O uso de remédios para o tratamento da ansiedade não é algo recente, mas, para alguns pacientes, a ideia de tomar a medicação por um período da vida causa calafrios. A pergunta é: dá para tratar a ansiedade sem drogas?
Dependendo do nível do transtorno, sim. Segundo Paulo Silva Belmonte de Abreu, psiquiatra da Unimed Porto Alegre, mestre em ciências da saúde pela Universidade Johns Hopkins (EUA), a ansiedade tem cinco fases (de zero a quatro). Normalmente, o remédio passa a ser recomendado na fase dois, quando o distúrbio traz, por exemplo, prejuízos no trabalho, com baixa no rendimento, e na vida socioafetiva.
Quem tem uma versão mais leve pode fazer uso de outras táticas como tratamento, além da psicoterapia. Há evidências científicas que comprovam que a atividade física regular traz benefícios a quem tem o transtorno. “O exercício é um grande aliado, melhora o sono e libera substâncias que promovem bem-estar”, diz a psiquiatra Juliana Sartori, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Também há comprovação científica em relação ao mindfulness, técnica que estimula a atenção plena, ou seja, estar focado ou conectado no que se está fazendo, vivenciando ou sentindo naquele momento.
Mas uma boa avaliação de cada caso é essencial para verificar se esse é o caminho mais adequado. “Nem todo paciente vai demandar medicamento. A gente não pode ser um defensor de medicação nem ser totalmente contra, tem que estar aliado à evidência científica. Mas eu acredito mais em estratégia combinada: psicoterapia, medicação e mudança no estilo de vida”, diz Wagner de Lara Machado, psicólogo e professor da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul).
De onde veio essa ansiedade?
Para Abreu, o primeiro passo é o paciente tomar conhecimento durante a terapia do que é ansiedade, saber o que a está provocando e pensar em estratégias de enfrentamento junto ao especialista. “Antes disso, usar o recurso farmacológico pode ser prejudicial, porque a pessoa não vai identificar o que tem”.
Além disso, é preciso descartar a existência de outras doenças que podem provocar a ansiedade ou têm sintomas parecidos, como as cardíacas, neurológicas, vasculares e infecciosas. E perceber se não está ocorrendo uma “ansiedade por abstinência”, quando a pessoa para de usar substâncias psicoativas, como álcool e drogas.
A ansiedade é um sentimento de defesa do corpo, um sinal de alerta, segundo Juliana Sartori, chefe do setor de psiquiatria do Hospital Mãe de Deus, de Porto Alegre. A pandemia do coronavírus é um exemplo. Em março, muita gente ficou preocupada em perder o emprego ou ser contaminado, as pessoas estavam apreensivas com o que poderia acontecer no futuro. Na antiguidade, esse sentimento auxiliou nossos antepassados contra investidas de predadores.
Mas a sensação também pode virar doença. Isso acontece quando os sintomas (enjoo, tontura, dor de cabeça, falta de ar, palpitação, sensação de sufocamento) persistem por muito tempo e trazem prejuízos para o corpo. “Tem gente que não sabe que tem e só descobre quando vai na emergência com dor no peito, falta de ar, mal-estar, entre outros sintomas. Na verdade, ela está tendo uma crise de ansiedade”, diz Sartori.
Os transtornos de ansiedade envolvem sempre uma predisposição biológica, psicológica e a exposição a fatores estressores, que podem ser acumulados ao longo da vida. Indivíduos de famílias ansiosas têm maior chance de desenvolver os transtornos, mas um ambiente conturbado, com dificuldades econômicas, maus-tratos, abuso e violência na infância, separações também contribuem para o aparecimento do quadro.
Como avaliar necessidade
“Passa a ser preocupante quando paralisa a pessoa, quando ela sente que não está conseguindo realizar coisas importantes para si ou tarefas rotineiras. Outra situação que pode ocorrer é, ao invés de paralisar, faz o indivíduo agir impulsivamente, e ele não sabe o que o está motivando”, diz a psicóloga e professora da UFPR (Universidade Federal do Paraná), Jocelaine Martins da Silveira.
Depois de descartadas possíveis doenças e feito o diagnóstico clínico, ou seja, baseado na análise dos sintomas, a conversa com o especialista, seja ele psicólogo ou psiquiatra ajuda na decisão de fazer um tratamento medicamentoso. Mas, para quadros mais leves da doença, a psicoterapia pode ser tão ou mais eficiente que os remédios, principalmente se combinada com hábitos saudáveis e terapias complementares.
