O popular pequi, protagonista das refeições do Cariri cearense, ‘ofusca’ uma diversidade de frutos nativos da Chapada do Araripe presentes no cotidiano das comunidades daquele território. Maracujá-peroba, maracujá-boi, cambuí, araçá, araticum e mangaba são alguns exemplos de alimentos que também fazem parte da economia e da culinária local. Apesar da grande quantidade colhida, o potencial desta riqueza natural ainda é pouco explorado, até mesmo pelos moradores.
Consumo
Nascido e criado na comunidade de Guritiba, entre os territórios de Crato, Nova Olinda e Santana do Cariri, vizinha à Floresta Nacional do Araripe, o entregador José Nilton de Lima cresceu convivendo com o pequi, a pitomba, a macaúba, o cambuí e o maracujá peroba. Porém, sua relação sempre foi o consumo. “Chupar e jogar no mato. Ainda hoje é isso. Às vezes faz um suco, mas a maioria cai no chão e se acaba”, admite. Neste tempo de ‘inverno’, como ele mesmo descreve, acontece a maior parte da safra destes frutos nativos. “Aqui dá tudo!”, enfatiza Nilton.
No terreno de sua família, a diversidade é enorme, mas não há aproveitamento comercial. “Os passarinhos comem, mas a maioria faz é se perder. Acho que é porque a gente não conhece bem (as utilidades)”, acredita. Mesmo ‘estruindo’, ele garante que as plantas não são cortadas.
A agricultora Bernadete dos Anjos, vizinha de Nilton,tem outra relação com os frutos nativos, principalmente a mangaba, facilmente encontrada no seu terreiro. “É uma planta nativa e medicinal. A gente fez chá para pressão alta. Serve de remédio. Mas também faço sorvete, creme, além do suco”, conta. Também natural da Guritiba, ela mesma cria mudas para substituir as fruteiras que morrem. “Se não plantar, acaba”, completa.
Comércio
A geração de renda a partir dos frutos nativos ainda é tímida, mas, há pelo menos três décadas, às margens da CE-292, que liga Crato a Nova Olinda, se formou uma grande feira livre, impulsionada pelo pequi. Aos poucos, os vendedores, que também são catadores, começaram a explorar outros produtos, como o maracujá-peroba, o leite da janaguba, comum na Flona Araripe, e o mel de abelha.
O maracujá-peroba é o que mais tem conquistado novos clientes e é bem comum nas margens da rodovia. A safra é curta, entre 15 e 20 dias, no final de janeiro e metade de fevereiro. O saco com 20 unidades é vendido a R$ 3, enquanto dois saem por R$ 5. É assim que Aldísio Sebastião da Silva, do Sítio Mané Coco, garante a renda. Ele comercializa há quatro anos na rodovia. “O suco dele é melhor que o de maracujá comum. E ainda é nativo, não tem agrotóxicos”, enfatiza.
Possibilidades
Com sabor doce e, ao mesmo tempo, ‘travoso’, o cambuí começou a se popularizar na região, sobretudo, pelas mãos de José Araújo Marôpo e Maria Tereza Praxedes. Os dois criaram uma linha de 25 produtos à base do fruto, que também é encontrado no Cerrado. Tudo começou com o vinho, a partir de 2006. Também da polpa, veio a cachaça. A partir da casca e das sementes, surgiram geleia, doce, licor, vinagre, mousse, bolo, cocada, entre outros.
Agrônomo, Marôpo explica que o processo de fabricação do vinho é idêntico ao convencional da uva, só que com outros cuidados para não desencadear fermentações nocivas. “Controlamos esse problema”, enfatiza. Por ano, produz cerca de 3 mil litros da bebida, que já foi patenteada e tem selo orgânico. “É isento de qualquer inseticida”.
Já Tereza apostou em experiências para desenvolver outros produtos. Ela lamentava o desperdício da casca e do bagaço do cambuí. “Aí veio a ideia do licor, da geleia e do vinagre”, conta. Depois de alguns testes, produziu picolé, sorvete, cocada, trufa, doce e até uma massa triturada para usar em pães. Tudo é vendido em casa e nas feiras orgânicas do Crato.
A partir do cambuí, os dois perceberam as possibilidades de trabalhar outros frutos nativos. “Começamos a desenvolver a cadeia do maracujá nativo. Tem cachaça, licor e doce. Depois, veio o araticum, que tem cachaça, doce e geleia. A mangaba, que inclusive é muito consumida no Recife”, explica o agrônomo. Tudo é comprado de catadores da Chapada do Araripe, o que gera renda para as famílias.
O casal acredita que o trabalho iniciado por eles pode ajudar outras famílias da Chapada a ganhar dinheiro. “Esse produto pode ser aproveitado e acredito que 90% são perdidos, porque não têm escoamento. O pessoal ainda não desenvolveu nada na linha de processamento”, lamenta.
A ideia é ajudar, a partir da implantação do Polo da Fruticultura – Cariri/Centro Sul, com oficinas de capacitação nas comunidades. “A gente está procurando desenvolver a cadeia produtiva para o pessoal transformar esses produtos em renda”, enfatiza o agrônomo. “Além da preservação. Em vez de cortar, o pessoal está plantando, tendo mais cuidado. A gente via derrubar muito, hoje estão pedindo mudas”, completa Tereza.
Por Antonio Rodrigues
Fonte: Diário do Nordeste