A falta de bons resultados em estudos clínicos e a percepção de que a cloroquina e a hidroxicloroquina não trazem resultados positivos no tratamento contra a Covid-19 — e ainda causa efeitos colaterais — levaram hospitais do país a descartar o medicamento de seus protocolos médicos sobre a doença causada pelo novo coronavírus.
A decisão desses hospitais contraria o novo protocolo do Ministério da Saúde, que na semana passada expandiu, sem nenhuma comprovação científica, o uso da medicação para pacientes na fase inicial da doença, como defende o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Dois dias depois da decisão do ministério, a maior pesquisa já publicada no mundo sobre a cloroquina apontou que a droga não oferece benefícios e traz riscos cardíacos aos pacientes com Covid-19. Com base nesse estudo, a Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciou a suspensão dos testes com a cloroquina por conta dos riscos aos pacientes.
Antes mesmo da conclusão de estudos mais aprofundados, médicos e hospitais ouvidos pelo UOL apontaram a ineficácia do remédio e alertaram para os riscos. Algumas unidades de saúde chegaram a inserir a cloroquina no protocolo, mas ela foi retirada pouco tempo depois.
Segundo Frederico Jorge Ribeiro, coordenador de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) do HSE (Hospital dos Servidores do Estado), no Recife, a medicação chegou a ser usada nos primeiros pacientes. Porém, como não se viu qualquer benefício, no dia 29 de março o remédio foi retirado do protocolo.
“Já naquela época não evidenciamos resultados que mostrassem a efetividade da cloroquina no tratamento de pacientes com Covid-19. Usamos em alguns pacientes do HSE, com resultados frustrantes. Além disso, a cloroquina tem o potencial de provocar arritmias, que é agravado com o uso concomitante de azitromicina. Por isso, suspendemos o uso”, afirma.
Em Floriano, no Piauí, o diretor do Hospital Regional Tibério Nunes, Justino Moreira, também já havia anunciado que o protocolo fora alterado durante o curso da pandemia. “Aqui, o protocolo clínico colocava cloroquina na fase dois [do tratamento], mas ela não teve nenhum efeito benéfico.”
Outros hospitais afirmam ter como guia estudos que apontaram a ineficácia da droga. “Retiramos do nosso protocolo por causa dos inúmeros trabalhos científicos”, informa Artur Gomes Neto, diretor médico da Santa Casa de Maceió. Por conta do receio da politização em torno da droga, um hospital preferiu não se posicionar. Outros três médicos consultados pelo UOL declararam não terem visto resultados positivos no tratamento feito com cloroquina e pediram para não serem identificados.
Suspensão após decisão da OMS
Com o anúncio feito anteontem pela OMS, o Hospital Universitário Oswaldo Cruz do Recife divulgou também que vai paralisar os estudos. “Fomos comunicados por e-mail que a OMS pediu a todos os hospitais que faziam parte do braço que estuda a cloroquina para suspender os estudos. Então não vamos mais utilizar. Quem já está utilizando, segue; mas nenhum paciente novo irá entrar no estudo”, explicou chefe do setor de infectologia do hospital, Demetrius Montenegro. Ele cita que o Oswaldo Cruz não chegou a usar a droga em pacientes fora do estudo.
A prefeitura do Recife também anunciou, com base no estudo publicado pela revista médica The Lancet, que vai retirar os medicamentos do protocolo de medicações para uso hospitalar. “Só casos muito específicos serão considerados, mas com avaliação médica específica”, disse o secretário de Saúde do Recife Jailson Correia.
Cloroquina em estudos clínicos
Em São Paulo, o hospital Sírio Libanês e o Israelita Albert Einstein não chegaram a colocar o uso da cloroquina em seus protocolos e só usam a medicação em estudos clínicos.
O Sírio Libanês informou ao UOL que fica a critério do médico definir o tratamento. O hospital realiza três pesquisas sobre o uso da cloroquina em pacientes da Covid-19. “Duas delas são de hidroxicloroquina com azitromicina, estão em andamento com pacientes internados e devem durar 15 dias, com resultados dentro de 20 a 25 dias”, relata o hospital, que disse manter as pesquisas mesmo com a decisão da OMS.
O pneumologista Ricardo Martins, professor da UnB (Universidade de Brasília), comenta que o hospital em que atua na capital federal também decidiu não colocar a cloroquina no protocolo. “Esta é uma decisão individual do médico. Institucionalmente, não há recomendação formal.”
Ele ponderou que, pelos estudos já divulgados, não indica essas drogas a seus pacientes. “Os últimos estudos mostram que a medicação é até prejudicial à saúde dos pacientes. Não é opção para resolver o problema”, acrescenta.
Fonte: UOL