Meu amor, o chocolate se venceu, a poesia deixei descuidada na varanda e ela ficou paralítica. Estou cansada, tenho roupas para lavar, mas me falta sabão e coragem. Você lembra que já participei do teu sorriso? Faz tempo, hoje, consigo no máximo ser sua bolacha de distração, aquela que se come de vez em quando.
Deixei algumas cartas não enviadas: estão no baú que me serviu de cama. *Por favor, entregue aos destinatários. Tem uma que é para você: guarde para as horas de luta. Sempre escrevi como um manifesto de amor, mesmo quando a escrita estava molhada de sangue e firme de raiva.
Outro dia, estava lembrando quando abrimos as portas das gaiolas e os pássaros puderam desaparecer. Foi libertador. Imagina se tivéssemos asas, poderíamos até voar, mas talvez fosse um incômodo. Voar é perigoso tanto quanto está preso.
Quando for beber água, não esqueça de regar as rosas. A rosa vermelha é a que mais gosto. Quando vir uma rosa, lembra-se de mim: arrodeadas de espinhos e de beleza.
Estou com um calo no pé, andei bastante. Quero conhecer tudo. Escutar e observar, ficar invisível, mas nem sempre é possível ficar invisível em terra alheia.
Tenho engordado meus os escritos. Meu corpo continua se escondendo dos ventos. Aqui tudo é novidade, então vou escrevendo o que vai surgindo. Tenho fotografado alguns momentos: estou imprimindo e colocando em um álbum, como antigamente, em que as fotografias eram histórias privadas, prefiro assim.
Meu amor, queria dividir as histórias dos filmes que assisti por aqui, melhor não. Nunca sei as histórias que quer escutar.
Aqui tem montanhas e labirintos, acredito que todo lugar deve ter, se não existir no espaço, deve existir na nossa cabeça, mas lugar é lugar, é sempre único.
Sabe aquele vestido florido, cheio de girassóis, já não me cabe mais, guardo junto aos lençóis sempre perfumado, ele me traz boas lembranças.
Quando puder, pega o livro de poesia que deixei dentro da geladeira e entrega-o ao sol. Acredito que é possível resgatar a poesia.
Meu amor, como não sei me despedir, continuo escrevendo, mesmo sem palavras.
Por Alexandre Lucas. Pedagogo, artista, educador e integrante do Coletivo Camaradas
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor, e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri