O auxílio emergencial, como o nome sugere, foi criado em 2 de abril para ser uma ajuda financeira rápida à população mais vulnerável durante a crise do coronavírus. No entanto, passados três meses desde que a lei do auxílio foi publicada, há muitos brasileiros que ainda não receberam um centavo.
O governo teve que montar às pressas um sistema capaz de analisar registros de emprego, renda média, composição familiar, cadastros em programas sociais e outras informações que definem quem pode receber as parcelas de R$ 600 ou R$ 1.200. Mas os bancos de dados não deram conta da realidade.
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Por um lado, pessoas que não precisavam do auxílio acabaram recebendo o dinheiro —às vezes por erros de processamento, outras por fraude. Enquanto isso, gente que sofre com desemprego e falta de renda acabou ficando de fora.
Na última quinta-feira (2), acabou o prazo para se cadastrar no programa. Quem continua com o pedido em análise ainda tem alguma esperança de ser aprovado. Mesmo que isso aconteça, o auxílio não terá cumprido seu papel emergencial.
Confira a seguir alguns relatos.
“Todos já receberam, eu ainda não”
Jucyara Ferrari, de 32 anos, se inscreveu para o auxílio emergencial em 7 de abril, logo no primeiro dia em que o aplicativo da Caixa foi disponibilizado. Até hoje, seu cadastro não foi aprovado porque, segundo a análise da empresa pública federal Dataprev, outros membros da família já recebem o auxílio.
Mas Jucyara mora em Jequié (BA) com a mãe, pensionista do INSS, com o irmão, aposentado por invalidez, e com o sobrinho menor de idade. Nenhum deles recebe o auxílio ou poderia receber, já que não se enquadram nos requisitos legais.
A operadora de caixa está prestes a completar dois anos desempregada. Ela tem enviado currículos por email ou em sites de recrutamento —evita sair de casa para não expor a mãe e o irmão, que são do grupo de risco da Covid-19.
Nesses meses de espera, Jucyara ajudou vizinhos a preencherem o cadastro da Caixa. “Todos eles já receberam, eu ainda não.”
Família cresceu e auxílio não veio
A história de Rafaela Martins é parecida: operadora de caixa desempregada, 22 anos, teve o cadastro negado por causa de membros da família que supostamente já recebem o auxílio. Contudo, Rafaela mora sozinha em Goiânia. Ou melhor, morava.
No último domingo (28), nasceu João Víctor, o segundo filho de Rafaela. O primeiro filho mora em Augustinópolis (TO) com a avó, que recebe auxílio de R$ 1.200, pois é chefe de família. Provavelmente, os bancos de dados oficiais registram que Rafaela e a mãe fazem parte do mesmo núcleo familiar, embora elas morem a 1.400 km uma da outra.
Rafaela foi demitida em 20 de março, quando a crise econômica do coronavírus já fechava postos de trabalho em todo o Brasil —março teve saldo negativo de 253 mil empregos com carteira assinada, segundo o Ministério da Economia. Ela não teve direito a seguro-desemprego, pois estava registrada havia cinco meses (são necessários pelo menos 12 meses para fazer o primeiro pedido do benefício).
O cadastro pelo aplicativo da Caixa, realizado em 7 de abril, foi negado dia 30 do mesmo mês. Rafaela contestou e aguarda análise até hoje. Ela não conseguiu incluir a tempo o filho recém-nascido no cadastro, o que daria a Rafaela o direito de receber R$ 1.200 por parcela.
Demitido e aguardando auxílio
Assim como Rafaela, Leandro Figueira também foi demitido em março, sem direito a seguro-desemprego. Na primeira análise de cadastro, respondida no final de abril, a Dataprev concluiu que o trabalhador rural de 20 anos ainda tinha emprego formal. Quem trabalha com carteira assinada não tem direito ao auxílio emergencial.
“Até então, entendi a negativa, porque fazia pouco tempo que eu tinha sido demitido”, disse Leandro. Ele contestou a análise quando sua carteira de trabalho digital já estava atualizada com o registro do desligamento. Ainda aguarda uma resposta.
Em meados de junho, quando a DPU (Defensoria Pública da União) lançou uma parceria com o Ministério da Cidadania para ajudar na contestação de auxílios negados, Leandro achou que essa poderia ser a solução. Mas frustrou-se ao descobrir que a DPU não teria como ajudá-lo, pois não há unidade de atendimento em Pindamonhangaba (SP), onde mora.
“Todo dia entro no aplicativo para ver se fui aprovado. Estou correndo atrás de serviço, mas no meio da pandemia é difícil encontrar.”
Leandro Figueira, trabalhador rural desempregado
Finalmente aprovado, mas ainda sem dinheiro
Demorou 83 dias até que o cadastro de Hugo Balthazar fosse aprovado. Aconteceu, finalmente, na última segunda-feira (29), embora ele ainda não tenha ideia de quando vai receber o depósito da primeira parcela de R$ 600.
O problema no cadastro do músico de 38 anos foi o mesmo que atingiu milhares de pessoas que se candidataram nas últimas eleições. A Dataprev usou inicialmente um banco de dados da Justiça Eleitoral que não distingue meros candidatos de quem foi eleito e assumiu o cargo.
Todos foram considerados donos de mandato eletivo, o que não era verdade para a grande maioria. O erro de análise só começou a ser corrigido no final de junho.
“Não tive como contestar nem como fazer outro cadastro. Fui no TRE [Tribunal Regional Eleitoral], fui no cartório e fui no INSS. Todos que passaram pelo mesmo problema ficaram pra lá e pra cá sem saber o que fazer, assim como eu.”
Hugo Balthazar, músico e ex-candidato a deputado estadual em Goiás
Hugo tocava em bares, restaurantes e pequenos eventos particulares. Com estabelecimentos fechados e festas canceladas por causa da pandemia, sua principal fonte de renda se foi.
Para o músico, o governo falhou na tentativa de ajudar quem mais precisava de dinheiro durante a crise. “Esse auxílio foi criado para ser emergencial, mas foi tudo muito mal planejado”.
Agora, Hugo aguarda a divulgação de um novo calendário e o depósito da primeira parcela a que tem direito. Quando o dinheiro chegar, vai pagar contas. “Água, luz, telefone, aluguel? tudo está atrasado.”
Fonte: UOL