A história da humanidade é marcada pela dualidade bem x mal. Isso não é novidade. Desde a mais tenra idade somos aparelhados para concebê-los. Mas, o que é o bem e o que é o mal? É nessa indagação que se concretiza um dos conceitos mais em voga na história da humanidade: o maniqueísmo, esse que está amplamente praticado nos dias atuais.
Embora esse termo só tenha sido criado apenas no século III, pelo profeta persa, Maniqueu, sabe-se de seu emprego desde a antiguidade perpassando o tempo até a atualidade. Nesse sentido, maniqueísmo pode ser explicado utilizando a metodologia simplista do próprio maniqueísmo moderno como a dualidade bem x mal.
Vejamos a posição de alguns filósofos ao longo da história. O pré-socrático Heráclito de Éfeso vê os opostos bem e mal, sendo Deus a harmonia entre eles. Demócrito de Abdera, o atomista, aproxima bem do desejo da prática do bem sempre, não sendo assim, eis o mal. Protágoras. Antropocêntrico, defende a ideia do caos ou do livre arbítrio para o que seja bem ou mal. Sócrates estabelece o bem no conhecimento, logo, a ignorância é o mal. Para Platão, o mundo dos sentidos era o mal enquanto o mundo das ideias puras e imutáveis era o bem. Já Aristóteles enxergava o bem no racionalismo, sendo as paixões, o mal. Os estoicos viam o bem no agir em harmonia com o mundo, fora disso residia o mal. Santo Agostinho o bem é luz, enquanto as trevas seria o mal. Para Abelardo – justiça e injustiça porém determinado pelo dolo na ação. Santo Tomás de Aquino, dogma, a ordem de Deus, Thomas Hobbes (materialista) aquilo que agrada ao homem é bom e o que lhe causa dor ou desconforto é ruim. Para Kant a boa intenção, respeitando as leis morais, é o bem, do contrário, é mal.
Ao considerarmos o pensamento de cada um destes filósofos e suas épocas encontraremos o maniqueísmo de que tratamos envoltos em conceitos que envolvem outras dualidades além de bem ou mal, tais dualidades necessariamente não opostas como justiça e direito, ou ética e moral. É aqui que reside o debate atual maniqueísta. Em tempos de redes sociais o que temos visto é uma análise maniqueísta da atual situação política local até à global.
As redes sociais deram voz a uma multiplicidade de homens e mulheres que movidos por sentimentos como ódio, indiferença, homofobia, machismo, e principalmente materialismo resolveram trazer ao público suas opiniões preconceituosas e desumanas, muitas delas se apropriando de teorias arcaicas e sem fundamento, simplificadas muitas vezes como o bem que deve se sobrepor ao mal.
Foi assim que ao longo de décadas sulistas vinham em caravanas ao Sertão Nordestino trazendo mantimentos e alimentos ao povo desassistido pelo governo nos anos de chumbo, eles eram os bons, contudo, hoje são contra as políticas sociais de inclusão e combate à pobreza e que zele pela dignidade das pessoas. São contra as leis de cotas que permitem aos filhos dos pobres, maioria do povo, ingressar na Universidade, tornar-se médicos, advogado, juízes, ou quaisquer profissões antes privilégio de uma minoria rica.
Muitos, sem o mínimo conhecimento histórico sobre a geopolítica defendem firmemente a ideia de que a Rússia representa o mal, enquanto os EUA e a Otan são o bem. Que Israel tem o direito de expulsar os Palestinas à bala de suas próprias terras. Outros, ignorantes da consciência de classe refutam teorias sociais proletárias, demonizando-as sem nunca as terem lido.
Definitivamente, não há a menor dúvida de que somos maniqueístas, não há pecado em sê-lo. Contudo há que se saber que em um mundo onde 1% da população possui 50% de toda a riqueza mundial enquanto os outros 99% dividem os outros 50 em condições ainda de desigualdades, é preciso saber de que lado está o bem, e só vai encontra-lo quem entender o bem socrático, o conhecimento; o bem aristotélico, o racionalismo; o bem da justiça de Abelardo; o bem da ética de Kant. Eis o bem em que acredito, o bem que só se atinge pela educação.
Por Francinaldo Dias. Professor, cronista, contador de “causos” e poeta
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri