Apesar do aparecimento de novas cepas do coronavírus e do risco de o país entrar em outra onda de contaminações, o Brasil aplicou poucos testes em sua população em comparação com outros países do mundo. Além de ajudar a controlar a pandemia, a testagem em massa oferece aos laboratórios o material genético necessário para sequenciar o vírus em busca de novas variantes.
Desde o início da crise sanitária, estados e municípios aplicaram 49,4 milhões de testes, segundo levantamento da Info Tracker —plataforma de monitoramento da pandemia das universidades estaduais paulistas USP e Unesp—, que comparou a marca com a de outros países e descobriu que o Brasil é o penúltimo colocado em um ranking que mede a chamada Taxa de Positividade.
Esse índice é uma métrica epidemiológica que mensura o quanto uma região está testando sua população. Ela é obtida a partir do número de casos positivos dividido pelo total de testes aplicados.
“De acordo com a OMS (Organização Mundial de Saúde), uma taxa de positividade inferior a 5% indica que a epidemia está sob controle”, diz o professor da Unesp e coordenador da Info Tracker, Wallace Casaca. No Brasil, essa taxa é de mais de 30%.
Os dados foram coletados da plataforma internacional Worldometers, que compila as informações a partir dos testes aplicados pelos estados, independentemente de quem entregou o exame. O Ministério da Saúde diz ter distribuído 32 milhões de testes, mas não informa quantos foram efetivamente aplicados.
“O Brasil deveria ter aplicado sete vezes o total de testes atualmente registrado para que fosse atingido o mínimo recomendado pela OMS”, diz o professor. “Se um país testa pouco, a taxa de positividade é alta e o país não consegue identificar os infectados com agilidade, principalmente os assintomáticos. Com isso, a cadeia de transmissão nunca é quebrada.”
Testes vs. novas variantes
Além de indicar que a pandemia está fora de controle no Brasil, os poucos testes comprometem a descoberta de novas variantes do coronavírus. É que os 27 Lacens —laboratórios públicos— distribuídos pelo Brasil encaminham as amostras dos testes positivos para que laboratórios de referência sequenciem o vírus e encontrem mutações, algumas delas suficientes para tornar o patógeno mais transmissível ou mais perigoso: é quando uma nova variante é encontrada.
“À medida que o vírus se replica, ocorre erros em seu RNA [molécula que regula a síntese de proteína], uma mutação”, explica Ana Marinho, imunologista do Hospital das Clínicas de São Paulo. “Essa mudança pode não ser patogênica, mas uma ou outra mutação pode resultar em um vírus com uma característica vantajosa para ele e ruim para o paciente.”
“Se o vírus passa a infectar mais ou é mais virulento [perigoso], consideramos o aparecimento de uma nova variante.”
Ana Marinho, imunologista
É o caso da P1, originada em Manaus e rebatizada de gamma pela OMS. Descoberta em janeiro, a cepa já contamina nove em cada dez brasileiros.
“Ainda faltam estudos, mas minha impressão clínica é que os pacientes internados hoje são mais jovens e têm uma piora muito mais rápida do que no começo da pandemia”, diz a médica.
Reino Unido sequencia em dias o que Brasil leva 1 ano
Com poucos testes aplicados, o Brasil sequencia poucas amostras do vírus. De acordo com relatório dos fiscais do TCU (Tribunal de Contas da União) —ainda a ser votado— sobre o desempenho do Ministério da Saúde em relação à crise sanitária, “o Reino Unido sequenciou em uma semana quase o dobro do que o Brasil sequenciou em um ano de pandemia”.
Segundo o documento, o Reino Unido analisa semanalmente 9.900 amostras, algo em torno de 6% a 8% dos seus casos positivos. Já a Dinamarca, “outro país líder em vigilância genômica”, sequencia aproximadamente 12% dos casos positivos.
“O Brasil fez até o momento [março de 2021] 5.500 sequenciamentos genéticos de covid-19, ou apenas 0,046% do total de casos confirmados.”
TCU em relatório
“Cada Lacen encaminha dez amostras por mês para os laboratórios de referência. Em um mês, são sequenciadas apenas 270 amostras”, dizem os fiscais.
“Caso uma nova variante seja mais contagiosa e patogênica em crianças, pode-se orientar fechar escolas”, diz o relatório. “O trabalho laboratorial deve andar bem próximo ao serviço de vigilância em saúde.”
Governo lança projeto de sequenciamento
O Ministério da Saúde diz que o sequenciamento genômico é realizado por diversos laboratórios do país e, por isso, “muitos resultados podem ter sido notificados apenas aos municípios ou estados ou, até mesmo, ainda não terem sido notificados a nenhum ente do SUS (Sistema Único de Saúde)”.
Os testes aumentaram nos últimos tempos. Entre 9 de janeiro a 22 de maio de 2021, foram notificados às secretarias de saúde 3.977 registros de casos da covid-19 pelas novas variantes no Brasil —3.848 da P1.
A pasta informa que está implementando a Rede Nacional de Sequenciamento Genético, cujo projeto-piloto pretende sequenciar 1.200 amostras de SARS-CoV-2 “com o objetivo de investigar as mutações/linhagens (…) em circulação pelo Brasil”.
“Para investigar novas variantes serão analisadas três amostras por semana durante 16 semanas, de todos os estados brasileiros, de casos suspeitos de reinfecção, casos graves ou óbitos, pacientes que residem em área de fronteira (…), além de casos que estiverem em locais com circulação de nova variante e seus contatos.”
Ministério da Saúde
Inicialmente, quatro laboratórios participarão do projeto (Instituto Adolfo Lutz/SP, Instituto Evandro Chagas/PA, Lacen Bahia e Lacen Minas Gerais). Depois a rede será ampliada para os Lacens de outras unidades federadas de acordo com a disponibilidade de recursos e capacidade técnica local.
Para a imunologista, “o sequenciamento é de fundamental importância para saber com que vírus estamos lidando”.
“Se a gente não sabe se o vírus circulante é aquele para o qual a vacina foi criada, é possível que uma nova variante drible algum imunizante.”
Ana Marinho, imunologista
Fonte: UOL