Após mais de quatro anos de controvérsia, o estudo do infectologista francês Didier Raoult que fundamentava o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19 foi formalmente invalidado. A revista científica International Journal of Antimicrobial Agents, que publicou o artigo em março de 2020, anunciou a retratação do trabalho nesta terça-feira (17), após uma investigação que apontou problemas éticos e metodológicos.
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Histórico da pesquisa
A hidroxicloroquina e a cloroquina, medicamentos tradicionalmente utilizados contra a malária, ganharam notoriedade no início da pandemia de Covid-19 como possíveis tratamentos para a doença. O principal defensor dessa ideia foi Didier Raoult, então diretor do Instituto de Infectologia do Hospital Universitário de Marselha (IHU), no sul da França.
O estudo agora retratado, coassinado por Raoult e outros 17 autores, sugeria que a hidroxicloroquina, combinada com o antibiótico azitromicina, era eficaz contra a Covid-19. No entanto, desde a sua publicação, a pesquisa foi alvo de críticas pela comunidade científica, que apontou erros graves como ausência de grupo de controle, amostras pequenas e falhas éticas.
Retratação e críticas
De acordo com a editora Elsevier, responsável pela revista científica, a decisão de retratar o estudo foi baseada em uma análise independente que identificou violações das regras de ética de publicação e problemas na condução de pesquisas envolvendo seres humanos. Além disso, três dos próprios autores levantaram questionamentos sobre a metodologia e as conclusões do trabalho.
A Elsevier destacou que os autores do estudo não conseguiram apresentar argumentos convincentes em sua defesa. Raoult continuou publicando outros estudos alegando a eficácia da hidroxicloroquina, mas esses trabalhos também foram amplamente criticados por falhas metodológicas e éticas.
Cloroquina no Brasil e no mundo
A defesa da hidroxicloroquina gerou polêmica em diversos países. No início da pandemia, o presidente francês Emmanuel Macron chegou a elogiar Raoult, mas o governo da França rapidamente retirou o apoio ao medicamento.
No Brasil, o então presidente Jair Bolsonaro foi um dos mais fervorosos defensores da cloroquina. Entre março de 2020 e janeiro de 2021, seu governo promoveu ao menos quatro medidas para facilitar a prescrição do medicamento, incluindo o lançamento do aplicativo TrateCov, que sugeria a prescrição de cloroquina e outros medicamentos sem comprovação científica, como ivermectina.
Medidas como o protocolo do Ministério da Saúde, em maio de 2020, recomendando o uso da cloroquina em todos os casos de Covid-19, também ganharam destaque, embora tenham sido amplamente criticadas por especialistas.
Ineficácia comprovada
Diversos estudos científicos de grande escala e metodologicamente rigorosos, como os projetos Recovery (Reino Unido), Hycovid (França) e Solidariedade, liderado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), demonstraram que a cloroquina e a hidroxicloroquina não são eficazes no tratamento ou prevenção da Covid-19.
Além disso, o uso dessas substâncias foi associado a graves efeitos colaterais, principalmente cardiovasculares, levando à recomendação contra seu uso em diversas diretrizes internacionais.
Por Nicolas Uchoa