No caso de quem precisa tomar remédio, o tempo de uso também varia conforme o nível de ansiedade. Na fase um, quando se tem mal-estar e sintomas leves, a pessoa vai tomar a medicação de um a três meses, segundo Abreu. No nível seguinte, quando o paciente já tem prejuízos na vida, o remédio vai ser companheiro por um ano. Nas fases seguintes, a medicação é revisada de ano e ano e, caso haja melhoras, é retirada de forma gradual.
Mas é importante salientar que, mesmo quando indicado, o remédio não atua sozinho. Para o tratamento surtir mais efeito, recomenda-se associar medicação, terapia e mudanças no estilo de vida, como iniciar atividades físicas. Abreu compara esse equilíbrio a uma orquestra —se não houver sintonia (ou afinação) o tratamento pode se arrastar.
Alguns dos principais tratamentos
Psicoterapia: as terapias da fala, em geral, ajudam os pacientes a identificar os fatores que deflagram a ansiedade, como falsas crenças, e a encontrar formas mais saudáveis de lidar com os sintomas e as dificuldades que o transtorno cria. A psicanálise e as terapias psicodinâmicas podem ser úteis nesse aspecto, mas a TCC (terapia cognitivo-comportamental), que tem um caráter mais prático, é a que tem demonstrado maior eficácia segundo evidências científicas.
No caso das fobias, por exemplo, a estratégia envolve expor o paciente de forma gradativa às situações que deflagram o medo, até que ele desenvolva uma tolerância. Para quem fica ansioso antes de viajar de avião, já existe até um tratamento com uso de realidade virtual para simular as etapas do voo, baseado no princípio da exposição. Outra vertente que tem trazido resultados, de acordo com estudos, são as terapias baseadas em mindfulness (meditação de atenção plena), que unem fundamentos dessa prática e da TCC.
Terapias complementares: práticas meditativas, como mindfulness e meditação transcedental, têm despertado atenção de pesquisadores e hoje existem evidências científicas de seus benefícios. O princípio é se concentrar na respiração ou em alguma palavra, no momento presente ou nas sensações corporais, sem brigar ou se apegar às ideias que vêm à mente.
Exercícios de respiração diafragmática, como os da ioga, também são considerados úteis. Além disso, técnicas de relaxamento, neurofeedback, biofeedback, alongamentos, massagens, musicoterapia, acupuntura, banhos quentes e ervas como camomila, passiflora e valeriana…tudo isso pode ajudar no controle dos sintomas e aumentar o sucesso dos tratamento convencionais.
Medicamentos: os fármacos mais utilizados para os transtornos de ansiedade são os antidepressivos, como inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ex: fluoxetina, sertralina, paroxetina etc) e tricíclicos (ex: clomipramina), entre outros. Os principais efeitos colaterais são problemas sexuais e ganho de peso. Ansiolíticos como os benzodiazepínicos (diazepam, clonazepam, lorazepam, lexotan etc), que agem num neurotransmissor chamado Gaba, podem ser indicados no início do tratamento ou durante as crises. A prescrição dessas drogas deve ser feita com cuidado porque há risco de prejuízos psicomotores, problemas de memória e dependência.
Alguns médicos também podem prescrever betabloqueadores (como propanolol e atenolol) para reduzir sintomas como taquicardia e tremedeira em situações específicas, como apresentações em público. Alguns anticonvulsivantes (como a pregabalina) ou neurolépticos também podem ser prescritos em casos específicos, dependendo dos sintomas e de condições associadas.
Hábitos saudáveis: as atividades físicas são de extrema importância para quem sofre de ansiedade, pois ajudam o corpo a liberar substâncias que promovem bem-estar, além de distrair a mente e melhorar o sono. Atividades ou jogos que exigem concentração também podem ter um um efeito de “treino mental” contra a ansiedade. Outras, como futebol ou dança, têm a vantagem de estimular a socialização.
As recomendações gerais dos especialistas incluem: ter uma dieta saudável, rica em vitaminas e minerais; aprender a equilibrar trabalho e descanso; controlar a exposição aos eletrônicos, principalmente à noite; evitar o excesso de álcool, café, cigarro e outros estimulantes; e levar o sono a sério (dormir mal também colabora para o excesso de hormônios do estresse, o que só agrava o quadro de ansiedade). Todos esses bons hábitos também funcionam como prevenção para os transtornos ansiosos.
Fonte: UOL