O Ministério da Educação (MEC) fez, em 2019, o menor gasto da década com a educação de jovens e adultos, principal estratégia para aumentar a escolarização da população que abandonou os estudos na idade escolar. Os dados são do Sistema Integrado de Operações (Siop).
A pasta só gastou R$ 16,6 milhões na área neste ano, o que corresponde a 22% do previsto (R$ 74 milhões). Para se ter uma ideia, em 2012 o montante chegou a R$ 1,6 bilhões (em valores corrigidos) — 115 vezes maior do que neste ano.
Para 2020, a previsão que consta no Projeto de Lei do Orçamento Anual do governo federal é de R$ 25 milhões.
O Brasil tem, segundo o IBGE, 11,3 milhões de pessoas analfabetas com mais de 15 anos, em 2018. Isso corresponde a 6,8% da população.
Além disso, mais da metade (52,6%) da população brasileira com mais de 25 anos não tem ensino médio completo — este é exatamente o público da EJA. São 70 milhões de brasileiros. Desses, a maior parte (44 milhões) não tem nem o fundamental, 33% da população com mais de 25 anos.
— Os alunos da EJA são os primeiros a serem excluídos do mercado de trabalho. Ou seja, o governo não está investindo na população mais precária do país — diz Rita de Cassia Pacheco, professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e especialista em EJA.
O MEC afirmou que quer usar parte dos recursos destinados para a EJA na reforma de escolas na educação básica. Disse ainda que executou o orçamento em transferências para institutos federais de educação.
Ainda segundo a pasta, há um núcleo na Secretaria de Educação Básica “preparando um programa dedicado a fortalecer o fomento da EJA Integrada, com diretrizes como mobilização e busca ativa (desenvolvimento de estratégias para matricular o estudante na escola); e oferta de EJA integrada (cursos que atendam às necessidades do público e do mercado de trabalho).”
Evasão escolar
Enquanto isso, Mara Patrícia Vianna, de 34 anos, vai parar de estudar pela terceira vez sem completar o ensino fundamental. A primeira foi aos 12 anos, para cuidar dos irmãos mais novos. No começo 2019, decidiu voltar a tentar.
Em 2020, faria o 8º e o 9º ano, mas a escola municipal Américo dos Santos, em Queimados (RJ), onde estuda, vai fechar as portas. A mais próxima fica a 4km. Longe para quem tem que deixar o filho mais velho, de 14 anos, tomando conta dos outros três menores.
— Hoje, eu estudo a duas ruas da minha casa. Se acontecer alguma coisa com eles, alguém corre aqui e me chama. Mas como faço numa escola longe? — explica.
A subsecretária-executiva de Educação de Queimados, Monique Lima, afirmou que o fechamento do turno noturno da escola é uma reformulação da rede, e que os alunos vão para vagas ociosas em outras unidades.
— Se houvesse um programa federal, como o Projovem ou o Brasil Alfabetizado, eu conseguiria manter aquela escola aberta — diz.
Segundo Maria Clara Di Pierro, professora da Faculdade de Educação da USP e especialista em EJA, a desaceleração do investimento na modalidade começou em 2017, no governo de Michel Temer (MDB), quando os dois programas citados pela subsecretária de Queimados, ambos criados no governo Lula (PT), pararam de receber verba.
— Eles não foram oficialmente extintos, mas os estados e municípios pararam de receber novos recursos.
O Projovem pagava uma bolsa para estudantes da EJA e também criava condições especiais nas escolas, como espaços destinados aos filhos dos alunos. Já o Brasil Alfabetizado destinava verba para que voluntários, que não precisavam ser professores, abrissem turmas de alfabetização sob a supervisão das secretarias municipais.
— Esses programas foram importantes, mas tinham problemas. Não era o caso de extingui-los e sim de reformulá-los — diz Di Pierro. — A Comissão Nacional de Educação de Adultos tinha sugestões, mas foi extinta por Bolsonaro.
Modalidade em crise
Em 2019, a crise da EJA chegou ao seu ponto mais crítico. Além da queda acentuada de orçamento, o MEC, ainda sob o comando de Vélez Rodriguez, desarticulou as políticas da modalidade, encerrando a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), que era responsável por fomentar políticas para o setor em estados e municípios. Com isso, a modalidade acabou dividida em três secretarias diferentes.
Presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e secretário estadual de Pernambuco, Fred Amâncio afirma que quando o dinheiro federal fica escasso a conta aumenta para estados e municípios.
— Com isso, pode acontecer que um ou outro lugar tenha dificuldade de manter todas as turmas abertas — afirma.
Segundo Di Pierro, a diminuição da participação do governo federal no fomento de oferta de vagas contribui para a queda de 16% dos alunos em seis anos. Mas não só isso. Ela defende reformular a metodologia aplicada no EJA:
— Há um divórcio entre as necessidades e condições de aprendizagens e o modelo ofertado. As aulas ainda são muito baseadas na educação oferecida às crianças. Soma-se isso a professores mal formados e a equação não fecha. Essa reformulação é um papel da União, estados e municípios, mas isso depende de uma situação política e institucional mais favorável e investimento — diz a professora da USP.
Fonte: O Globo