É impossível desconsiderar na laranja o bagaço e a casca. Da mesma forma é inaceitável tratar as eleições municipais fora da conjuntura nacional. As eleições municipais e a gestão das cidades são o bagaço que compõem o complexo arranjo político nacional. Os resultados das eleições locais incidirão diretamente nas eleições de 2022.
Desvincular o processo eleitoral de 2020 do cenário em que se apresenta o governo Bolsonaro é a estratégia eleita pelas forças alinhadas à base de sustentação do bolsonarismo para vencer o campo democrático, progressista e popular.
As candidaturas bolsonaristas já vestiram as suas fantasias para negar ou esconder Bolsonaro dos seus intentos políticos. O discurso dominante dessa elite que serve de sustentáculo para o conservadorismo, reacionarismo, liberalismo e a selvageria neopentecostal é de que as eleições são locais, portanto, a única coisa que ser deve discutir são as propostas para a cidade. Esse discurso pode até convencer, entretanto, cabe ser desmascarado.
É preciso rasgar essas fantasias e colocar em jogo a necessidade de reverter a correlação de forças políticas, ampliando as condições favoráveis para uma ambiência democrática. A disputa de narrativa nessas eleições exige para o campo progressista e de esquerda que aprofunde o conhecimento sobre a cidade e encontre alternativas para construir cidades mais democráticas, a partir das condições possíveis e ao mesmo tempo deve servir como plataforma de acumulação de forças anti-bolsonaristas.
As eleições municipais não são uma carta de boas intenções. Se quiremos mudar o cenário, vamos precisar definir quem é o inimigo central, ampliar os diálogos e as alianças para derrotar as forças antidemocráticas e de caráter fascista. Ampliar nossas vozes significa ir para além dos ouvidos das esquerdas e dos movimentos identitários. Eleições se vencem com votos, não adianta contradizer: se não tivemos votos, não ocuparemos os espaços políticos de decisão.
As eleições são parte do jogo político e têm regras claras, se ganha com votos. Apesar de predominantemente os votos terem seu valor, o que torna uma luta desigual para o campo da esquerda, vinculada mais diretamente aos movimentos sociais.
Temos que ser a casca e o bagaço nas eleições municipais e advogar contra o isolamento. O purismo eleitoral pode ser uma catástrofe política e nos distanciar cada vez mais dos espaços de poder e de construção das condições objetivas para o processo de transformação social.
A nossa luta nunca foi fácil, as condições atuais não estão favoráveis, outras forças estão no jogo político, como o movimento neopentecostal, que alia barganha econômica e militância orgânica orquestrada para destruir a esquerda. Não nos enganemos: após eleger Bolsonaro, os templos da intolerância e do obscurantismo estão organizados para eleger os seus pares contra a democracia, emancipação humana e a esquerda.
As eleições municipais não estão separadas da casca e do bagaço. Desconfie de quem quer ser só o bagaço nessas eleições.
Por Alexandre Lucas. Pedagogo, integrante do Coletivo Camaradas e presidente do Conselho Municipal de Políticas Culturais do Crato/CE
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri