Sou médica intensivista há 25 anos. Durante esse tempo, já vivenciei muitas perdas, vidas sendo salvas e também tive que lidar com o luto de famílias inconformadas ou sem entender porque seu ente querido se foi.
Além de doutora, tenho formação em música clássica. Sempre achei que a medicina e a música podem ser aliadas no tratamento ou na cura de pacientes. Especialmente aqueles terminais ou paliativos, de modo a aliviar suas dores físicas e mentais.
Em uns dos meus plantões, decidi fazer uma visita à ala de oncologia do hospital. Não foi uma escolha aleatória; eu queria entender melhor como a música podia ser uma aliada tão poderosa na jornada de cura dos pacientes. Entrei naquela ala com um misto de curiosidade e expectativa, e o que encontrei lá mudou minha perspectiva para sempre.
Assim que entrei, fui recebida por um suave som de violino que flutuava pelos corredores. Aquela melodia envolvente me fez parar por um momento e simplesmente ouvir. Logo avistei Lucas, um jovem voluntário, entregando-se à música com paixão e dedicação. Seus olhos fechados, como se estivessem absorvendo cada nota, transmitiam uma serenidade contagiante.
Ao me aproximar, pude ver o impacto que a música estava tendo nos pacientes ao redor. Alguns sorriam, outros fechavam os olhos em uma espécie de comunhão silenciosa com a melodia. Não era apenas entretenimento; era uma forma de alívio, de esperança, de conexão com algo maior do que suas circunstâncias.
Conversei com alguns dos pacientes, e suas histórias ecoaram em mim como um eco de esperança. Alice, com seus cabelos prateados e olhar sereno, compartilhou como as músicas da sua juventude a transportavam para tempos mais felizes, mesmo quando enfrentava os desafios do tratamento. Marcos, um jovem lutador, revelou como a batida animada de uma playlist o impulsionava durante a fisioterapia, dando-lhe forças para continuar.
À medida que eu observava e conversava, ficou claro para mim que a música não era apenas uma terapia complementar; era uma parte essencial do processo de cura. Ela tinha o poder de suavizar as arestas da dor, de acalmar as mentes atribuladas e de despertar uma centelha de esperança nos corações mais desanimados.
Aquela tarde no hospital foi um lembrete poderoso da importância da música em nossas vidas, especialmente nos momentos mais difíceis. Ela nos conecta uns aos outros de uma maneira única, transcende as barreiras da linguagem e da condição física, e nos lembra da nossa humanidade compartilhada.
Ao deixar a ala de oncologia naquele dia, levei comigo não apenas as lembranças da música que havia tocado minha alma, mas também uma profunda gratidão pelo poder transformador da música na jornada de cura dos pacientes. Nos acordes de uma canção, encontrei não apenas conforto para o corpo, mas também nutrição para a alma, lembrando-me da beleza e da esperança que podem ser encontradas mesmo nos momentos mais sombrios da vida.
Por Mirta Lourenço. Médica, professora, cronista e poetisa
*Este texto é de inteira responsabilidade da autora, e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri