Ela chegou e mostrou a ele uma charge que trazia um casal de idosos. A mulher com os seios tão flácidos que chegava até a cintura e o homem tinha a flacidez acumulada dos anos representada no saco escrotal. Mostrou-lhe com um riso na cara. Insensível a semiótica perversa que residia naquela charge. Havia legenda? Ou seria essa legenda impublicável?
Ela mostrou-lhe e ria indiferente a representatividade da charge em suas vidas. Ele olhou. Não riu. Manteve-se impávido diante daquela imagem que na sua percepção não tinha nada de engraçado. Mas um filme passou pela sua cabeça. E ele se lembrou de Sara e da sua velhice que a impedira a maternidade até que Deus teve piedade e concedeu o milagre para ela, que em idade avançada se tornasse mãe. A velhice no caso de Sara era um problema, mas foi a serenidade dessa mesma velhice que fez com ela acreditasse na promessa de Deus e se mantivesse firme na fé. O que acabou contrabalanceando. E Sara foi atendida pelo Senhor.
Ele a olhou com olhos de quem ama. Não riu. Ela não entendeu porque ele não rira já que ela tinha achado engraçado. E ambos tantas vezes antes haviam sorrido e gargalhado juntos diante de coisas tão menos engraçadas. Ele se lembrou dos seus avós maternos, do amor que os unia e da atenção que eles dedicavam a todos os netos. Seus passos lentos e formas agradáveis. Lembrou dos avós paternos com os quais pouco convivera. Aquele avô que com trinta e cinco anos já era velho pela vida dura que precisara levar para criar os filhos e com quarenta finou-se de um mal inexplicável em sua idade tão tenra. Um avô que poderia ter sido, mas que não foi.
Ela achou estranho aquele seu jeito calado de quem estivesse mergulhado em pensamentos. Em verdade, ele estava numa espécie de transe. E lembrou-se do neto de Enoque bíblico, o avô de Noé. A longevidade de Matusalém, prova de que Deus nos fez para ficarmos velhos. Lembrou de seu pai, que mantinha um ar jovial mesmo após os setenta anos, e era conhecido pela elegância e zelo com a sua vivência. Lembrou da sua mãe que com setenta e três anos mantinha um ar de menina, mas com o semblante e sabedoria de uma Senhora que promete ser centenária. Ela estranhava cada vez mais aquela atitude silenciosa. E ele se lembrou das tias Leopoldina, e da sua alegria nongentésima, das tias Joana e Josefa quase centenárias e fortes, e sábias, e teimosas como crianças.
Por fim lembrou-se de Moisés “Ensina-nos Senhor a contar os nossos dias de tal maneira, que alcancemos coração sábio”. E então chegou à conclusão de que a velhice, não obstante a percepção da sociedade capitalista que insiste em excluí-la, é tempo de bonança. Onde colhemos os frutos das árvores boas que plantamos ao longo da nossa vida.
Ela não entendia simplesmente. E ele ainda lembrou-se da oração tantas vezes ouvida em diversas ocasiões “Conceda-me, Senhor, a serenidade necessária, para aceitar as coisas que não consigo modificar, coragem para modificar aquelas que eu puder, e sabedoria para distinguir uma da outra.” Sabia ele que essa serenidade emana dos anos que fazem a velhice.
Ela calada olhava para ele. Que por fim lhe disse – Não te rias da gente! Quando os teus seios ficarem assim, ainda te amarei. As lembranças dos tempos de juventude quando carregavas em teu busto duas peras as quais eu afagava em carícias. E se forem insuficientes essa lembranças. Fecharei os olhos por um instante e lembrarei que foram de teus seios que emanaram os nutrientes que alimentaram meus filhos. E quando a flacidez dos anos me deixarem assim, não me importarei, meu amor, já teremos feito tanto amor, que não haverá motivo para vergonha. Haverá sim, lembranças de uma virilidade dedicada à sua amada. A verdadeira beleza é invisível aos olhos comuns, ela só é possível com os olhos da alma.
Por Francinaldo Dias. Professor, cronista, contador de “causos” e poeta
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri