Consagrar os saberes populares, enaltecer as periferias e defender o mesmo arroz e feijão simbólico para as populações das margens excluídas socialmente das cidades é um atestado de permanência nas relações de exploração e opressão. Se considerarmos que o espaço urbano é produzido a partir da lógica desigual de produção, concentração e circulação do capital, o que inevitavelmente produz estratificação social e espacial, podemos concluir que para reverter essa situação se faz necessário romper com essa estrutura e combater essa permanência.
Essa compreensão nos coloca diante da necessidade de estabelecer uma relação das espacialidades marginalizadas com o contexto de infraestrutura da sociedade, ou seja, com a sua base econômica. É diante desta correlação que podemos constituir uma narrativa de emancipação humana que atenda aos interesses de classe, gênero e cor.
Essa compreensão caminha contrária à lógica de permanência do modo de produção capitalista, é uma perspectiva anticapitalista. Portanto, reconhece os saberes populares e as chamadas periferias como ponto de partida para apropriação de outra realidade e não como narrativa de continuidade.
Não se trata de negar os saberes populares e o senso comum, mas de reconhecer como uma negação de direitos.
No campo das políticas públicas, destinar às populações de espacialidades marginalizadas um repertório reduzido para apropriação da produção do conhecimento historicamente produzido pela humanidade, a restrição às inovações tecnológicas e aos serviços públicos, arquiteturas públicas de baixa de proporção e urbanizações remendadas, apenas reforça o teor desproporcional da chamada democracia burguesa e o caráter da luta de classes.
Nas espacialidades marginalizadas é preciso reconhecer os fazeres e saberes populares como construtores de paisagens urbanas e culturais e ao mesmo tempo constituir processos de ampliação da visão social de mundo, a partir da apropriação dos códigos eruditos e da elevação do poder de consumo social.
Diversas manifestações culturais, artísticas e esportivas de caráter popular já estão em áreas marginalizadas, como é o caso dos grupos de capoeira, quadrilhas juninas, hip hop, artesanato, futebol, grupos da tradição popular e uma infinidade de outras práticas, essas ações devem continuar acontecendo e serem fomentadas, porém, não como únicas alternativas. Capoeiristas, rappers, brincantes, artesãos e toda a população oriunda da classe trabalhadora deve ter o direito de sonhar e acessar o doutorado, de ocupar os espaços de dirigentes de Estado e de partilhar de forma justa da economia que é produzida.
A nossa luta é contra a existência de periferias para a classe trabalhadora, onde os espaços de poder são periféricos e a democratização da sociedade é restrita. Ser antiperiférico é compor a agenda pelo direito à cidade, é reconfigurar a função do popular e redimensionar a luta anticapitalista de caráter classista.
Por Alexandre Lucas. Pedagogo, integrante do Coletivo Camaradas e presidente do Conselho Municipal de Políticas Culturais do Crato/CE
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri