“Poderão cortar todas as flores, mas não poderão deter a primavera”
Pablo Neruda
Nesta semana, o povo chileno comemorou o resultado de um plesbicito onde decidiu, por margem de quase 80% , por uma nova Constituinte, com eleitores escolhidos diretamente pela população. Enterraram, assim, definitivamente, uma das mais violentas ditaduras das Américas: a de Augusto Pinochet, responsável pela última constituição e que redundou numa fábrica de aposentados suicidas, simplesmente por lhe terem sido sonegadas as mínimas condições de sobrevivência. Não tardou para vozes que pareciam soprar dos porões dos Doi-Codis no ouvido do ministro Ricardo Barros, lembrarem a necessidade também, aqui, de uma nova Constituinte, sob pretexto de que a Constituição de 1988 teria “direitos demais”. O ministro certamente, deve ter esquecido que a nossa Constituição, ao contrário da chilena, nasceu no processo de redemocratização e que o corte de direitos foi justamente o que desencadeou um imenso movimento popular no Chile que por pouco não levou à deposição do presidente Piñera.
Fácil entender as razões do atual governo brasileiro em acreditar que a Constituição de 1988 é apinhada de Direitos excessivos. Na realidade, opõe-se, constantemente, ao Regime Democrático e sonha com o retorno dos Anos de Chumbo, com censura ampla, prisão de desafetos sem processos legais, extermínio de muitos, fechamento do Congresso e do STF, como , inclusive, vem incentivando o seu gado a reivindicar publicamente. Pretendem arrancar direitos fundamentais como o da Educação, da Proteção Ambiental, Liberdade de Expressão, Escolha dos seus governantes, igualdade perante a Lei e o direito Universal à Saúde como obrigação precípua do Estado.
Recentemente, o governo federal emitiu uma Portaria que abria a possibilidade de privatização das Unidades Básicas de Saúde do Brasil, uma maneira maquiavélica de encetar um processo de privatização do nosso Sistema Único de Saúde. Recuaram, como costumam fazer, frente à pressão da sociedade, mas o ovo da serpente continua na incubadora.
O SUS, a despeito de todas críticas cabíveis algumas e levianas muitas, conseguiu mudar totalmente o perfil da saúde brasileira. Antes dele, pasmem vocês, 20% das crianças nascidas morriam até os 5 anos de idade, por completa incúria estatal. As pessoas dividiam-se entre indigentes, segurados do INSS, particulares. O estabelecimento de um Programa Nacional de Vacinação fez com que esta realidade mudasse drasticamente. Doenças como coqueluche, difteria, sarampo, catapora, paralisia infantil simplesmente sumiram do mapa. Tanto foi o sucesso do programa que hoje faz com que as pessoas, não vendo mais o aparecimento dessas moléstias, deixem de vacinar os seus filhos, achando que elas não mais existem. Todos os brasileiros dependem diretamente do SUS seja para os atendimentos de urgência, para os cuidados de vigilância sanitária e epidemiológica, acesso á água de qualidade, para as imunizações, medicamentos de alto custo, tratamentos de câncer, transplantes de órgãos. Mesmo os quarenta milhões que pagam os planos de saúde, muito frequentemente utilizam os serviços do SUS. Para mais de 70% da população, o Sistema Único de Saúde é a única possibilidade para recuperação dos agravos. Com todos os problemas possíveis de subfinanciamento, de má gestão, de desvios, sem a infraestrutura do Sistema Único de Saúde, na pandemia atual da Covid-19, o país sofreria um genocídio inimaginável e nossas baixas se somariam à casa dos milhões de vidas. Os que pensam em privatizar o SUS são justamente aqueles que, no menor agravo, correm para o Sírio-Libanês ou para o Albert Einstein em São Paulo. Os Estados Unidos, a maior economia do planeta, sentiu na pele as terríveis dificuldades de combater as epidemias sem estrutura de Saúde Pública.
O SUS é um patrimônio da população brasileira. Foi arrancado a fórceps dos dentes do capital. Por ele pessoas foram presas, torturadas e mortas. Os que governam o país juraram cumprir a Constituição que estabelece que é direito do brasileiro ter uma saúde integral e de qualidade e que cabe ao governo, como obrigação, proporcioná-la a todo cidadão do país. O governante que se opuser ao que jurou deve pedir demissão pois está no país errado. Pode ir aprender no Chile!
Por J. Flávio Vieira, médico e escritor
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri