A análise de 104 indicadores mostra que no primeiro ano da gestão de Jair Bolsonaro houve no Brasil uma piora em áreas como assistência social, saúde, educação e meio ambiente, equilíbrio nos números da economia e melhora nas estatísticas da criminalidade e emprego, com a ressalva, nesse último caso, de que o tímido avanço foi acompanhado da expansão da informalidade.
Os dados reunidos pela Folha revelam que 58 indicadores do país apresentaram resultados piores do que em 2018 ou outro período de comparação mais adequado, 41 registraram avanços e 5 permaneceram estáveis.
Na lista dos problemas está a área social.
Uma das pastas responsáveis pelo tema passou por uma dança de cadeiras —Osmar Terra deixou o Ministério da Cidadania, e a pasta será assumida por Onyx Lorenzoni, ex-Casa Civil, nesta segunda (17).
Carro-chefe dos programas sociais do governo, o Bolsa Família voltou a ter fila de espera para as pessoas em situação de pobreza e extrema pobreza, cerca de 1 milhão de famílias.
Apesar do pagamento do 13º (promessa de campanha de Bolsonaro), a cobertura do programa recuou mês a mês. O governo congelou o Bolsa Família mesmo nas regiões mais carentes (uma a cada três cidades mais pobres).
Outro importante programa federal, o Minha Casa Minha Vida passou por uma situação de colapso. A faixa 1, voltada às famílias mais pobres, sofreu com atrasos nos repasses a construtoras, e o número de imóveis entregues recuou 57%.
Falta de pessoal e deficiências estruturais também formaram uma fila de 1,3 milhão de pessoas com análise atrasada de pedidos de benefícios no INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
Retrocessos também ocorreram no meio ambiente, na reforma agrária e na política indigenista.
O desmatamento na Amazônia cresceu 29,5%. As queimadas, 86%. Já as multas por crimes ambientais aplicadas pelo Ibama caíram cerca de 25%. Bolsonaro é um antigo crítico do que chama de a “farra das multas ambientais”.
Em toda a gestão do presidente não houve demarcação de terra indígena nem mesmo declaração (autorização para a área ser demarcada), superando a pior marca até então, a de Michel Temer (2016-2018) —três terras indígenas declaradas e uma homologada.
A reforma agrária foi praticamente paralisada. O Incra homologou 5.409 lotes relativos a processos antigos de agricultores que ocupavam áreas sem autorização da autarquia.
As rodovias federais também apresentaram dados negativos: o número de mortes voltou a subir após sete anos.
Pesquisa anual da CNT (Confederação Nacional do Transporte) detectou que nas rodovias federais houve, em 2019, “uma piora efetiva dos resultados em todas as características: pavimento, sinalização e geometria da via”.
Sob a orientação liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes, os indicadores econômicos encerraram 2019 em proporção de igualdade. Houve piora em 28 e melhora em outros 28.
O destaque pelo lado negativo ficou com o comércio exterior. A balança comercial encerrou o ano mais fraca, e a corrente de comércio foi reduzida. As contas externas registraram um rombo de US$ 50,8 bilhões (R$ 218,3 bilhões), o maior em quatro anos.
A abertura do comércio do país, defendida por Guedes, ainda engatinha e tem poucos efeitos práticos.
Ainda houve queda no índice de confiança do consumidor e na produção industrial.
A situação dos estados também piorou, com aumento do número de entes que desrespeitaram o limite de gastos com pessoal e pioraram a capacidade de honrar dívidas.
Os dados de emprego tiveram pontos positivos e negativos. Foram 644 mil novas vagas com carteira assinada, o melhor saldo desde 2013, mas ainda distante dos resultados obtidos de 2004 a 2013.
O número de brasileiros na informalidade subiu 3,2%, o maior nível em quatro anos.
Entre os dados positivos, houve avanço nos resultados da Bolsa, que atingiu 115 mil pontos em dezembro, no consumo das famílias e na redução de 207 para 99 pontos no risco-país, termômetro informal da confiança dos investidores. A taxa básica de juros da economia chegou a 4,5%.
