A casa é bem pequena, andar de braços abertos é sempre um risco e desafio, melhor mesmo é andar com cuidado, deixar só a cabeça aberta e se ela tiver asas deixar voar. Dizem que as cabeças voam, nunca sei se isso é bom ou ruim, eu mesmo, nunca vi cabeça voar, mas dizem que elas voam.
Como é mesmo a sua casa? Será que podemos andar com braços abertos, imitando um avião e depois um pardal, brincar de correr, deitar no chão e sair bolando, ou, sua casa é daquelas pequenas, onde se anda com cuidado e desafio, quando se tem asas na cabeça é que pode voar?
Casa de inventor, é casa de inventaria, sempre sobram asas na cabeça e sempre faltam espaços para as inventices. Falta 25 para 100 anos, viver 75 anos, é juntar muita invenção.
Inventor parece que se inventa desde criança. Como se inventa um inventor? Bolo tem receita, junta todos os ingredientes, faz umas misturadas, tudo no tempo e na medida certa, não pode errar, com uma receita se pode fazer o bolo, mas quem já viu receita para fazer inventor?
Bolo de Puba, era o apelido do inventor, quando criança, isso porque a sua avó, fazia muitas inventices na cozinha, inclusive aquele bolo da massa puba, de odor azedo e de sabor que sobrava só as lembranças. Ele inventava de comer tudo, haja bolo puba.
Nesse tempo ele tinha duas pernas, a maioria das pessoas tem duas pernas. Depois dos dez anos, ele ficou só com uma perna e infinitas pernas de invenções. Ele saiu foi com mais pernas, talvez não quisesse essa inventaria.
Inventor parece que tem que ser mexedor, abridor, observador, experimentador para desde cedo saber pegar a dor e fazer outras inventices, porque dor mesmo ninguém quer.
Com uma perna só brincava de trapezista no pé de cajueiro, jogava bola e corria, andava de bicicleta, fazia brinquedos, parecia ter mais pernas e mais asas para andar e voar. Sua imaginação sempre foi maior que a sua casa. A todo instante inventava de imaginar alguma coisa.
Nas oficinas de ferreiro, na marcenaria, na ourivesaria e na sapataria, ele inventava de ir só para inventar de aprender, talvez ali fosse sua casa.
Seu pai, outro inventor, desses inventores que mexem com suvela, pé de ferro, alicate de bico de papagaio, vazador e marcador, dizia que que seu filho inventor, desmontava um rádio para fazer dois. Não sei se ele conseguia, mais inventava.
A sua casa pequena é uma das suas maiores invenções; tão grande a sua invenção, que não cabe dentro da própria casa. Durante anos, o inventor, foi guardando tudo aquilo que ele poderia inventar. Arruelas, parafusos, pregos enferrujados, pedaços de ventilador que tinham quase a sua idade, tacos de madeira de todo tamanho, caixas de sapatos e uma série de sapatos sem conserto, barbeadores antigos, sacos, potes, baldes e caixotes foram se ajustando em cada pedaço da casa e se misturando, aos móveis, as comidas e as roupas.
Onde inicia a cozinha e começa o quarto, onde fica a despensa e a sala, a poeira e os cadernos cheios de sonhos e ferrugens? Esse é o segredo.
Nesta inventice, essa casa, não é possível separar nada, essa é a invenção.
Por Alexandre Lucas. Pedagogo, integrante do Coletivo Camaradas e presidente do Conselho Municipal de Políticas Culturais do Crato/CE
*Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Revista Cariri