Eu sempre achei que viajar de avião era sinônimo de elegância. Aquele ritual chique de puxar a mala com rodinhas, colocar óculos escuros e fingir que sei exatamente onde estou indo no aeroporto. Mas naquela viagem, descobri que glamour e realidade às vezes viajam em voos diferentes. Tudo começou quando percebi que comprei a passagem errada e ia passar quase onze horas no meio — sim, no MEIO — entre duas pessoas completamente desconhecidas.
Assim que sentei, percebi que estava prestes a enfrentar uma jornada épica. À minha esquerda, um senhor que parecia ter decidido que braços de apoio eram direitos humanos inegociáveis — especialmente os meus. À direita, uma moça dormia profundamente antes mesmo do avião decolar, com o rosto infinitamente perto do meu ombro. Eu, no centro, já me sentia uma espécie de sanduíche humano com pouca dignidade e zero circulação no braço esquerdo.
A decolagem foi tranquila, até o momento em que a comissária perguntou quem queria amendoim ou bolachinha. Normalmente, eu responderia com educação. Mas naquele instante, achei que precisava provar algo ao universo e disse: “os dois, por favor”. Grande erro. Não tinha onde colocar nada. A mesinha estava ocupada pelo meu notebook, minha água e meu esforço para parecer uma pessoa organizada. Resultado: virei equilibrista de snacks, derrubando um pacote no colo do senhor ao lado.
O homem olhou pra mim com aquela expressão misturada de surpresa e julgamento — como se eu fosse uma criminosa internacional procurada por terrorismo alimentar. Eu pedi desculpas e ele apenas fez aquele suspiro profundo de quem repensa toda a humanidade. Respirei fundo também. Afinal, ainda faltavam dez horas de voo e não queria ser deportada para o fundo do porão do avião.
Quando finalmente decidi dormir, percebi que o destino tinha outros planos. A moça ao lado sonhava com algo muito animado, porque começou a dançar — com o rosto — no meu ombro. Ela esfregava a testa como se estivesse polindo meu braço. Eu tentei me mover discretamente, mas isso apenas fez com que ela deitasse de vez sobre mim. Naquele momento eu entendi o que significa ser um travesseiro involuntário.
Para completar o espetáculo, em certo momento bateram no meu ombro. Pensei: finalmente alguém vai perguntar se estou bem. Era uma criança atrás de mim pedindo para eu levantar meu banco — que já estava praticamente em posição 90º rígida modelo medieval. Eu ajustei para frente e meu corpo ficou tão ereto que poderia ser confundido com um soldado prestando continência.
O ápice, porém, foi quando decidi levantar e ir ao banheiro. Caminhei como se estivesse atravessando um campo minado para não tropeçar em ninguém. Quando voltei, descobri que minha manta tinha sido tomada pelo senhor ao lado, que agora parecia dormir enrolado nela como um casulo. Óbvio que eu não ia tirar. Apenas sentei de volta resignada e aceitei meu destino gelado.
Quando a aeronave pousou, eu estava cansada, desalinhada e com a sensação de ter vivido uma vida inteira naquela poltrona. Mas, por algum motivo desconhecido — talvez síndrome de Estocolmo aérea — desci com um sorriso. Afinal, sobrevivemos. E, no fim das contas, não existem viagens perfeitas. Existem histórias perfeitas. E essa, bem… virou uma crônica.
Por Mirta Lourenço. Médica, professora, cronista e poetisa
*Este artigo é de inteira responsabilidade da autora, e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri










