ESCANCARANDO O JÁ ESCANCARADO
A que ponto nós chegamos? Tenho lido constantemente nas redes sociais esse espanto. Acontece que nós não chegamos. O ponto sempre foi esse mesmo, só chegamos ao momento supremo do escancaro aditivado. Historicamente esse é um país que sempre vai para trás, da forma mais vergonhosa possível. O Brasil foi forjado no padrão europeu de bandidagem oficial, pilantragem sempre foi a referência ética e moral. O primeiro mundo está aqui como cria embalsamada. Herdamos a instrumentalização do poder e o intenso despudor em se apoderar do patrimônio público. Estamos apenas reproduzindo o que foi ensinado pelos exemplos colonizadores. O Brasil se tornou uma colônia do Brasil. A grande história, com suas narrativas do poder, sempre mascararam os porões da roubalheira, bem como construíram uma imagem falsa de uma sociedade temente a deus, conservadora, de moral ilibada. Devido a uma produção eloquente da bandidagem oficial o Brasil é um país que precisa ter sua história reconstituída sempre, com suas narrativas paralelas de delinquência tendo que ser conectadas a partir do escárnio e do cinismo. Quando Eduardo Bolsonaro disse: “Cara, se quiser fechar o STF, sabe o que você faz? Você não manda nem um jipe. Manda um soldado e um cabo. Não é querer desmerecer o soldado e o cabo, não.” Nesse momento foi fundada a abertura oficial dos armários da esculhambação no Brasil contemporâneo. E eles foram libertados aos montes, como demônios enxotados por pastores eletrônicos. E fizeram festas, e comemoraram, e pisotearam e cuspiram na pocilga, e ainda hoje não pararam. A mentalidade miliciana de Eduardo Bolsonaro errou quanto ao método. O Supremo Tribunal Federal faz cara de paisagem em sua maioria, porque foi comprado pelas benesses do poder ou fica inerte por ideologia chula, anacrônica, de combate ao “comunismo” e de apoio ignorante aos modos de extermínio da pobreza do ultraliberalismo, com seu poder inestimável de propinas. A pior lavra da sociedade bandida é aquela que ocupa cargos importantes do judiciário. São eles que legalizam a esbórnia das grandes negociatas do executivo e do parlamento. São eles que patrocinam o champanhe das comemorações do crime organizado e a falta de oxigênio nas UTIs dos miseráveis. Bia Kicis e Flordelis são carros alegóricos da escola de samba do descalabro. A marginalização do poder não espanta mais do que o samba enredo do Centrão. Sendo que o destaque mesmo é o passista tipo exportação, que leva o samba no voto e na cabeça. O carnaval só existe porque existe o voto. E esse voto legitimador não está distante, no idílio. Ele é aquele professor que você conhece. Aquele médico que prescreveu cloroquina para seu pai. É o advogado que fez o seu divórcio. É o juiz que suspendeu em liminar os efeitos da condenação em segunda instância em Alagoas, para que Arthur Lira pudesse se candidatar. É o seu parente pobre, traidor da família pobre. É o padre Claudemir Serafim, da paróquia São Miguel Arcanjo em Pedra Grande, Santa Catarina, que disse que: “O vírus não é católico porque odeia nosso Senhor e tem fechado as igrejas e a salvação para a nossa vida, nossa alma, não está na vacina. Há vários problemas morais em relação à própria vacina, que está comprovado que é feita com fetos abortados. Dos milhões de abortos muito mais elevados do que as mortes por coronavírus no mundo destes pobres seres humanos jogados nas lixeiras dos hospitais, fizeram vacinas”. É o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, que concedeu liberdade a André de Oliveira Macedo, o André do Rap, considerado pela Justiça um dos principais traficantes da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital).
É sua postura suspeita nas redes sociais, quando defende o genocídio e a tortura para quem denuncia o genocídio. Esse é o ponto: a falta de vergonha.
