A Covid-19 fez mais vítimas fatais no Brasil em 44 dias do que dengue, H1N1, sarampo, chicungunha e zika somadas ao longo deste ano. Segundo o último boletim do Ministério de Saúde, divulgado ontem, 941 pessoas morreram desde 26 de fevereiro em decorrência da doença causada pelo novo coronavírus, que já foi comparada a uma “gripezinha” pelo presidente Jair Bolsonaro.
Em 2020, até 28 de março, a dengue, endêmica no Brasil, provocou 148 mortes. Em período semelhante, o H1N1, vírus que causa um dos tipos de gripe, vitimou 13 pessoas; o sarampo, 4; a chicungunha, 3; a zika, nenhuma (ver quadro abaixo).
Para Guilherme Werneck, epidemiologista e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), “a situação vai piorar muito, antes de melhorar”, devido à simultaneidade de surtos.
— O pico dos casos de Covid-19 vai ocorrer quando tivermos o aumento dos casos de H1N1, doença para a qual temos vacina. A imunização, no entanto, não é 100% eficaz. Para agravar, temos o aumento dos casos de dengue. Ela não é uma doença que exige UTI, mas há chance de que um grande número de pessoas desenvolva a forma grave da doença — diz Werneck, apontando o isolamento social daqueles que podem ficar em casa como única forma de amenizar a sobrecarga do sistema de saúde. — O mais importante agora é que todos não adoeçam ao mesmo tempo. Precisamos equipar e montar as estruturas para atender a todos os casos graves.
Surto de dengue
De acordo com o boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, neste ano, o total de casos de dengue no país até agora é de 484.249, número 15% superior ao mesmo intervalo de 2019. O aumento, ainda que relativamente baixo, é preocupante quando se leva em conta que a curva de crescimento do vírus vem aumentando: em 2019, foram 1.544.987 casos de dengue no país, 488% a mais que em 2018.
Os dados acenderam o alerta em pesquisadores e autoridades sanitárias, que já enfrentam a luta contra a Covid-19. Um estudo assinado por especialistas da Universidade Harvard, nos EUA, e pelo secretário nacional de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Wanderson Oliveira, projeta falta de leitos e equipamentos no país já em abril. Em 2019, o pico de hospitalizações por dengue e a gripe ocorreu justamente entre março e maio.
Marcia de Castro, professora do Departamento de Saúde Global e População de Harvard, explica que o estudo levou em consideração o quadro existente até 27 de março, e está sendo atualizado com o aumento de oferta de leitos prometidos para o fim de abril e início de maio.
— Os governos estão respondendo como podem, e a oferta de leitos vai aumentar em breve. Isso é fundamental para que se evite a situação crítica que se viu na Itália e que se vê na cidade Nova York. Ainda há lacunas em oferta de respiradores. E também há dois pontos importantes. Primeiro, a falta de testes. Esse problema é crítico, pois sem testes não há como se adotar um protocolo em que todos os suspeitos e seus contatos sejam testados e isolados caso sejam positivos. Segundo, é preciso que a população colabore e respeite o isolamento — diz ela.
Diante desse cenário, o infectologista Edimilson Migowski, professor da UFRJ, reforça a importância da vacinação contra a gripe e o combate aos focos do mosquito Aedes aegypti (transmissor da dengue). Ele ressalta que não há relatos de casos de coinfecção (contrair dengue e Covid-19 ao mesmo tempo) e explica ainda que a necessidade de leitos para dengue é bem diferente da nova epidemia:
— Para dengue, não é preciso isolamento, e nem os profissionais precisam de equipamentos de proteção individual (EPI). Além disso, não causa doença respiratória, principal agravante da Covid-19, o que exige equipamentos e leitos de UTI.
No ano passado:Covid-19 já matou em 43 dias mais do que dengue, H1N1 e sarampo ao longo de 2019
O aumento do número de casos de dengue em 2020 pode ser explicado porque, no fim de 2018, o sorotipo 2 do vírus voltou a circular após dez anos e vem encontrando populações suscetíveis à doença.
Desde o dia 14 de fevereiro, o Paraná está em estado de alerta por causa da dengue. São 87,9 mil casos, além de 69 mortes confirmadas. Segundo a Secretaria de Saúde, em 2019, na quarta semana do mês de março, eram 2.023 casos confirmados da doença — no comparativo, uma explosão de 4.245%. São 177 cidades paranaenses em situação de epidemia, o que representa quase metade dos municípios do estado. Por isso, o secretário de Saúde do Paraná, Beto Preto, diz que “estamos atentos ao coronavírus, mas não podemos esquecer da dengue” .
Fonte: O Globo