O procedimento tem sido o mesmo. No momento em que se indispõe com um integrante de sua equipe e avalia que sua autoridade está ameaçada, o presidente Jair Bolsonaro contraria o ministro em público, intervém em assuntos da pasta e o escanteia de discussões do governo.
Em pouco mais de um ano, o método de fritura já foi utilizado contra os ministros da Justiça, Sergio Moro, e da Economia, Paulo Guedes. A vítima da vez é o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, com quem o presidente tem travado uma queda de braço no combate ao coronavírus.
No mais recente capítulo da crise, Bolsonaro disse neste domingo (5) que algo subiu à cabeça de integrantes de seu governo e que “a hora deles vai chegar”, pois não tem “medo de usar a caneta”. Ele não chegou a citar Mandetta, mas o caso se soma à lista de embates com membros da Esplanada.
Bolsonaro, por exemplo, obrigou Guedes a demitir o então secretário de Receita Federal, Marcos Cintra, em meio à discussão sobre a recriação da CPMF.
O presidente contrariou também Moro na sanção do pacote anticrime. Das 38 sugestões de vetos feitas pelo Ministério da Justiça, apenas cinco foram atendidas.
Mais recentemente, na tentativa de esvaziar o ministro, Bolsonaro disse que estudaria a recriação do Ministério da Segurança Pública, mas recuou após sofrer críticas nas redes sociais de perfis de direita.
Comportamento parecido Bolsonaro teve com os ex-ministros Gustavo Bebianno (Secretarial-Geral), que morreu de infarto no último dia 15, e o general Carlos Santos Cruz (Secretaria de Governo), ambos demitidos pelo presidente.
No ano passado, em meio ao escândalo dos laranjas do PSL, revelado pela Folha, Bebianno, que presidiu o partido nas eleições de 2018, foi fritado publicamente por Bolsonaro, com o apoio de seus filhos.
Já o general Santos Cruz foi demitido após pressão do núcleo ideológico do governo, que almejava o controle da comunicação palaciana. Santos Cruz foi alvo de fake news nas redes, em um movimento também respaldado pelos filhos do presidente.
Em relação a Mandetta, na semana passada o presidente esteve prestes a demití-lo. Chegou a informar a intenção a ministros palacianos, que o demoveram.
O conselho foi de que seria melhor esperar pelo menos até junho para uma eventual exoneração, de modo a não correr o risco de ser responsabilizado sozinho caso o sistema de saúde entre em colapso.
O ministro já vem demonstrando sinais de cansaço com a relação conturbada. Segundo servidores da pasta, amigos e familiares de Mandetta têm defendido que ele peça para sair. O ministro, no entanto, já mandou o recado ao presidente de que só deixa o cargo demitido.
Sem alternativas, Bolsonaro deu início a um plano de desgaste, na tentativa de pressionar Mandetta a mudar de ideia. Segundo assessores, o presidente avalia que Mandetta tem se negado a alinhar seu discurso ao do Palácio do Planalto com o objetivo de promover a sua própria imagem.
O entendimento é que o ministro aproveita a superexposição para se cacifar para a disputa pelo governo de Mato Grosso do Sul em 2022. A intenção, no entanto, é negada por familiares, políticos do estado e correligionários.
Em conversa recente, o presidente chegou a dizer que o ministro não tem sido leal e apontou como contrapontos o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) e o diretor-presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, favoráveis a uma flexibilização do isolamento social. Os dois são cotados para a sucessão de Mandetta.
Para aliados do presidente, ao fazer um contrapeso a Bolsonaro, Mandetta perdeu sua confiança. Segundo eles, a permanência dele após o arrefecimento da epidemia se tornou insustentável.
O aumento da popularidade do ministro foi constatado pelo próprio núcleo digital do Palácio do Planalto. A atuação de Mandetta não tem recebido elogios apenas de perfis de esquerda, mas também de páginas de direita. Na sexta-feira (3), o Datafolha mostrou que a aprovação do Ministério da Saúde é hoje mais do que o dobro da do presidente.
No dia 28, em uma acalorada reunião no Palácio da Alvorada, Mandetta disse a Bolsonaro que precisava de liberdade para trabalhar. No dia seguinte, o presidente resolveu passear pelo comércio de Brasília, contrariando as indicações do Ministério da Saúde.
Na quinta-feira (2), Bolsonaro explicitou seu incômodo com o auxiliar ao dizer, em entrevista à rádio Jovem Pan, que estava “faltando um pouco mais de humildade” ao ministro e que eles estavam “se bicando há um tempo”.
Na mesma noite, o ministro foi jantar com os correligionários Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente do Senado, e Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara.
Eles perceberam um Mandetta esgotado física e mentalmente, mas disposto a só sair do cargo se demitido, apesar de reconhecer o desgaste da sua relação com o chefe.
Aliados do ministro dizem que ele não irá para o confronto público direto. Diante das câmeras, amigos dizem, sobressai o Mandetta político, que fala fácil e tem jogo de cintura.
Políticos próximos ao ministro dizem que ele tem se irritado com o comportamento de Osmar Terra, que ganhou o apelido de Osmar Trevas em um grupo do DEM.
Na semana passada, Terra foi convidado para uma reunião, sem a presença de Mandetta, em que Bolsonaro recebeu um grupo de médicos para falar do uso da hidroxicloroquina no tratamento do coronavírus.
Durante o encontro, o presidente fez questão de deixar claro que tem uma posição contrária à de Mandetta sobre o uso da substância.
A relação entre Bolsonaro e Mandetta sempre foi protocolar. O ministro foi indicado ao cargo pelo governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), aliado de primeira hora do presidente e que rompeu com ele recentemente por causa do seu discurso sobre a pandemia.
Pela falta de afinidade de ambos, Bolsonaro chegou a cogitar a sua substituição em setembro, mas desistiu ao constatar que ele tinha amplo apoio junto ao setor da saúde.
No início da epidemia do coronavírus, o presidente se queixou ao ministro de que ele deveria defender mais o governo e o repreendeu por ter participado de uma entrevista ao lado do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), adversário político de Bolsonaro.
Mandetta modulou sua retórica e passou a pregar a importância de a atividade econômica não parar. No entanto, não se dobrou à pressão do presidente contra a medida de isolamento social, o que iniciou o embate entre ambos.
Nos dois pronunciamentos feitos em cadeia nacional de rádio e TV, Bolsonaro consultou pelo menos sete ministros, entre eles Tarcísio de Freitas (Infraestrutura), Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional). Mandetta não foi ouvido, apesar de o tema ter sido coronavírus.
Fonte: Folhapress