“O vento do meu espírito soprou sobre a vida.
E tudo o que era efêmero se desfez.
e só ficastes tu que és eterno.”
Cecília Meireles
Os meses de junho e julho no Nordeste brasileiro são, definitivamente, os mais animados e festejados do ano inteiro. O Carnaval, em alguns estados, tem sua preponderância, mas dura no máximo uma semana. As festividades de final de ano, também, bem familiares, além de carregarem um ar de nostalgia e de saudade, resumem-se a dez dias. As celebrações juninas começam em maio e chegam a julho. Aqui, entre nós, fecham-se com chave de ouro, com a Expocrato. Haja disposição para tanta festa e balança para aguentar tantas guloseimas!
A Expocrato, este ano, já pega a fila preferencial entre as preferenciais: 80 anos. Há de se reconhecer que o festim cresceu, ganhou vida própria e, hoje, se tornou numa das mais importantes feiras agropecuárias do Brasil. Impressionante o movimento de turistas e a reunião de filhos e amigos do Crato durante o evento. Aos poucos, depois da reforma, o Parque, também, perdeu aquele ar brejeiro. As barracas cresceram em estrutura, o espaço de shows ampliou-se, os palcos são aqueles de megaeventos. Os estandes, também, largaram aquele ar improvisado e meio retrô. E, consenso geral, o setor de segurança foi um dos mais altos pontos da recente edição. Os saudosistas reclamam, mas há de se reconhecer o dinamismo da vida e o agigantar-se inequívoco do evento.
Há, claro, queixas reincidentes e justificadas. A festa cultural é excludente. Principalmente na sua grade de shows que contempla apenas os jovens, com os artistas e ritmos de maior visibilidade na mídia: breganejos, piseiros, pagode, funk e levadas afins. Várias gerações foram relegadas ao ostracismo: amantes do Rock, da MPB, da Seresta, do Reggae, da Bossa Nova. Certo que nas edições mais recentes havia a exclusão com filtros financeiros, este ano liberou-se parte dos ingressos gratuitamente. Claro que cheira a jogada eleitoreira, uma compra antecipada dos votos de outubro. A verificar se a sensibilidade social permanecerá em anos normais. Os preços, também, das comidas e bebidas, por unanimidade, eram de assustar Bill Gates. A única possibilidade de se conhecer um pouco do paraíso era frequentando o Inferninho. Certo que não houve cobrança de ingresso como é praxe na visita às feiras do país, mas a tabela de cerveja a 20,00, picanha a 250,00, não deixa de ser uma compra pós-paga do ingresso.
Como sempre, os artistas do Cariri foram, definitivamente, alijados da festa. Apenas o Palco Mestre Elói e o da URCA lhes deram alguma guarida, mesmo assim, jogados a um canto, como uma excrescência qualquer. Fico tranquilo porque sei que os políticos não virão com seus sorrisos de manequim pedir votos, em agosto e setembro, àqueles que eles, intencionalmente, condenaram ao degredo perpétuo.
Percebo, por outro lado, o recrudescimento do movimento contracultural cratense, comendo pelas beiradas como se degusta sopa quente de batata. A Turma do Parque fez seu segundo Encontro, no sábado de Exposição. Na quinta aconteceu a já famosa Retreta, na Praça Siqueira Campos, envolvendo Filhos e Amigos do Crato e na sexta a Festa na Bodega do Matuto com a mesma turminha, aquela que não consegue se encaixar na excludente programação de shows da Expocrato. O Instituto Cultural do Cariri teve praticamente todos seus dias tomados por programação com lançamento de livros (4 no período); lançamento da Revista Itaytera Patronos, dentro do Parque; Posse de novos sócios e apresentações musicais. E ainda, na semana pré-exposição inauguramos nosso Cineclube com a apresentação do Filme “Padre Cícero” de Hélder Martins. E já existe um grande movimento com fins de, em outubro próximo, se comemorar, com grande celebração, os 50 Anos do Salão de Outubro. Parodiando Belchior: nos anos passados morremos mas este ano: taki procês!
No aniversário de oito décadas da nossa Expocrato há de se exaltar a luta pertinaz de várias gerações de organizadores de mantê-la viva e pulsante. Lembrar, no entanto, que ela vai muito além de um instante agropecuário. A palavra mais brilhante do momento é inclusão. Pensem no povo mais simples que representa 70% da nossa população e que, passando por tantas vicissitudes, deve ter ao menos um momento de lazer e alegria no seu trabalho forçado. Pensem nos artistas locais que, sabe-se lá como, sobreviveram na pandemia, por que alijá-los da festa? Que mal fizeram? Vamos nos pegar com São Expedito aquele das Causas Impossíveis. Evento sem inclusão de todos, É… Vento, como o próprio nome indica, e dissolve-se com os primeiros raios da manhã.
Por J. Flávio Vieira, médico e escritor. Membro do Instituto Cultural do Cariri (ICC). Agraciado com a Medalha do Mérito Bárbara de Alencar
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri