A Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) já reconheceu que o Estado atravessou dois picos de casos da Covid-19: o primeiro no dia 20 de março, e outro entre 1º e 20 de maio, mais intenso. Contudo, atualmente, há uma tendência de desaceleração na transmissão da doença e menor demanda assistencial. Segundo o sistema Infogripe, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), os casos reportados de internação por síndrome respiratória aguda grave (SRAG) no Estado, na última semana de julho, são 96% menores do que os da primeira semana de maio, que detém o recorde de registros.
Conforme os dados extraídos do Infogripe e analisados pelo Núcleo de Dados do Sistema Verdes Mares, a semana epidemiológica 19 – entre 3 e 9 de maio – registrou 1.883 notificações de SRAG, número 49 vezes maior do que os 38 da mesma semana de 2019. Já na semana 31 – entre 27 de julho e 1º de agosto -, foram apenas 66 registros, seis vezes maior que o igual período do ano passado, com dez registros. Em relação à semana 30, imediatamente anterior, a queda foi de 77%.
“Nasceu de novo”. É como descreve Luciana Maria de Oliveira, esposa de Adão José de Holanda, sobre os cerca de 15 dias que o marido passou internado no Hospital de Campanha do Estádio Presidente Vargas, em Fortaleza. Diagnosticado com coronavírus em junho, ele foi tratado na unidade e já retornou ao convívio da família, no bairro Edson Queiroz. “Passaram medicação para tomar em casa e, graças a Deus, hoje ele está bem. A gente continua tomando cuidado porque ninguém sabe direito se pode ter de novo, mas ele não sentiu mais nada”, comemora.
A introdução da Covid-19 entre as doenças respiratórias em circulação no Ceará teve efeito avassalador na demanda das redes de saúde. Ainda segundo o Infogripe, os casos registrados entre janeiro e julho de 2020 são 22 vezes maiores que os registrados no mesmo período do ano passado. O sistema dá conta de 15.796 ocorrências nos primeiros sete meses deste ano, contra 716 em igual intervalo anterior. Os 15.080 casos excedentes levam à preocupante porcentagem de 2.106% de aumento.
Ano atípico
Os dados do Infogripe se aproximam das informações divulgadas pela própria Sesa, no mais recente boletim epidemiológico semanal da Pasta. Até 3 de agosto, 15.415 pessoas com SRAG foram hospitalizadas; a maioria (56,7%) homens. Ao todo, neste ano, o Ceará notificou 30.360 casos de SRAG ao sistema de informações sobre gripe do Ministério da Saúde, sendo que 16.945 testaram positivo para o novo coronavírus e 270 para outros agentes – metade destes por influenza.
Magda Almeida, secretária-executiva de Vigilância e Regulação da Sesa, comenta que 2020 é um ano atípico, de epidemia, logo “teremos um número maior de síndromes gripais e respiratórias agudas graves”. “Isso não significa que a gente esteja numa segunda onda, porque para isso precisamos comparar com semanas anteriores desse mesmo ano. Nossa análise de reabertura e controle de óbitos se faz assim, não comparando com o ano passado”, garante.
Isolamento
O infectologista Robério Leite, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), reforça que a adesão dos cearenses ao isolamento foi fator importante para desacelerar a propagação da doença. “Se começa a diminuir a taxa de incidência em um determinado local, começa a ter uma curva de declínio. Menos pessoas estão sendo infectadas e menos precisam de atenção. O isolamento era para diminuir a velocidade de transmissão e a taxa de incidência”, ressalta.
Porém, o especialista indica que o cenário ainda é muito “instável” para garantir a continuidade dos bons indicadores. Isso porque Fortaleza, embora com números em queda, mantém “comunicação forte” com municípios do Interior. “Você tem uma nova dinâmica chegando na região, retroalimentada na Capital. À medida que a gente vai voltando ao normal, com menos cuidados, os números vão mudando”, explica. O alerta de casos retornando do Interior para as capitais, chamado “efeito bumerangue”, foi divulgado por pesquisadores do Comitê Científico do Consórcio Nordeste no início de julho.
Atenção
Segundo o último boletim do Observatório Covid-19, também da Fiocruz, o Ceará tem 8,9 de taxa de incidência de SRAG a cada 100 mil habitantes, abaixo da média nacional de 10,2 entre a mesma população. Ainda assim, o Estado fica em terceiro no Nordeste, atrás de Alagoas (18,4) e Sergipe (12,3), e ocupa a 12ª posição entre as unidades federativas. Os pesquisadores indicam “situação de alerta para todo o País”.
Nas últimas semanas, diante da “grande flutuação no número de casos” e aumentos em algumas áreas, os estudiosos recomendam avaliar com maior atenção a flexibilização do isolamento, a interiorização da pandemia e a disponibilidade de testes para detecção da doença.
Para o infectologista Robério Leite, ainda é incerto definir como a Covid-19 vai agir no Ceará neste segundo semestre, caracterizado por menor ocorrência de chuvas, baixa umidade do ar e tempo mais seco. Assim como outros vírus respiratórios, “é possível” que a doença tenha uma sazonalidade, embora no clima tropical essa característica não seja tão marcante.
“Nada impede que a gente tenha novos picos mais para frente. Os vírus respiratórios se comportam dessa maneira, podem ocorrer o ano todo. Como a Covid-19 vai se comportar, realmente é muito difícil de dizer. Quando você observa uma pandemia, isso muda, é realmente imprevisível”, examina o médico.
Magda Almeida, da Sesa, reitera a impossibilidade da previsão, mas observa que o coronavírus segue um fluxo semelhante à influenza. “Ele entrou aqui na nossa quadra invernosa e, quando começamos a entrar em outra estação, diminuiu. No Sul, também entrou na época do inverno, mas São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo, foram atingidos antes disso. Parece ter relação com a sazonalidade, mas não dá pra falar com certeza”, afirma.
Por Nícolas Paulino
Fonte: Diário do Nordeste