O aniversário que celebraremos no próximo dia 24 de dezembro, que já se repete, festivamente, há mais de dois mil anos, é de um simples filho de um carpinteiro da Palestina. Os pais, perseguidos, tiveram que emigrar para o Egito, não muito diferente do que fazem hoje hordas de africanos. Tentou mudar os rumos da história, buscando um mundo mais igualitário, embora soubesse que para todos estes visionários existe uma cruz armada e pronta a esperá-lo em algum Gólgota. Arrodeou-se de discípulos simples, entre eles um prostituta e vários pescador e até um traíra a quem conhecia tão bem e sabia que fazia parte do script da sua vida. Pregou a solidariedade, a compreensão e a tolerância. Em momentos em que a luta era necessária, não vacilou: expulsou os vendilhões do templo a chicote , sabendo que conspurcavam o sagrado e, com a antevisão que nos séculos seguintes eles se multiplicariam , abrindo lojas de departamentos em seu santo nome. Sabia, também, a importância da alegria, da felicidade e da celebração da vida, transformou barris de água em vinho nas Bodas de Caná. Aos que o agrediam, dizia que era preciso oferecer o outro lado da face. Preso e julgado de forma parcial, foi levado à morte por um tribunal de exceção. Pilatos, num gesto que se repetiria reiteradamente na história, lavou as mãos, preferindo o beneplácito político da população, à legalidade.
Nosso aniversariante via nas crianças uma extensão do divino: nunca imaginou que seriam fuziladas nas favelas e nos morros como prendas de caça. Fugiu da pompa e das festas de gala e se misturou com o povo mais pobre e desfavorecido: os humildes serão exaltados, apregoava pelas montanhas. Acreditava que toda fatia de pão, por mínima que fosse, podia ser dividida, num repetido milagre de pães e peixes.
No dia 24 próximo, é a festa de aniversário deste pobre palestino que mudou, definitivamente, o curso da história humana em nosso planeta. Assim, se você tem como irmãos apenas os que pensam exatamente como você; se não lhe interessa o planeta, nossa casa, como um legado para as futuras gerações; se os diferentes, na sua concepção, precisam ser exterminados; se a mentira faz-se a sua linguagem mais habitual; se caridade para você é um sentimento exclusivo do período natalino; você não é um dos convivas desta festa. Se vocês pretendem comemorar à altura do aniversariante, fujam da pompa, dos votos de boca pra fora, dos perus e dos pernis. Abandonem os presentes e os amigos secretos. Basta um olhar carinhoso para o irmão ao lado, uma visão cristã para mudar as injustiças do mundo, um grão de solidariedade, a percepção que somos todos exatamente iguais, independente da cor da pele e do tilintar das moedas. Basta isso e a festa estará completa, Ele terá a certeza que toda sua luta e sacrifício não foram inglórios, que existe sempre a certeza de que ainda restam discípulos seus, cristãos verdadeiros no mundo, além dos discursos natalinos e do brilho das árvores de natal.
Por J. Flávio Vieira, médico e escritor
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