Um território que foi palco de uma das mais sangrentas batalhas das tropas lideradas por Joaquim Pinto Madeira (1783-1834), em Antonina do Norte, entre os anos de 1831 e 1832, durante o período regencial, foi reconhecido, no fim de março, como sítio arqueológico histórico pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) – o primeiro da região do Cariri e apenas o terceiro do Ceará.
Denominada de “Guerrilhas”, a localidade, que fica próxima à BR-230 que dá acesso a Assaré, apresenta resquícios do conflito armado e estruturas que podem ser covas coletivas.
A convite da Secretaria de Cultura do Estado (Secult) e da comunidade local, o arqueólogo Agnelo Queiroz, há dois anos, iniciou a pesquisa na comunidade de Guerrilhas. O trabalho de campo foi feito em duas visitas técnicas com uma equipe multidisciplinar acompanhada de historiadores, geógrafos e matemáticos. O trabalho identificou estruturas rochosas que, supostamente, seriam utilizadas como trincheiras.
“É um local estratégico, tendo uma boa posição de defesa e ataque, diante da visibilidade pelas duas laterais. Isso já é evidente na questão topográfica”, ressalta Agnelo. A população local também já relatava achados de material bélico, como resto de munições, pedaços de espadas, facas, canivetes e punhais no entorno.
Com solo muito raso, numa área em que as rochas afloram facilmente, somada às fontes historiográficas, Agnelo acredita que pedras tenham sido usadas para sobrepor covas rasas, que é um padrão encontrado em alguns locais de enterramentos coletivos ou em áreas rurais. A história “conta que houve muitas mortes, não seria possível enterrar os corpos em valas muitos profundas”, acredita o arqueólogo. Em um destes montículos, há pedaços de uma cruz, que ficou muito tempo fincada, mas veio a ruir. “Isso indica uma dimensão religiosa, que colabora com a ideia de que ali não houve só as mortes, mis os enterros”, completa.
Estruturação
Com o reconhecimento do Iphan, o historiador de Antonina do Norte, Jardel Soares, espera que a oficialização do sítio proporcione turismo ecológico e geração de renda. “Hoje não é visitado. Grande parte da população não tem conhecimento. Por isso, a gente buscou reconhecê-lo. Para preservar o local. Nosso intuito é tornar público, receber visitas de universidades, escolas. Dotar o local de infraestrutura básica”, projeta Jardel.]
“Este é um ganho para a arqueologia do Ceará em mais um espaço para os estudos em arqueologia dos conflitos, opressões e resistências”. Agnelo Queiroz, Arqueólogo
Neste sentido, o Iphan recomenda que sejam feitas ações para efetiva socialização do sítio, envolvendo o poder público e privado, mas, sobretudo, a comunidade. Sua abertura para receber visitantes depende da implantação de estruturas de proteção e preservação do bem, como guarda corpo, abrigos e sinalização. Qualquer intervenção deve ser feita com a prévia consulta e autorização do órgão.
Importância
“Com o sítio reconhecido, ele está, primeiramente, protegido pela legislação”, ressalta Agnelo, citando a Lei nº 3.924, de 26 de julho de 1961. Através do reconhecimento é mais fácil obter parcerias e financiamentos para a conservação, preservação e socialização do sítio, além de construir um modelo institucional de gestão para esse patrimônio e desenvolver um programa de tombamento de bens de natureza arqueológica.
Do ponto de vista arqueológico, Agnelo acredita que esta conquista é importante para evidenciar uma abordagem arqueológica pouco explorada no País e no Ceará, que possui apenas três sítios históricos. “Até porque é uma abordagem recente da arqueologia. Somente a partir da década de 1980 foi que se começou a trabalhar estas dimensões no Brasil, ou seja, os fatos históricos mais recentes: coloniais, pós-coloniais, da República”.
Descaso
Apesar de ganhar o reconhecimento, o sítio arqueológico convive, lado a lado, com um lixão ao ar livre. “Este é o maior problema e a gente vê em forma de denúncia. Não pode ficar daquele jeito. Desafiamos o município a resolvê-lo”, enfatiza Agnelo. Em 2018, o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) entrou com uma ação civil pública para a retirada do lixão.
O Município foi condenado, mas recorreu e conseguiu estender o prazo para instalação de um local adequado para o depósito de resíduos em até 240 dias, prazo que venceu no início deste ano. Com aplicação de multa diária de R$ 500, o órgão ministerial ainda vai entrar com uma ação de execução de sentença para cobrar o poder público municipal. “Quando a gente ingressou, eles paralisaram (o depósito de lixo). As coisas vão andando, volta a despejar e não cumpre”, enfatiza o promotor de Justiça, José de Deus Pereira.
A boa notícia é que o poder público já tem um projeto para instalação de um aterro sanitário, que será viabilizado através de consórcio público com mais seis municípios: Assaré, Campos Sales, Salitre, Araripe, Potengi e Tarrafas. O equipamento será instalado em Assaré. Em cada um deles, além de desativar os lixões, será criada uma Central de Triagem de resíduos, como detalhou o procurador-adjunto de Antonina do Norte, Alexandre Arrais.
O recurso de aproximadamente R$ 340 mil foi conquistado através cota anual de receitas do ICMS, entregues graças a nota máxima no Índice de Qualidade do Meio Ambiente (IQM). Este valor será somado ao dos outros seis municípios pra a construção do aterro. “Ainda está no processo de elaboração do projeto”, ressalta Alexandre.
Por Antonio Rodrigues
Fonte: Diário do Nordeste