Pela ditadura militar — que assassinou ao menos 434 pessoas no país. Sem medo do coronavírus, responsável por ao menos 5.000 mortes no planeta.
Apesar (ou contra) as evidências históricas e científicas, apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) foram às ruas de cidades em todos os estados da federação com pedidos claros e gestos que atentam contra a democracia e contra a saúde pública nacional.
Em meio a uma pandemia que levou autoridades de dentro e de fora do Brasil apelarem para a restrição de aglomerações, os protestos se mostram menos volumosos do que os vistos anteriormente — embora a comparação exata seja impossível, dada a falta de dados oficiais. Ao mesmo tempo, os cartazes e as falas encamparam pautas mais radicais. Uma amostra de bolsonarismo condensado.
Contrariando recomendações do próprio ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde, o presidente da República incentivou os atos e quebrou protocolos sanitários, sob o silêncio dos chefes do Legislativo e do Judiciário — poderes na mira dos manifestantes.
Nesta manhã em Brasília, depois de discursar vários minutos usando termos como “vagabundos” para se referir a integrantes do Congresso Nacional e do STF (Supremo Tribunal Federal), Toni Imbrosio, membro de um movimento que se autodenomina patriótico e de direita, chegou ao ponto que desejava.
Ele invocou a necessidade de colocar em prática o artigo 142 da Constituição, que na interpretação dele, autoriza o presidente a convocar as Forças Armadas e usar o poder bélico para aprovar as medidas que desejar.
Ao lado do gramado em frente ao Congresso Nacional, onde o protesto ocorreu na capital federal, o engenheiro Américo Júnior, 49, mostrava uma faixa que fechava duas pistas da avenida que leva à Praça dos Três Poderes. O teor do texto mostrava que Toni não estava sozinho: “Intervenção militar” era o pedido.
“É a única saída. Não se negocia com lacaio. Para lavar o chiqueiro é preciso tirar os porcos”, disse Américo.
Alguns minutos mais tarde, muitos quilômetros dali, ecos desse clamor antidemocrático foram ouvidos em cidades como São Paulo e Rio.
“Precisamos das Forças Armadas porque estamos com uma quadrilha de comunistas aqui. Se as Forças Armadas não fecharem essa bodega, isso aqui está arriscado a virar uma Venezuela”, disse o empresário Roberto Batista, que segurava uma faixa pedindo “SOS Forças Armadas” em Copacabana.
Em São Paulo, em cima de um caminhão de som, David Alexander, do movimento Direita Conservadora, puxava palavras de ordem e dizia: “estamos em desobediência civil”.
Se o presidente Jair Bolsonaro manteve o papel de herói da direita nas ruas, o papel de arquirrival, que já foi do ex-presidente Lula (PT-SP), mudou de mãos: passou a ser de Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara de Deputados.
Ignorando a independência e o sistema de pesos e contrapesos entre os Três Poderes, os participantes dos atos se queixavam que os parlamentares e os ministros do Supremo não colaboram com o governo de Bolsonaro.
E no centro dessa disputa, uma fatia de R$ 30 bilhões no Orçamento — parte dos parlamentares querem ter o poder de decidir como e quando esses valores serão gastos. Bolsonaro chegou a fazer um acordo para reduzir essa fatia para R$ 15 bilhões, mas passou a usar as redes sociais e agora os protestos nas ruas para tentar garantir que toda a verba seja coordenada pelo Executivo.
A linha de raciocínio dos manifestantes é que estão tirando dinheiro do governo federal para fazer Bolsonaro desrespeitar o teto de gastos e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Desta maneira, estaria estabelecido o argumento para o impeachment de Jair Bolsonaro.
Houve também espaço para a xenofobia, com manifestantes “acusando” Maia de ser chileno — o parlamentar nasceu em Santiago, mas tem nacionalidade brasileira.
O presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e o STF também foram alvos de gritos de “fora, fora”.
E diante desses gritos e desses pedidos, em Brasília, Bolsonaro tirava fotos com seguidores, e seus perfis na internet compartilhavam imagens dos atos.
A manifestação estava planejada há tanto tempo que nas primeiras convocações “covid-19” ainda era um termo que não existia, e o coronavírus estava restrito a China.
Mas independentemente do nome, o vírus foi ignorado pelos participantes e pelo presidente da República.
Por ter voltado dos Estados Unidos há quatro dias, na companhia de ao menos seis pessoas que contraíram a doença, o presidente Bolsonaro deveria estar em isolamento até, pelo menos, a próxima terça-feira, segundo recomendação do próprio ministério da Saúde.
Ele não só ignorou a recomendação, como trocou apertos de mão com seguidores e pegou celulares de apoiadores para fazer selfies,
A deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), que esteve no protesto em Brasília, abraçou pessoas que pediram fotos e classificou a preocupação com a doença como exagero. Ela disse que o covid-19 atrapalha, mas não impede a manifestação.
Em São Paulo, manifestantes duvidavam do vírus e desfilavam teorias conspiratórias, sem embasamento.
“Esse vírus pode muito bem ser uma ação de guerra da China. Pense a respeito: a guerra paralisa fábricas, para viagens, causa medo, tudo que estamos vendo hoje. Vejo uma ação coordenada pela China comunista para derrubar a economia do planeta”.
Desde que assumiu protagonismo por causa da Lava Jato, a Justiça amealha reações de aprovação e revolta da população. A manifestação deste domingo foi mais um capítulo desta história. Desta vez, com reprovação à condução do STF.
Os nomes de Gilmar Mendes e Dias Toffoli foram os mais xingados. O primeiro, por estar vinculado ao PSDB e ser visto como um advogado de Aécio Neves e companhia. Toffoli, atual presidente do STF, foi vaiado várias vezes e tratado como capacho do PT.
A dupla foi responsabilizada pelo arrefecimento no combate a corrupção e acusada de agir em aliança com políticos poderosos a quem devem seus cargos.
A proibição da prisão após condenação em segundo instância era o mote desses protestos.
Até as 19h deste domingo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, não havia comentado os atos.
À CNN Brasil, Alcolumbre disse que “para algumas autoridades, a eleição não terminou”.
Membros da oposição reagiram chamando Bolsonaro de irresponsável. Mas a reação à afronta ao equilíbrio de poderes endossada pelo presidente deve ser a pauta da semana que se abre.
Fonte: UOL