Numa nova estratégia mundial apresentada para lidar com a pandemia, a OMS apela para que governos assumam a liderança no combate contra o coronavírus e indica que, depois de três meses de estudos e evidências, começa finalmente a “conhecer melhor o inimigo” que já matou mais de 120 mil pessoas e jogou a economia em sua pior recessão desde a década de 30.
Mas, pela primeira vez e com 2 milhões de pessoas contaminadas, a nova estratégia fala abertamente sobre o risco de que a transmissão do vírus pode ocorrer de forma “descontrolada” se países que adotaram quarentenas resolvam suspender as medidas de forma abrupta. A agência defende uma transição cautelosa e gradual.
O plano, publicado na noite desta terça-feira em Genebra, revela que a taxa de mortalidade do vírus é de 3% e que 20% das pessoas infectadas desenvolvem um estado severo ou crítico.
A nova estratégia está sendo revelada no momento em que Donald Trump, o maior doador de recursos para a OMS, anuncia que suspendeu o repasse.
De acordo com o novo plano, a “proliferação explosiva” do vírus colocou até sistemas de saúde sólidos em risco. Apenas 40% dos casos identificados são suaves, contra 40% num estado moderado (incluindo pneumonia).
Se a taxa geral de mortalidade é de 3%, ela chega a 15% para pessoas com mais de 80 anos de idade.
De acordo com a OMS, as medidas de distanciamento social e as restrições de movimento podem retardar a transmissão. Em locais com contaminação comprovada, a entidade sugere que “autoridades devam adotar e adaptar imediatamente medidas de afastamento da população e restrições à circulação, para além de outras medidas de saúde pública e do sistema de saúde, a fim de reduzir a exposição e suprimir a transmissão”.
Segundo Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da entidade, ao colocar populações inteiras em quarentena, “reduzimos a capacidade de propagação do vírus nas nossas comunidades”.
“Estas medidas defensivas ajudaram a limitar alguns dos impactos a curto prazo do vírus e deram-nos tempo para traduzir o que aprendemos sobre o vírus em soluções para que possamos regressar a um modo de vida mais normal: um novo normal”, destacou.
Durante a quarentena, Tedros apela para que todos os casos sejam “encontrados, testados e isolados”. “Este princípio irá salvar vidas e atenuar o impacto económico da pandemia”, disse. Para a OMS, a agilidade dos governos em suprimir novos surtos e ampliar a capacidade dos sistemas de saúde é o que vai garantir algum resultado.
A estratégia conta com os seguintes componente ainda:
– Suprimir a transmissão comunitária através de medidas de prevenção e controle de infeções adequadas ao contexto, medidas de afastamento físico da população e restrições adequadas e proporcionadas às viagens nacionais e internacionais não essenciais. ?
– Reduzir a mortalidade, prestando cuidados clínicos adequados às pessoas afetadas pelo COVID-19, assegurando a continuidade dos serviços essenciais de saúde e sociais e protegendo os trabalhadores da linha da frente e as populações vulneráveis. ?
– Desenvolver vacinas e terapias seguras e eficazes que possam ser fornecidas em grande escala e que sejam acessíveis com base nas necessidades. ?
Impacto social
Mas a agência aponta que essas medidas podem ter um profundo impacto negativo nos indivíduos, comunidades e sociedades, ao pôr quase fim à vida social e econômica. “Tais medidas afetam de forma mais dura os grupos desfavorecidos”, alertou.
Para a OMS, governos precisam avaliar de que forma precisarão responder às necessidades dessas populações afetadas pelas quarentenas e dar alternativas de renda.
Transição
Para a OMS, países que introduziram medidas de afastamento físico generalizado e restrições à circulação a nível da população precisam, de forma “urgente”, planejar uma “transição em fases para a retirada dessas restrições, de forma a permitir a supressão sustentável da transmissão a um nível reduzido, permitindo simultaneamente o reinício de algumas partes da vida económica e social, prioritariamente através de um equilíbrio cuidadoso entre os benefícios econômicos e os riscos epidemiológicos”.
“Sem um planejamento cuidadoso, e na ausência de um aumento das capacidades de saúde pública e de cuidados clínicos, é provável que o levantamento prematuro das medidas de afastamento físico conduza a um ressurgimento descontrolado na transmissão e a uma segunda onda amplificada de casos”, alerta.
Segundo a OMS, as decisões sobre quando e onde fazer a transição devem ser “baseadas em provas, orientadas por dados e implementadas de forma gradual”.
“É essencial dispor de dados precisos e em tempo real sobre os testes dos casos suspeitos, a natureza e o estado de isolamento de todos os casos confirmados, o número de contatos por caso e a exaustividade do rastreio, bem como a capacidade dinâmica dos sistemas de saúde para tratar os casos”, defendeu.
“Para reduzir o risco de novos surtos, as medidas devem ser levantadas em fases, com base numa avaliação dos riscos epidemiológicos e dos benefícios econômicos do levantamento das restrições em diferentes locais de trabalho, estabelecimentos de ensino e atividades sociais (tais como concertos, eventos religiosos, eventos esportivos)”, disse.
“O ideal seria que houvesse um período mínimo de 2 semanas (correspondente ao período de incubação do COVID-19) entre cada fase da transição, para dar tempo suficiente para compreender o risco de novos surtos e para responder adequadamente”, sugeriu.
Seis critérios foram apresentados nesta semana pela OMS para que governos levem em consideração a retirada das restrições. Um deles é a garantia de que há um sinal de que a transmissão está controlada, além de investimentos no setor de saúde e o engajamento da sociedade.
Papel do governo
Para a OMS, central na resposta à pandemia é o papel do estado e de seus líderes. “A determinação e o sacrifício dos profissionais de saúde da linha da frente devem ser correspondidos por cada indivíduo e por cada líder político para pôr em prática as medidas necessárias para pôr fim à pandemia”, defendeu.
Para preparar o sistema, a OMS pede que governos atuem com agilidade. “Todos os dias se perdem na implementação de capacidades de resposta eficazes e os comportamentos custam vidas”, alerta.
A agência defende que governos devem “liderar e coordenar a resposta superando linhas partidárias para permitir e capacitar todos os indivíduos e comunidades a serem donos da resposta através da comunicação, educação, envolvimento, desenvolvimento de capacidades e apoio”.
“Os governos devem também reorientar e envolver todas as capacidades disponíveis dos setores público, comunitário e privado para aumentar rapidamente o sistema de saúde pública”, defendeu, insistindo no esforço para testar, isolar e tratar os casos confirmados.
A OMS ainda alerta para o papel em informar a sociedade. “As populações informadas e habilitadas podem proteger-se a si próprias tomando medidas a nível individual e comunitário que permitam reduzir o risco de transmissão”, disse.
“Em contrapartida, informações enganosas, ambíguas e falsas podem ter graves consequências negativas para a saúde pública, nomeadamente ao comprometerem a adesão a medidas de afastamento físico e restrições à circulação, ao promoverem aglomerações”, disse.
A OMS também alertou sobre o risco de promover “curas e profilaxias, sem qualquer prova de benefício”.
“Sabemos agora o que enfrentamos, e nós estamos aprendendo a vencer. O COVID-19 ameaça a vida humana, ameaça os meios de subsistência e ameaça o modo de vida de cada indivíduo em cada sociedade”, completou a OMS.
Por Jamil Chade
Fonte: UOL