Alvo de uma escalada de violência — que culminou com o desaparecimento e morte do do indigenista Bruno Aráujo Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips —, a Amazônia sofre também com o agravamento de indicadores ambientais no governo do presidente Jair Bolsonaro (PL). O desmatamento na região em 2021, por exemplo, foi o pior dos últimos 15 anos.
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Para especialistas ouvidos, a devastação tem sido movida não apenas por ações e omissões do Executivo mas também por discursos e alianças feitas por Bolsonaro desde antes de assumir o cargo. Na avaliação das pesquisadoras, o governo falha em coibir atividades criminosas ao mesmo tempo em que tenta legalizá-las, para que possam ocorrer sem entraves.
O desmatamento amazônico tem subido ano a ano no governo Bolsonaro. Em 2018, o último da gestão de Michel Temer (MDB), o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) registrou a perda de 7.536 km² de vegetação. Três anos depois, em 2021, o desmatamento chegou a 13.038 km², um salto de 73% no período e pior índice desde 2006. A área devastada no ano passado é mais de oito vezes superior à da cidade de São Paulo.
O crescimento tem preocupado especialistas porque reverte uma tendência de queda predominante na última década. O desmatamento, que aumentou progressivamente durante a década de 1990, chegou a um pico em 2004, quando começou a ser controlado e a cair.
Desde 2018, contudo, as taxas recomeçaram a subir em ritmo acelerado (ver gráfico abaixo). O Inpe, que usa dados medidos pelo Prodes (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite), disponibiliza a série histórica desde 1988.
“No atual governo a gente começou a ver uma guinada no desmatamento na Amazônia. Essa guinada já reflete, na verdade, todos os discursos que ele [Bolsonaro] fez para se eleger. Com o começo do governo, isso se concretizou”, afirma Larissa Rodrigues, gerente de portfólio do Instituto Escolhas, que conduz pesquisas sobre as atividades econômicas na Amazônia.
Um dos focos de atenção da entidade é a proliferação de garimpos pela região. O problema, que atinge a região há décadas, teve um salto no governo Bolsonaro. Segundo dados do Inpe, o desmatamento provocado pela mineração na Amazônia saltou de 18 km² em 2015 para 121 km², quase sete vezes mais.
Prejuízo ambiental e humano
Pesquisadores de várias áreas avaliam que a postura do poder público tem provocado destruição ambiental e humana. A violência, que veio novamente à luz com o caso de Bruno e Dom, afeta especialmente as dezenas de povos indígenas que vivem na região. Lideranças têm sido ameaçadas e até assassinadas devido aos conflitos na região.
“Para o governo, o meio ambiente e os povos indígenas são obstáculos. Eles atrapalham o projeto político e econômico que se quer implementar a todo custo, independente dos estragos que isso cause para o Brasil e para o mundo”, avalia a antropóloga Leila Saraiva, doutora pela Universidade de Brasília e assessora política do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos).
Dos nove estados da chamada Amazônia Legal, apenas um, o Amapá, registrou queda de desmatamento durante o governo Bolsonaro. Na comparação entre 2018 e 2021, houve alta em todos os demais (Acre, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins), que têm visto a perda da vegetação se acentuar a cada ano.
‘Arco do desmatamento’ se move para o norte
O Pará, que desde 2006 ocupa o topo do ranking de desmatamento na região, viu o índice quase dobrar sob a atual gestão federal. Dos 2.744 km² desmatados em 2018, o valor subiu no ano passado para 5.238 km², o maior desde 2008 e equivalente a mais que o triplo da cidade de São Paulo.
O crescimento mais acentuado no período foi observado no Amazonas, que saltou de 1.045 km² para mais que o dobro, 2.306 km². No ano passado, a devastação no estado ficou à frente da registrada em Mato Grosso, algo inédito na série histórica do Inpe.
Apenas em 2004, quando a Amazônia desmatou uma área maior que o estado do Alagoas, os mato-grossenses responderam por mais de 40%. A partir daquele ano as taxas no estado tiveram queda brusca e vinham oscilando ligeiramente, até voltarem a subir no governo Bolsonaro. Para especialistas, a transição mostra que o arco do desmatamento amazônico está se deslocando em direção ao norte.
“Mato Grosso foi, de fato, muito desmatado no passado, e em seguida esse eixo começou a subir para outros estados. Esse processo é iniciado com a exploração de madeira e consolidado com a pecuária. Se a política é desmatar tudo, depois não sobra mais o que desmatar”, afirma Larissa Rodrigues, do instituto Escolhas.
Violência
Nos últimos dez anos, de 2012 a 2021, a Amazônia concentrou mais de 70% das mortes por conflitos fundiários no país. Segundo um levantamento da CPT (Comissão Pastoral da Terra), pelo menos 313 pessoas perderam a vida em disputas por terra na região. Os grupos mais vitimados, segundo os mesmos dados, foram povos indígenas (26% dos assassinados) e quilombolas (17%).
Só em 2021, segundo outro relatório da CPT, foram registradas ameaças de morte contra 32 lideranças indígenas ou servidores públicos que atuam em defesa dos territórios. A maioria da lista é composta de cacicas e caciques de comunidades locais, mas também há nomes como a ativista Txai Suruí, que tem discursado em defesa de povos indígenas em eventos internacionais.
Para a antropóloga Leila Saraiva, do Inesc, uma mudança de postura da Funai (Fundação Nacional do Índio) sob a atual gestão tem deixado as terras indígenas vulneráveis à violência. Na última semana, em parceria com o INA (Indigenistas Associados), o órgão publicou um dossiê sobre a atuação do órgão sob o atual governo.
“Os casos de violência que apareceram nos últimos anos, seja de assassinatos ou ameaças a lideranças, são frutos de uma política institucional de desproteção das terras indígenas. As fronteiras têm sido totalmente desrespeitadas, o que por si só já é um risco à integridade física dos povos”, critica Saraiva.
Além de avaliar mudanças na gestão da Funai, o documento do Inesc aponta que o órgão teve sua estrutura esvaziada. Desde 2013, caiu pela metade o número de servidores fixos na Amazônia Legal, que foram reduzidos de 1.360 naquele ano para os atuais 689. À reportagem a Funai afirmou que tem feito contratações de funcionários temporários para suprir o déficit.
Fonte: UOL