A ESCÓRIA TOMA O PODER
A mentalidade miliciana do General Heleno fez com que ele entrasse para história pelo esgoto do mictório adjacente do bar de ponta de rua. “Se gritar pega centrão, não fica um meu irmão” (veja vídeo abaixo). Assim cantou o meganha e assim o Centrão foi pego e colocado no centro do poder, distribuindo vergonhas e carapuças para todos os lados. Substituir a palavra ladrão por centrão não é a vergonha, essa é a dor, a dor de uma moral rasgada em público, sem a menor defesa patética possível. Vergonha é a “materialização da impunidade”, como se referiu o milico ao bloco de partidos que formam a quadrilha Centrão. Agora todos são sangue do mesmo sangue, até que a morte os separem. Na história brasileira nunca as forças armadas foram tão humilhadas. Quando Bolsonaro traiu o seu eleitor e traiu a si mesmo compactuando com uma horda que ele atestou categoricamente ser uma organização criminosa, ele não surpreendeu nem mesmo o mais convicto ruminante, ele apenas conectou os padrões de ralés, arrastando todos para a podridão brasílis. Já foi tudo escancarado. Agora é na mão grande mesmo. Essa é a continuação do projeto de extermínio do Estado. O Centrão vai destravar a pauta e vai abrir as torneiras das privatizações, inundando uma série incontável de cofres grandes e pequenos. O Centrão foi comprado por dinheiro, pelas benesses do poder e por uma ideologia chula, anacrônica, de combate ao “comunismo” e de apoio ignorante aos modos de extermínio da pobreza do ultraliberalismo, com seu poder inestimável de propinas. Já leu isso antes? No meio da barganha facínora está uma lista de prioridades de pauta entregue quarta-feira, dia 03/02/2021, aos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que inclui a liberação total do comércio de armas de fogo, bem como a isenção de militares quanto à punição em caso de ações cometidas durante operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), ou seja, o direito de matar qualquer brasileiro. Além das chamadas pautas de costumes e cultura, como o patrulhamento do professor em sala de aula e a privatização do ensino público e da saúde pública. Em uma sociedade que tem memória seletiva vale a pena relembrar as condenações do Centrão. Em matéria do Estadão, de 14/06/2020, foi publicada um compêndio da bandidagem: “Dos cerca de 200 deputados que formam o bloco informal na Câmara, ao menos 60 possuem implicações na Justiça com acusações e suspeitas que envolvem desde lavagem de dinheiro e corrupção a crimes ambientais. Entre os sete partidos do bloco, o Solidariedade tem a bancada com o maior número de deputados comprometidos na Justiça. Seis dos 14 parlamentares, mais de 40%, são alvo de processos judiciais que questionam sua conduta no setor público. A maior parte dos casos é referente a improbidade administrativa, com suspeita de danos aos cofres públicos. O Progressistas vem em seguida, com 38% de seus representantes na Câmara implicados em processos que apontam ou investigam desde lavagem de dinheiro até fraude em licitação. Outras siglas que integram o Centrão são PTB (33% da bancada investigada) – que tem o ex-deputado Roberto Jefferson como presidente nacional, PSD (25%), Republicanos (25%), DEM (27%) e PL (23%).” A ala dos chefões tem na cadeia ou em prisão domiciliar: Eduardo Cunha, Roberto Jefferson, Geddel Vieira e outras sumidades bandoleiras. A corrupção acima de tudo. A impunidade acima de todos. Mas a tão sonhada estabilidade no poder não é garantia nenhuma. Bolsonaro acabou de subir na corda bamba. O Centrão é um antro de crápulas e já apontou como prioridade deles a reforma ministerial, uma vez que foi prometida uma centena de cargos, incluindo ministérios. O Centrão cobra as promessas da mesma forma que os chefes do tráfico cobram. O governo não terá lastros para tanto. São emendas prometidas e verbas adicionais que giram em torno de bilhões. A primeira faca nas costelas não é doce como um pudim de leite condensado, Lira e Pacheco defendem a volta do auxílio emergencial, coisa que Paulo Guedes defenestrou pelos fundos, alegando falta de verbas, bem como a não criminalização do governo pela Lei de Responsabilidade Fiscal. A festança da patifaria não comemorava a estabilidade governamental, muito menos a garantia de nada. Para o Centrão quem tem com que pagar, não deve nada. Atualizando a história recente do crime de colarinho encardido: quando o PT se aliou ao famigerado Centrão, um dos bandidos centrais, Roberto Jefferson, passou a cobrar nas vielas internas, 30 milhões prometidos para ele e o seu partido. Não sendo correspondido em sua negociata ele passou a cobrar publicamente. Sem resultado favorável à compensação do crime, ele acabou denunciando o “mensalão” do PT. Deu no que deu. Hoje, esse meliante de magnitude de segurança máxima, é conselheiro de cabeceira de Bolsonaro, desbancando o carrapato de pasto Olavo de Carvalho. Lá vem o Brasil descendo a ladeira.
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