A portaria federal com R$ 7,3 bilhões de ajuda para o pagamento do piso da enfermagem explicita um cenário difícil para a execução da norma pelas prefeituras cearenses. Enquanto cidades maiores, como Fortaleza, recebem repasses mensais de R$ 10 milhões, municípios de pequeno porte terão aportes a partir de R$ 2,9 mil por mês, a exemplo de Granjeiro.
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O custeio total para honrar o pagamento do piso, de acordo com a peça, é de R$ 10,6 bilhões anuais – a União, portanto, garante a maior parte do recurso em 2023. Para a execução neste ano, a contar de maio, são R$ 7,3 bilhões para o setor público (Estados, Distrito Federal e Municípios) e para as Entidades Sem Fins Lucrativos (SFL).
Nenhum município deixará de receber ajuda. Contudo, observam-se casos como o de Granjeiro, município de pequeno porte com 4.784 habitantes. Além dele, Palmácia, Graça e Independência recebem recursos mensais inferiores a R$ 10 mil, cada.
Já para algumas das cidades mais populosas do Estado, como Barbalha, Juazeiro do Norte, Sobral e Fortaleza, os repasses estão acima de R$ 1,2 milhão. Mesmo assim, estão aquém do necessário.
O piso da enfermagem prevê salários de R$ 4.750 para enfermeiros; R$ 3.325 para técnicos de enfermagem; e R$ 2.375 para auxiliares de enfermagem e parteiras. Para se ter uma ideia, somente a capital cearense já concentra cerca de 14 mil enfermeiros, segundo levantamento da Confederação Nacional dos Municípios (CNM).
O montante liberado pela União para viabilizar os pagamentos por estados e municípios será pago em nove parcelas a partir de maio até dezembro, mês em que serão quitadas as duas últimas fatias.
Com a liberação da implementação do piso pelo Supremo Tribunal Federal (STF), os entes federados devem dividir os recursos com a sua rede própria de saúde e com a rede complementar, composta, por exemplo, por hospitais filantrópicos e outras unidades privadas que recebem ao menos 60% da demanda do SUS.
Mas os repasses são insuficientes. De acordo com a CNM, o montante definido pelo Governo não paga nem 1/3 dos custos das prefeituras.
“A fonte prevista no projeto para custear o piso é a Capitalização do Fundo Social, onde há um total de R$ 18,7 bilhões, que seria suficiente para pagar integralmente o piso anual nos Municípios, Estados, Distrito Federal e para os prestadores de serviços contratualizados com os entes públicos (R$ 14,6 bilhões)”, aponta a confederação.
Confira os valores
Municípios que receberam os menores repasses:
• Granjeiro: R$ 26.480,87 (total) e R$ 2.942,32 (parcela mensal);
• Independência: R$ 36.384,79 (total) e R$ 4.042,75 (parcela mensal);
• Palmácia: R$ 72.329,06 (total) e R$ 8.036,56 (parcela mensal);
• Graça: R$ 85.432,09 (total) e R$ 9.492,45 (parcela mensal);
• Catunda: R$ 104.302,99 (total) e R$ 11.589,22 (parcela mensal);
Municípios que receberam os maiores repasses:
• Crato: R$ 9.618.554,77 (total) e R$ 1.068.728,31 (parcela mensal);
• Barbalha: R$ 11.361.749,85 (total) e R$ 1.262.416,65 (parcela mensal);
• Juazeiro do Norte: R$ 16.985.705,63 (total) e R$ 1.887.300,63 (parcela mensal);
• Sobral: R$ 33.026.352,40 (total) e R$ 3.669.594,71 (parcela mensal);
• Fortaleza: R$ 98.658.693,09 (total) e R$ 10.962.077,01 (parcela mensal);
Sustentação financeira
O cenário do Ceará também explicita essa inviabilidade, como observa o presidente da Associação dos Municípios do Estado do Ceará (Aprece) e prefeito de Chorozinho, Júnior Menezes (sem partido).
“Até agora, eu desconheço algum município do Ceará em que o piso possa ser pago com o recurso que está vindo do Governo Federal. Tem, inclusive, casos absurdos em municípios de médio porte (com 25 a 100 mil habitantes) que estão recebendo R$ 4 mil”, diz.
É o caso de Independência, no Sertão de Crateús. O município que abriga 26.196 pessoas, de acordo com prévia de 2021 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), receberá apenas R$ 4.042,75 mensais. Ao fim do ano, o todo será de R$ 36.384,79.
“Da forma que está, vai ser difícil para os municípios implementarem o piso, mesmo com boa vontade dos gestores, porque o repasse do Governo Federal é bem menor do que o que vai ser necessário para essa implementação”, completa.
Por isso, lembrou que prefeitos de todo o Brasil articulam um acréscimo de 1,5% do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), a ser pago nos primeiros dez dias do mês de março de cada ano. Assim, seria possível complementar os recursos disponíveis para os novos salários da categoria e garantir o piso.
“Sem isso, hoje, é complicado. A gente reconhece essa conquista tão importante para os profissionais da enfermagem, sabe da necessidade de valorização, sabe da importância. Mas, infelizmente, por falta de recursos, ficará muito difícil essa efetivação”, comenta Júnior.
Mudança constitucional
A investida sobre o FPM está prevista na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 25/2022. A CNM, inclusive, destaca que a medida é permanente, o que resultaria em maior segurança sobre os pagamentos salariais.
A entidade emitiu uma nota sobre os recursos destinados após a aprovação do projeto do Governo Federal pelo Congresso, no fim de abril, destacando que os mais de R$ 10 bilhões de impacto financeiro da medida são apenas para o primeiro ano de implementação.
“Causa estranheza o fato de que, apesar dos Municípios serem responsáveis pela maior parte das ocupações de enfermagem (570 mil ou 40% das ocupações indiretas e diretas do país), seguidos pelos Estados e pelo DF (20%), a divisão dos recursos privilegia os repasses para governos estaduais (R$ 4 bilhões) em detrimento aos Municípios (R$ 3,3 bilhões)”, criticou, ainda.
Além disso, citou o fato de que, normalmente, os municípios possuem remunerações mais baixas do que os estados e o Distrito Federal e, por isso, demandam mais ajuda federal. Apesar de essa ser uma realidade em muitas localidades do País, é um pouco diferente no Ceará.
Isso porque a Prefeitura de Fortaleza vai receber R$ 98.658.693,09 no total, enquanto o Estado terá R$ 16.895.724,64 disponíveis. Este valor também é menor que os repasses a Juazeiro do Norte e Senador Sá, com um total de R$ 16.985.705,63 e R$ 33.026.352,40, respectivamente.
Os critérios para o cálculo, segundo a portaria do Ministério da Saúde, são:
• A disponibilidade orçamentária e financeira;
• O indicador de participação relativa do ente federado no esforço financeiro total de implementação dos pisos da enfermagem, estimado a partir da base de dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), considerados os impactos para o setor público, para as entidades filantrópicas, bem como para os prestadores de serviços contratualizados que atendam, no mínimo, 60% de seus pacientes pelo Sistema Único de Saúde (SUS);
• O fator de redistribuição e correção de desigualdades entre os entes federados.
Por Ingrid Campos
Fonte: Diário do Nordeste