Na avaliação do economista-chefe da Necton, André Perfeito, a gestão de Guedes está conseguindo promover mudanças estruturais na economia, mas é preciso fazer uma leitura cautelosa de dados tratados como positivos.
“No ano passado, tivemos uma economia que ficou ligeiramente parada, com alguma melhora. O fato de a economia ainda estar frágil ajuda a manter a inflação sob controle. Os juros estão baixos porque a atividade está fraca.”
Já no MEC (Ministério da Educação), o ano de 2019 foi marcado por conturbações políticas, um primeiro semestre de paralisia operacional e troca no comando da pasta.
Em abril, Ricardo Vélez Rodriguez foi substituído por Abraham Weintraub, que imprimiu uma forte postura ideológica e muitas vezes agressivas, que lhe valeram apurações no Conselho de Ética da Presidência, processos judiciais e oito idas ao Congresso para prestar esclarecimentos.
O congelamento de recursos do MEC resultou em cortes de investimentos, como o cancelamento de 8% das bolsas de pesquisas.
O ministério intensificou os gastos no fim do ano, mas os investimentos em educação básica e superior regrediram.
O MEC anunciou ao longo de 2019 projetos com efeitos esperados apenas para 2020 em diante, como uma nova política de alfabetização e de expansão do ensino profissional.
Indicadores positivos de matrículas, como a alta de alunos em creche e em escolas de tempo integral, são resultados mais relacionados a esforços dos municípios e estados.
No ano passado, o MEC gastou R$ 3,2 milhões em propaganda de um programa para incentivar pais a lerem a seus filhos. Boa parte foi para ações em shoppings.
“Claramente existe uma falta de compreensão no MEC do que é política pública. O fato de acharem que uma ação de incentivo à leitura no shopping seria uma política federal de alfabetização é muito revelador e angustiante”, diz Priscila Cruz, presidente do Movimento Todos Pela Educação.
Apesar de não constar dos indicadores analisados na reportagem, o Enem 2019, primeiro sob Bolsonaro, teve problemas com as notas de milhares de participantes.
No lado positivo, além de indicadores de matrículas, houve uma pequena alta no número de contratos do Fies e nos investimentos na educação profissional e na instalação de internet nas escolas.
Na saúde, três indicadores apresentaram melhora e oito tiveram piora, segundo dados do Ministério da Saúde e entrevistas com Fátima Marinho, da USP, Gulnar Azevedo, presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, e Adriano Massuda, da FGV.
Entre as mudanças na rede, chama a atenção a queda no número de médicos na atenção básica, situação que não era registrada desde 2011, e de agentes comunitários de saúde.
A primeira está relacionada à decisão do governo em não renovar contratos do programa Mais Médicos. A justificativa era a necessidade de abrir caminho para a criação de um novo programa, o Médicos pelo Brasil, ainda sem editais.
Para Azevedo, a situação pode explicar a queda nos atendimentos na atenção básica. “Há lugares ainda há muito tempo sem médicos”, diz.
Outros indicadores trazem sinais de problemas na rede, como o aumento no volume de internações por pneumonia em menores de 5 anos.
Dados preliminares de janeiro a junho do último ano já apontam aumento na mortalidade infantil por esse motivo —foram ao menos 570 mortes contra 511 no mesmo período do ano anterior.
“Mesmo sendo um dado provisório, é um número que não reduz, e deve aumentar. É uma morte totalmente evitável”, afirma Marinho, que monitora o indicador.
Entre os pontos positivos está o aumento nos repasses para a atenção básica, o que ajudou a financiar novos programas como o Saúde na Hora.
Com a adesão de municípios ao programa e aumento nos repasses, cresceu o número de equipes de Saúde da Família. Também houve incremento no volume de consultas especializadas.
Em contrapartida, velhas doenças voltaram a preocupar, como a dengue, que acabou por levar ao segundo maior número de casos e mortes já registrado na série histórica, com 782 mortes, e o sarampo —18 mil casos contra 10 mil no ano anterior.
Seguindo tendência de queda que vem desde 2018, as estatísticas consolidadas pelo Ministério da Justiça apresentaram em 2019 redução de 22% nos homicídios dolosos e latrocínios, entre outros crimes.
A segurança pública é tarefa de responsabilidade majoritária dos estados. Desde Temer houve uma tentativa do governo federal de ter uma atuação mais relevante.
Na atual gestão, o ministro Sergio Moro (Justiça) tem reivindicado parte do mérito pela redução da criminalidade, argumentando que ações como o isolamento de chefes de facções contribuíram para a melhora dos indicadores.
O levantamento
A Folha condensou estatísticas de diversos órgãos do governo federal ou vinculados a ele, como o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), além de dados, estudos e pesquisas de instituições privadas, como o Datafolha, ou que acompanham setores específicos, como o ISA (Instituto Socioambiental), na questão indígena, e o Transparência Internacional, na área da corrupção. Foram também consultados e entrevistados especialistas dos setores analisados
Outro lado
O Palácio do Planalto não quis se manifestar.
O Ministério Desenvolvimento Regional afirmou, sobre o Minha Casa Minha Vida, que os investimentos em habitação representaram em 2019 mais da metade da execução financeira da pasta.
Segundo o ministério, em 2020 há R$ 2,2 bilhões para a continuidade das obras da faixa 1 e outros R$ 65,5 bilhões para moradias populares a famílias com renda mensal de até R$ 7.000.
O Ministério da Cidadania não respondeu. A Funai não respondeu sobre demarcação de terras.
O Incra disse que a seleção de novos candidatos para assentamentos foi suspensa em 2019 em atendimento a recomendação do Tribunal de Contas da União para alteração dos critérios e que, em 2020, pretende retomá-la.
O Ministério da Saúde atribui a queda em alguns indicadores da atenção básica a reflexos da crise econômica em anos anteriores e a um esgotamento do modelo anterior de financiamento, o que dificultava a ampliação da rede.
“Se não mudássemos o modelo, não teríamos mais avanços”, diz o secretário de Atenção Primária à Saúde, Erno Harzheim.
Afirma ainda que a queda no volume de consultas pode estar relacionada a dificuldades na transferência no sistema de dados que antes era usado pelos municípios, com iniciativa recente para evitar a duplicação de registros.
Sobre a redução no número de médicos, a pasta afirma que parte dos municípios que não teve contratos de médicos renovados no Mais Médicos têm condições de custear profissionais e já adotaram outras estratégias.
Segundo ele, a pasta finaliza medidas para transição do Mais Médicos para Médicos pelo Brasil. A previsão é que o primeiro edital do novo programa seja lançado até o início do segundo semestre.
Entre outros pontos, a pasta não se manifestou sobre o aumento nas internações e na mortalidade infantil por pneumonia nem as mortes por dengue.
Representantes do ministério têm dito que o avanço da doença está atrelada a fatores climáticos e maior circulação do tipo 2 do vírus da dengue, o que não era registrado desde 2008.
O número de mortes, porém, é questionado por especialistas, para quem a ocorrência aponta falhas na organização da rede.
O Ministério da Economia afirmou que os dados do emprego reforçam que 2019 “ficou marcado como o ano da retomada” e que há indicadores não abordados que apresentaram leve melhora, como a taxa média de juros das operações de crédito para pessoas físicas e o mercado de crédito.
A pasta diz ainda que resultados como o aumento da dívida líquida reforçam a necessidade de continuidade da agenda de reformas.
Sobre o comércio exterior, diz que fatores como a gripe suína na China e a crise econômica na Argentina afetaram os resultados.
O Ministério da Justiça respondeu apenas a parte relativa à redução dos números da criminalidade, ressaltando um trabalho conjunto das forças de segurança federais, estaduais e municipais.
“Desde 2019, o Ministério da Justiça e Segurança Pública reforçou a atuação integrada com as forças locais. Como exemplo, citamos o ‘Em Frente, Brasil’, projeto-piloto de enfrentamento à criminalidade violenta desenvolvido em cinco cidades.”
O Ministério da Infraestrutura afirmou apostar nas parcerias com a iniciativa privada para a melhoria das rodovias, com concessões em 2020 cujo investimento previsto é de R$ 42,6 bilhões.
O Ministério da Educação não se manifestou.
Fonte: Folhapress