discutir mais. Agora, havendo disponibilidade no mercado, a gente vai comprar e vai atrás de contratos que fizemos também, que era para ter chegado aqui. Então, está liberada a aplicação no Brasil. E a vacina é do Brasil, não é de nenhum governador, não”. É um mentiroso contumaz, um salafrário oficial. Note o “Apesar da vacina… Apesar, não”. Esse vacilo de sinceridade comprova que ele nunca tinha como plano aprovar vacina nenhuma. Estava mentindo o tempo todo, apostando no “tratamento precoce”, tão ineficaz quanto a sua retórica macarrônica. Ele continua mentindo sobre a compra de vacinas da Índia: “…contratos que fizemos também, que era para ter chegado aqui”. O vexame internacional do voo que não voou para buscar a vacina é uma mistura de canalhice com canalhice ao extremo. O Brasil nunca fez contrato nenhum de compra de vacina indiana. Agiu como se a Índia fosse uma filial do cabaré brazuca. Depois de a imprensa documentar a falácia, ele volta a repetir uma mentira na cara lisa. Entenda quando ele diz: “não tem o que discutir mais”, o quanto que ele estava compromissado em impedir o uso da vacina no Brasil. É como se a ANVISA fosse um agente subversivo, comunista, terrivelmente pelo povo. Sendo que a vacina não é do Brasil. É do povo, para o povo e pelo povo.
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