A tarde no Crato parecia comum até que a notícia se espalhou como uma melodia bem tocada: “Gilberto Gil receberá o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Regional do Cariri (URCA)“. A cidade, com sua rotina apressada, se preparava para celebrar a chegada de um dos ícones da música brasileira, aquele cuja voz e violão atravessaram gerações e fronteiras.
Eu estive na solenidade e posso afirmar. Aquela foi uma noite memorável, que jamais irá sair da minha lembrança. Vamos ao relato.
No espaço Terreiro das Artes do Centro Cultural do Cariri, em Crato, estudantes, professores e admiradores ocupavam cada espaço disponível. O murmúrio das conversas carregava a expectativa do momento histórico que estava por vir. Muitos ali não tinham vivido os anos de chumbo, mas as canções de Gil os conectavam a uma história de resistência e transformação.
Gil chegou com seu sorriso inconfundível, aquele que carrega a simplicidade e a sabedoria de quem compreende a complexidade da vida. Aplausos ensurdecedores preencheram o ambiente, confirmando que ele não era apenas um convidado especial, mas uma presença profundamente enraizada na alma do povo do Cariri. O reitor da URCA, Carlos Kleber Oliveira, visivelmente emocionado, iniciou o cerimonial com palavras que evocavam a trajetória de Gil, desde os tempos de exílio até sua consagração como um dos maiores artistas do Brasil.
Ao ser chamado ao palco, Gil caminhou com a serenidade de quem sabe que o reconhecimento ali recebido transcende títulos e honrarias. Era um reconhecimento pelo poder de sua arte em unir, transformar e transcender. Ao receber o capelo e a estola, símbolos do título de Doutor Honoris Causa, Gil parecia ainda mais próximo de todos ali presentes, como se aquele momento fosse um abraço coletivo.
Então, ele tomou o microfone e, com a voz que tantas vezes embalou corações e mentes, começou a falar. Seus olhos brilhavam com a luz de quem ainda tem muito a dizer, e suas palavras ecoavam como versos de uma nova canção. Falou sobre a importância da educação, da cultura e da arte como ferramentas de emancipação e resistência. Recordou sua própria jornada, marcada por desafios e conquistas, e deixou claro que o título recebido era uma honra que ele compartilhava com todos que, de alguma forma, contribuíram para sua trajetória.
“A gratidão por essa honraria só não é maior que o orgulho de fazer parte dessa riqueza, dessa grandeza, dessa terra ardente, de ser irmão dessa sagrada gente desse chão. Obrigado, de coração (…) Fizeram pulsar diferente meu coração de menino brasileiro”, declarou Gil emocionado.
Ele também destacou a importância do Cariri como terra de resistência e conhecimento: “Estar aqui, sentir e ter na minha frente o Cariri, essa lendária terra de gente resistente e forte. Hoje, volto aqui para compartilhar com tantos que empreendem essa lavoura humana da busca constante de conhecimento e do saber.”
A cerimônia terminou, mas a obra de Gil continuou reverberando nos corações e mentes de todos que ali estavam. A noite comum no Crato havia se transformado em um marco inesquecível, uma celebração da cultura e da arte que define o que é ser brasileiro.
E assim, com sua simplicidade e genialidade, Gilberto Passos Gil Moreira deixou mais uma vez sua marca indelével, mostrando que sua jornada como músico, poeta e agora Doutor Honoris Causa é, antes de tudo, uma jornada de amor e compromisso com a humanidade.
Por Mirta Lourenço. Médica, professora, cronista e poetisa
*Este artigo é de inteira responsabilidade da autora, e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri