Muita gente não sabe que o fígado é o maior órgão interno do nosso corpo e que pesa cerca de 1,3 kg a 2,2 kg. Com a função de processar o que você come e bebe, ele transforma tudo em energia e nutrientes para garantir o bom funcionamento do organismo, e ainda dá conta de remover substâncias tóxicas do corpo.
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Quando o órgão sofre lesões, ao longo do tempo suas células vão sendo substituídas por cicatrizes que prejudicam todas essas funções. O resultado é a cirrose, uma doença que pode acometer homens e mulheres igualmente, e até crianças —e que tem como causas principais a hepatite C e o etilismo.
Embora alguns quadros agudos (aparecem de repente) possam ser revertidos, para boa parte dessas pessoas a doença é crônica, e o tratamento —que inclui mudanças no estilo de vida e uso de medicamentos— visará conter o avanço da doença e aliviar sintomas.
Mas os médicos advertem: o sucesso dessas estratégias depende muito da adesão do paciente à terapia indicada. Aliás, o transplante só será opção nos casos em que não haja resposta a essas medidas.
Entenda o que é cirrose
Trata-se do estágio avançado de agressões persistentes ao fígado que fazem com que as células hepáticas sejam substituídas por cicatrizes, que são definidas pelos médicos como fibroses.
Toda vez que o órgão sofre uma agressão, a resposta é uma inflamação que leva à formação de células cicatriciais que crescem e acabam tomando o lugar das células saudáveis.
Por que isso acontece?
A doença pode decorrer das seguintes condições:
Causas adquiridas
• Infecções virais crônicas (hepatites B e C)
• Etilismo
• Uso de medicamentos, drogas e/ou exposição a substâncias químicas
• Causas autoimunes
• Hepatite (autoimune)
• Colangite biliar primária
• Colangite esclerosante primária
Causas hereditárias (herança genética)
• Hemocromatose hereditária (depósito de ferro no fígado)
• Doença de Wilson (depósito de cobre no fígado)
• Falta da enzima alfa 1-antitripsina
Fatores relacionados à síndrome metabólica e ao estilo de vida
• Hipertensão
• Diabetes
• Alteração no colesterol
• Obesidade
• Gordura no fígado
Importante saber que hipertensão, o diabetes, o colesterol e a obesidade são considerados fatores de risco para o surgimento da gordura no fígado. Entre todas as causas acima citadas, as mais frequentes são a hepatite C, o etilismo, a gordura no fígado e a hepatite B.
Saiba reconhecer os sintomas
No início, a doença pode ser assintomática, isto é, não apresenta sintomas e os médicos se referem a esse estágio da doença como cirrose compensada. Isso significa que a enfermidade está presente, mas as células saudáveis do fígado estão dando conta de suas funções. Ao longo do tempo, esses pacientes poderão observar as seguintes manifestações:
• Perda de energia
• Perda de peso e apetite
• Perda de massa muscular
• Coceira na pele
• Eritema palmar (manchas na pele)
• Angioma estelar ou angioma de aranha (pontos [nevos] vermelhos ou vasos capilares finos)
• Dor ou desconforto na parte superior do abdome
• Febre
• Sangramento fácil (gengivas, por exemplo)
Hematomas
Quadros avançados, nos quais o fígado já não consegue cumprir suas funções, são chamados de cirrose descompensada. Nessas situações, podem estar presentes os sintomas abaixo descritos:
• Anemia
• Hemorragia digestiva (vômito com sangue; sangue nas fezes, que se tornam negras)
• “Barriga d’água” (também chamada de ascite, caracterizada pelo acúmulo de líquido no abdome que também pode levar ao inchaço das pernas)
• Encefalopatia (sem funcionar direito, o fígado permite que toxinas alcancem o cérebro e podem levar à alterações de humor, confusão, mudanças no sono, concentração, memória, redução das defesas do corpo e até ao coma)
• Icterícia (amarelamento dos olhos e da pele causado pelo excesso de bilirrubinas)
• Varizes na parte superior do esôfago
• Carcinoma hepatocelular (nódulos no fígado)
• Síndrome hepatorrenal
Quem precisa ficar mais atento?
A doença pode acometer homens e mulheres igualmente, inclusive crianças, nos casos de doenças hereditárias.
André Castro Lyra, docente da UFBA e chefe do Serviço de Gastro-Hepatologia do HUPES, explica que quando a causa se relaciona ao álcool, o grupo mais afetado é o masculino, nas idades de 40 a 60 anos.
“Já a hepatite crônica C acomete mais pessoas entre 50 e 70 anos, independente do gênero; quando a origem do problema é a gordura no fígado, homens e mulheres também podem ser acometidos. No entanto, quando as causas são doenças autoimunes, as mulheres lideram o número de casos, embora eles sejam mais raros”, completa o médico.
Apesar dessas características, os indivíduos que precisam estar mais atentos são os que se encaixam nas condições abaixo descritas:
• Pessoas que receberam transfusão de sangue antes de 1993 (têm maior risco de ter hepatite C crônica e devem ser testados para a doença)
• Pessoas que abusam do álcool (20 g de álcool para mulheres ou 30 g para homens ao dia –o equivalente a 2 cervejas de 300 ml ao dia);
• Pessoas com hipertensão, diabetes, colesterol alto, obesos que tenham acúmulo de gordura no fígado.
Quando é a hora de procurar ajuda médica?
Como a doença, no seu início, pode ser assintomática, por vezes ela é descoberta quando a pessoa faz exames de rotina, que podem ser os de sangue, de imagem ou mesmo por meio do exame físico.
Assim, os médicos consideram que o sinal de alerta para marcar uma consulta é a presença dos fatores de risco para a doença.
“A hepatite B crônica é endêmica, ou seja, há maior incidência dela, em algumas regiões do sul do país. Nesta doença, o contágio se dá principalmente na hora do parto, por via sexual, uso de drogas intravenosas e compartilhamento de objetos como lâminas de barbear e de depilar. Essas circunstâncias indicam a necessidade de constante acompanhamento médico”, exemplifica o gastroenterologista Jean Rodrigo Tafarel, do Hospital Universitário Cajuru, Marcelino Champagnat e professor de gastroenterologia da Escola de Medicina da PUC-PR.
Quando a doença já avançou, ela passa da fase compensada para a descompensada e há sintomas como hemorragia, dor abdominal junto à febre, bem como icterícia, trata-se de uma emergência médica e você deve se dirigir imediatamente ao pronto-socorro.
O médico treinado para avaliar e tratar a cirrose é o hepatologista, mas se você é usuário do SUS, poderá ser atendido por um generalista (clínico geral), ou por um médico de família. Em algumas situações, até o médico do trabalho poderá avaliá-lo e todos esses profissionais o encaminharão a um especialista.
Como é feito o diagnóstico?
Na hora da consulta, o médico ouvirá sua queixa, levantará seu histórico de saúde pessoal e familiar, e ainda fará o exame físico para identificar alguns dos característicos sinais da doença, como a barriga d’água, por exemplo.
Além disso, ele requisitará alguns exames laboratoriais, como os de sangue para investigar as funções do fígado (transaminases, fosfatase alcalina, gama-GT, bilirrubinas, tempo de protrombina, proteínas totais e albumina), e a presença de infecções virais (hepatites B e C), bem como os de imagem, como o ultrassom do abdome para visualizar a textura do fígado. Em geral, a suspeita diagnóstica é confirmada por meio desses exames.
Por vezes podem ser incluídos outros exames complementares, como a elastografia hepática, a ressonância magnética e a tomografia. Em alguns casos, quando ainda restam dúvidas, a biópsia —a retirada de uma pequena amostra do tecido do fígado para análise em laboratório— pode ser necessária.
Como é feito o tratamento?
Ele dependerá da causa da cirrose e do nível de lesão do fígado. De modo geral, porém, o tratamento inclui mudanças no estilo de vida, como evitar o consumo de álcool, manter a carteira de vacinação em dia, em especial contra infecções de hepatites A e B, bem como adotar uma dieta equilibrada e praticar atividade física.
Não existe vacina para a hepatite C, mas ela pode ser curada com medicações orais.
Além disso, a terapia contra a cirrose possui 3 objetivos principais:
• Identificar a causa da cirrose e tratá-la (obesidade, hepatites B e C)
• Uso de medicamentos específicos (antivirais, corticoides e outros agentes imunossupressores, etc.);
• Controlar a descompensação atual (como uma hemorragia, ascite ou encefalopatia, etc.);
• Evitar novas descompensações (nódulo no fígado, chamado de carcinoma hepatocelular).
A médica Roberta Chaves Araújo, gastroenterologista do Departamento de Clínica Médica da FMRP-USP fala que assim como o diabetes e a hipertensão, a cirrose é uma doença crônica. Portanto, o paciente deve ter acompanhamento de longo prazo.
“A razão para isso é que esse paciente tem risco aumentado para o tumor de fígado. Isso significa que a cada 6 meses é preciso submetê-lo a exames para monitorar esta e outras possíveis complicações”, completa Araújo.
Quando o transplante do fígado é indicado?
Essa medida é reservada para os casos de cirrose descompensada que não respondem ao tratamento médico. A taxa de sobrevida desses pacientes é de 1 e 5 anos após o transplante —o que corresponde a cerca de 85% e 72%, respectivamente.
O que esperar do tratamento?
Quando a cirrose é compensada e há adesão ao tratamento, a estimativa de sobrevida é de 10 anos para quase metade dos pacientes. Mas essa expectativa de vida cai para cerca de 15% nesse mesmo período, quando ocorre algum evento de descompensação.
Quais são as possíveis complicações?
A literatura sobre essa doença revela que a cirrose pode voltar mesmo após o transplante. Além disso, hipertensão, inchaço na barriga e nas pernas, icterícia, infecções, hemorragia e encefalopatias hepáticas são consideradas complicações que geralmente caminham juntas com a cirrose. Pacientes com cirrose também têm maior risco de desenvolverem câncer de fígado.
Como colaborar com o tratamento
A melhor forma de proteger seu fígado é conhecer mais sobre a doença para entender a importância de seguir o plano de tratamento proposto pelo médico.
Embora mudanças no estilo de vida, sozinhas, não curem a cirrose crônica, é possível prevenir e conter o avanço dela e ainda aliviar os sintomas. Veja, a seguir, as medidas que você pode adotar para colaborar com isso:
• Organize-se para comparecer às consultas médicas de acompanhamento, especialmente se, no seu caso, há risco aumentado para câncer de fígado;
• Elimine o uso de álcool;
• Evite itens da dieta que possam prejudicar seu fígado: excesso de sal, alimentos gordurosos e carboidratos;
• Procure evitar o uso de determinados medicamentos, como os anti-inflamatórios não esteroidais;
• Mantenha sua carteira de vacinação em dia;
• Busque por uma atividade física que possa ajudá-lo a manter um peso equilibrado.
Fontes consultadas: André Castro Lyra, professor associado livre docente do Departamento de Medicina da UFBA (Universidade Federal da Bahia), e chefe do Serviço de Gastro-Hepatologia do HUPES (Hospital Universitário Professor Edgard Santos), da mesma instituição e que integra a rede Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares); Jean Rodrigo Tafarel, médico gastroenterologista do Hospital Universitário Cajuru e do Hospital Marcelino Champagnat, em Curitiba, professor de gastroenterologia da Escola de Medicina da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná) e membro da FBG (Federação Brasileira de Gastroenterologia); e Roberta Chaves Araújo, gastroenterologista do Departamento de Clínica Médica da FMRP-USP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo). Revisão médica: André Castro Lyra.
Referências: American Liver Foundation; Sharma B, John S. Hepatic Cirrhosis. [Atualizado em 2021 Nov 5]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2022 Jan-. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK482419/.
Fonte: VivaBem/UOL