Quando Pequeno apareceu naquela família, fez-se o anúncio de um tempo novo. Tratava-se de uma providência divina? Em verdade, o clima na família não era dos melhores, o casal vivia num embate conflituoso. Inclusive já haviam se separado por alguns meses. O que deixava o casal de filhos adolescentes perdido. A mãe, mulher jovem, pouco mais de quarenta anos, o pai, um senhor de quase setenta, ambos em um segundo relacionamento, em comum, duas vidas que buscavam uma segunda chance. Mas havia uma incompatibilidade pela diferença de idade.
O pequeno era sobrinho dela. Filho de um irmão que arribara para as terras do sul. A mãe, paraense que não suportando a vida de privações e dificuldades, abandonara o marido à própria sorte com o pequeno recém-nascido, e voltara à casa dos pais levando dois outros filhos mais velhos, respectivamente 4 e 6 anos. Justo? Cada um ache segundo o seu julgamento e caráter.
O pai deixara o pequeno, primeiro com a avó, numa cidadezinha do interior do estado que não me recordo o nome. A julgar pelo nome pouco conhecido, dá pra imaginar a cidade? Notícias quase nenhuma chegava de lá. Até que certa manhã, aparece ela, a avó, com uma criança franzina no colo. – Seu irmão pediu para você cuidar do garoto enquanto ele arranja meios em São Paulo. Havia tristeza na voz daquela mulher. Das duas uma, mentira ou remorso?
Ismael Silva Arcanjo, era o nome de pia, magrinho, olhos amendoados, cabelos espetados, numa aparência de indígena. Dois anos apenas, mas falava pelos cotovelos, como dizem. Demonstrava na fala mais idade do que tinha, inclusive dava para se meter nas conversas dos adultos. E não demorou muito para saber o nome de todas as pessoas da ruinha, as quais o chamavam de Pequeno.
O primeiro ano passou rápido e o pai de Pequeno ausentava de dar notícias. As poucas que chegavam, vinham desencontradas e inseguras. E pequeno sempre perguntando: – Meu pai vem me buscar quando? – Cadê meu pai? – meu pai já chegou? A estas perguntas seguiam respostas que acalentavam até o próximo dia. E assim passou-se o primeiro ano de pequeno em nossas vidas. Pequeno completara 3 anos. Fizeram uma festa bonita e as pessoas da ruinha foram prestigiar o garoto. A meninada brincava solta, lugar seguro onde carros não entravam porque não havia saída. Pequeno mostrava todos os presentes que ganhara. E dizia que estava muito feliz. Seria sua primeira festa de aniversário?
Um dia o pai de pequeno apareceu. Não parecia que tivera arranjado meios por onde andava. Não demonstrou muito interesse pelo filho, viera a mando do peso da consciência, e apenas avisou que não poderia ficar com o menino. Como trabalharia com uma criança? Deixou um dinheiro que trazia em carteira e entregou à sua irmã. No outro dia cedinho, praticamente não se despediu e foi embora, assim como um cigano que não para em lugar nenhum. Coube à tia de Pequeno explicar ao menino que o pai precisara viajar a trabalho, mas logo voltaria. Surpreendeu a todos, a reação do garoto quando dissera que já sabia.
A partir daquele dia, como alguém que toma uma decisão, Pequeno passou a chamar à tia de mãe e a seu esposo de pai. O ambiente naquela casa passou a ser de paz. As brigas eram coisas do passado e os laços entre eles se fortificavam a cada dia. Era preciso. Por que?
Pequeno agora contava com quase 4 anos e os últimos meses tinham sido de harmonia naquela casa. O garoto era a alegria não apenas da casa, mas também de toda a ruinha. E não havia quem não simpatizasse com sua falinha engraçada e suas observações perspicazes. Todos já comentavam que no início do ano vindouro Pequeno iria estudar. Essa notícia o alegrou grandemente.
Era início de dezembro quando numa madrugada a ruinha despertou com o desespero da agora mãe de Pequeno. A mulher aos prantos pedia socorro aos vizinhos, enquanto o esposo o carregava nos braços. Chamaram um carro de um vizinho e o levaram apressadamente ao hospital mais próximo. Pequeno sentira dores fortes no abdômen e desmaiou dessas dores. Lá, feitos os exames iniciais, o médico diagnosticou problemas nos rins do garoto. Ficou alguns dias no hospital e de volta para casa, quinze dias depois, novamente a dor o acomete, novo desespero. Novos exames, dessa vez a suspeita de que o garoto contraíra calazar. Tratamento iniciado, aparentemente controlado.
Passou-se um trimestre nessa situação, as dores vinham, levava ao hospital, novos exames, nova suspeita, novo tratamento. A barriga de Pequeno aumentara consideravelmente e o seu semblante já era de um doente crônico. Até que um médico sugeriu exames detalhados e a partir do resultado, iniciara a grande saga de Pequeno e sua mãe.
Pequeno fora acometido por um câncer, que se iniciara nos rins e se espalhara por todos os órgãos do garoto. Mas não de imediato, tratado os rins, os médicos animados criam na cura, meses depois o fígado, quimioterapia, pseudo cura, depois no pulmão, cabeça, até que Pequeno cegou. E não suportando mais tanto sofrimento, Pequeno encantou-se numa tardinha ganhando definitivamente suas asas de anjo, não sem antes deixar no coração de cada morador o exemplo de luta e espalhar o amor entre aquelas pessoas. Pequeno era um anjo que visitara aquela ruinha para nos dar uma bela lição de amor.
Por Francinaldo Dias. Professor, cronista, contador de “causos” e poeta
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri