Nesta semana, a Rússia anunciou que pretende aprovar a primeira vacina para a Covid-19 no meio de agosto. O governo prevê uma aprovação antecipada local no próximo dia 10 – daqui a pouco mais de uma semana. No dia 15, ela já começaria a ser aplicada em profissionais de saúde do país.
A notícia caiu como uma bomba. Até então, pouco se falava de uma vacina da Rússia, muito menos que teríamos um imunizante comprovadamente eficaz no meio de agosto. Mas a situação é bem mais complexa do que isso. Para entender melhor essa vacina, é preciso dar um passo atrás e olhar para o seu processo de desenvolvimento.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, existem 164 vacinas para a Covid-19 em desenvolvimento atualmente. A maioria está em etapas pré-clínicas, de pesquisa básica ou testes em animais. Mas antes de chegar ao público, todas devem passar por três fases de testes clínicos em humanos. Hoje, já existem 25 vacinas sendo testadas em pessoas ao redor do mundo.
A fase 1 avalia a segurança da vacina e os possíveis efeitos colaterais em um grupo pequeno de voluntários, algumas dezenas de pessoas. A fase 2 verifica se ela induz a resposta imunológica, com produção de anticorpos no indivíduo. Geralmente ela é conduzida com centenas de voluntários. A fase 3 verifica se a vacina funciona na prática e, de fato, protege contra o coronavírus. Nessa etapa, ela é aplicada em milhares de profissionais de saúde que trabalham nos hospitais e estão expostos diariamente ao vírus.
Das 25 vacinas testadas em humanos, cinco já estão no último estágio: três da China, uma do Reino Unido e uma dos Estados Unidos. Você provavelmente ouviu falar da chinesa CoronaVac, que está sendo testada em São Paulo, e da vacina britânica de Oxford, que também veio para o Brasil e é considerada a mais avançada de todas.
As outras duas vacinas chinesas são da farmacêutica Sinopharm, que também devem ser testadas em profissionais brasileiros. A americana é da farmacêutica Moderna, que está conduzindo o estudo em voluntários por lá.
E onde é que a Rússia entra? A vacina do Instituto Gamaleya, em Moscou, é uma daquelas 25 vacinas que já começaram os testes em humanos – mas que ainda não estão na terceira e última fase. A vacina russa encontra-se na fase 2 de testes, prevista para ser concluída no dia 3 de agosto.
Isso significa que, em tese, a vacina foi considerada segura na primeira fase. Os próprios pesquisadores alegaram que injetaram a vacina em si mesmos. No entanto, os resultados sobre eficácia e proteção ainda não foram publicados, como aconteceu com a vacina de Oxford, por exemplo.
As autoridades afirmam que todos os testes foram positivos até o momento, e que os resultados da segunda fase estão sendo compilados e devem ser submetidos para a revisão por pares no início de agosto.
Quem vai tomar a vacina russa?
Os pesquisadores pretendem conduzir a fase 3 após a aprovação local da vacina pelo Ministério da Saúde russo. A partir da semana do dia 10, para quando está prevista a aprovação, profissionais de saúde que tratam a Covid-19 poderão tomar a vacina, mesmo sem estar participando da terceira etapa de testes.
A população em geral não terá acesso à vacina em agosto, segundo a vice-primeira-ministra Tatiana Golikova. Ela diz que a aprovação antecipada, apenas para profissionais de saúde, só irá acontecer sob a condição de que a terceira fase seja realizada em seguida, com 1600 voluntários. Se a vacina apresentar qualquer efeito colateral ou danos para a saúde, a aprovação pode ser revogada.
Segundo Golikova, o início da produção da vacina está previsto para setembro, e o primeiro lote deve sair em outubro para a população, o que já é considerado extremamente cedo.
Ou seja, se tudo ocorrer como as autoridades preveem, dois grupos de pessoas devem receber a vacina na Rússia em agosto: os voluntários para a terceira fase de testes; e profissionais da saúde que queiram tomar a vacina, mesmo sem estar participando do teste.
Milhares de profissionais de saúde ao redor do mundo já tomaram alguma das vacinas para a Covid. No Reino Unido, 10 mil pessoas foram imunizadas com a vacina de Oxford. Nos EUA, 30 mil receberão a vacina da Moderna. E no Brasil, 9 mil voluntários estão recebendo a CoronaVac.
A principal diferença é que os participantes do estudo são acompanhados pelos pesquisadores ao longo das semanas. Eles também não sabem se estão tomando a vacina real ou um placebo, no chamado estudo com grupo controle. Mesmo assim, todos devem reportar a condição física, checar a temperatura e comparecer às consultas. No final, todos esses resultados serão levados em conta para a aprovação da vacina.
A vacina russa será aprovada em todo o mundo?
Ter uma vacina aprovada na Rússia não significa que ela será aprovada facilmente no Brasil ou em outros países. No entanto, o presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas, afirmou em coletiva na quarta-feira (29) que o governo russo entrou em contato com o governo de São Paulo para negociar a produção da vacina no Brasil. O Paraná também conversou com a embaixada russa para oferecer a estrutura do Instituto de Tecnologia do estado para a produção da vacina. Até o momento, nenhum acordo foi confirmado.
A corrida pela vacina está sendo comparada à corrida espacial durante a Guerra Fria. Kirill Dmitriev, líder do fundo de investimento russo que está patrocinando a pesquisa, disse que esse é um “momento Sputnik”, em referência ao primeiro satélite lançado ao espaço em 1957, pela União Soviética. “Os americanos ficaram surpresos quando ouviram os bipes do Sputnik”, disse em entrevista à CNN. “É a mesma coisa com essa vacina. A Rússia vai ter chegado lá primeiro.”
Fonte: Superinteressante