Ele entrou na sala e diante daquela polifonia desordenada que mais parecia um bando de pardais dos sangrentos fins de tarde de seu tempo de criança, deu “bom dia”, ainda que tivesse consciência de que não seria ouvido. Não era ele, eram os outros. Sentou-se, levantou a mão numa atitude mecânica de futebolista na cobrança de escanteio. Era um sinal para o silêncio. Nada! Ainda iniciou a chamada em voz alta “fulano de tal”. Não ouviu resposta. Colocaria falta, não fosse um aluno sentado na fila da frente que o avisara que o referido estava presente. Continuou, agora em voz mais baixa, e gradativamente caminharia ao silêncio total não terminasse aquela lista. Todos presentes, segundo o colega e mais três que ali formavam um quadrado, um garoto e duas garotas.
Não importa o que ele sentia. Deu inicio a aula, quase em sussurros. Com gestos foi mostrando aos quatro a frase que escrevera na lousa branca. A aula era de gramática, com seus termos essenciais sujeito e predicado, e ele sentiu-se, pensou, “se a sala fosse uma oração, seria eu um sujeito oculto?” e continuou a explicação para os quatro alunos que naquela terceira aula, cumpriam o papel de reais estudantes. Vale a pena! Já fazia pouco mais de cinco minutos daquelas explicações em sussurro, quando o silêncio foi engolindo a sala pouco a pouco, como a noite que chega nos outonos acinzentados do tempo e engole a tarde.
Súbito um aluno ao fundo da sala indaga em tom irônico “e o senhor vai dá aula só pra eles?”. Ele se surpreendeu, já que aquele tipo de pergunta não era muito comum naquela turma. Talvez se a pergunta fosse “é pra copiar?”, “posso ir no banheiro?”, “vale visto?”, essas perguntas com as quais ele estava adaptado, e que insistiam em se repetir ainda que aquela turma fosse do ensino médio, fossem elas não haveria surpresa. Ante a pergunta, a resposta com outra pergunta; num processo dialético irônico moderno “como se sente com essa situação?”. Ao que seguiu um silêncio reflexivo da turma.
Então a aula de gramática seguiu, anacolutamente, com outra pergunta, agora para todos “vocês sabem o que significa alteridade?”. E prosseguiu “Em latim, a origem da palavra alteridade está na palavra alteritas. O radical alter significa “outro”, enquanto itas remete a “ser”, ou seja, em sua raiz, alteridade significa “ser o outro”. Cria com aquela metalinguagem, sensibilizar, em vão. E seguiu: “Entretanto, como não dá para ser o outro literalmente, podemos compreendê-la como “se colocar no lugar do outro”. E mais, muito mais que um conceito, a alteridade é uma é uma prática e consiste, basicamente, em colocando-se no lugar do outro, entender as angústias dele e tentar pensar no seu sofrimento.
E continuou o mestre: “Nesse sentido, impossibilitado de me colocar em seus lugares, já que são muitos e diversos em suas angústias e sofrimentos, eu os trouxe para o meu lugar. Fiz o caminho inverso, busquei projetá-los na sensação que sinto quando não tenho respeito o meu direito-dever de ser professor. Naquela altura um silêncio sepulcral engolira a todos e o professor, resolvera voltar à aula que planejara, e quis o destino que neste exato momento o diretor entrasse na sala para uns lembretes sobre frequência e comportamento dos alunos, o professor ficou ouvindo e enquanto o diretor falava ele organizou seu material, dali a alguns segundo o toque para o intervalo, ele marchou em direção à sala dos professores onde os colegas iniciaram uma conversa acalorada sobre o tempo pedagógico.
Por Francinaldo Dias. Professor, cronista, contador de “causos” e poeta
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri