Imagine poder sair no final de semana, beber e não acordar destruído no dia seguinte. Tomar várias taças de vinho, algumas cervejinhas e poder dormir sem sentir tonturas, enjoos e ter dor de cabeça no dia seguinte parece um sonho, mas uma pílula, que quase parece mágica e que está sendo vendida no Reino Unido, promete acabar com a ressaca.
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Chamada popularmente de pílula antirressaca, a Myrkl diz que é capaz de decompor até 70% do álcool ingerido, se consumida uma hora antes da bebedeira. Segundo os fabricantes suecos, ela é composta por bactérias do tipo Bacullis, aminoácidos do tipo l-cisteína e vitamina B12. Ela ainda é vegana e custa £30 (R$ 192) a cartela com 30 cápsulas, ou seja, £1 (R$ 6,42) cada.
Para testá-la, um estudo, publicado na revista científica Nutrition and Metabolic Insights, acompanhou 24 pessoas, divididas em dois grupos, um deles tomou dois comprimidos antes de beber e outro ingeriu um placebo. Os pesquisadores observaram que houve, de fato, redução do nível de álcool entre aqueles que tomaram a pílula antirressaca.
De longe, parece quase um milagre. Analisando a pesquisa um pouco mais de perto, no entanto, é preciso tomar alguns cuidados. “Pode amenizar os efeitos do álcool, mas ainda faltam estudos comprovando esse efeito”, afirma Gisele Figueiredo Ramos, nutróloga e clínica médica do Hospital Vera Cruz. Na teoria, o medicamento pode funcionar, mas e na prática?
Como funciona
Para entender o funcionamento da Myrkl, é preciso primeiro entender por que ficamos com ressaca. Quando ingerimos álcool, ele é convertido pelo fígado em duas substâncias: ácido acético e acetaldeído. Ambas são bastante tóxicas para o corpo, principalmente o acetaldeído. Quando os níveis delas começam a cair, vêm os sintomas clássicos de ressaca.
O que a Myrkl faz é impedir que nosso corpo absorva essas duas substâncias tóxicas. Os bacilos presentes na pílula transformam o álcool em gás carbônico e água, com ajuda do aminoácido, antes mesmo que ele chegue até o fígado, que é o órgão mais afetado pelo consumo de bebida alcoólica.
“É um comprimido de bacilos, que fazem um processo de fermentação”, explica Aline Stipp, farmacêutica, mestre e doutora em microbiologia e professora do curso de medicina da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná), em Londrina. “É um probiótico que auxilia a evitar ressaca”, completa.
Já a vitamina B12 presente no medicamento serve para dar disposição e energia, além de ajudar a melhorar a concentração. “Ela protege as células do fígado e ajuda a diminuir os sintomas de ressaca”, diz Stipp.
Como a Myrkl, teoricamente, impede a absorção do álcool, ela faz com que você não fique muito bêbado e, consequentemente, sem ressaca. “Tudo o que você sente quando bebe, aquela euforia, depois a sonolência, vem do acetaldeído agindo no cérebro, e, se não vai ter a formação do acetaldeído no fígado, não vai ter os efeitos do álcool também”, afirma a nutróloga Gisele Ramos. “Existe o prazer de tomar o álcool, mas ele vai ser transformado em água e dióxido de carbono, não vai ser absorvido, então os efeitos dele são anulados.”
Para Ramos, a diminuição das lesões no fígado seria uma das principais vantagens do medicamento. “Os danos do álcool no fígado e no sistema nervoso central são muito grandes, então o benefício seria grande, impedindo efeitos nocivos no organismo”, diz.
Pé atrás
Apesar de a receita parecer funcionar, é preciso prestar atenção em alguns detalhes. O estudo publicado, por exemplo, foi feito com um número muito limitado de pessoas, além de serem voluntários com um perfil muito específico: brancos e saudáveis (sem problemas graves de saúde). A pesquisa também não explicita bem se há diferença dos efeitos em homens e mulheres, por exemplo.
Outro ponto de atenção sobre o estudo é que a quantidade de álcool ingerida para medir os efeitos do Myrkl foi pequena: apenas duas taças de vinho, em média. Então não é possível afirmar se a pílula funcionaria com quantidades maiores de bebida.
É importante lembrar também que a ressaca depende de outros dois fatores além da sintetização de substâncias tóxicas no organismo, que são a questão da desidratação do corpo e dos níveis de glicemia. “O álcool bloqueia um hormônio antidiurético e faz com que a pessoa tenha uma diurese maior, então ela fica desidratada quando bebe, e a hipoglicemia contribui com a piora de uma ressaca”, diz a nutróloga.
Tem no Brasil?
Por enquanto, não existe previsão de chegada de uma pílula antirressaca aqui no Brasil. Mas, segundo as especialistas, todos os componentes da Myrkl são aprovados pelos órgãos reguladores no país.
O que existe por aqui são analgésicos que ajudam a aliviar os sintomas de ressaca, mas que não evitam o mal-estar após a ingestão de álcool.
Normalmente, esse tipo de medicamento deve ser ingerido antes e depois de beber, mas ele tem um mecanismo de ação completamente diferente, e serve para aliviar os sintomas, e não impedir que eles se manifestem.
Um medicamento similar ao Myrkl que existe no Brasil é a metadoxina, um derivado da vitamina B6, usado para tratar casos de intoxicação alcoólica (o famoso coma alcoólico). Esse remédio tem um efeito parecido ao da pílula vendida no Reino Unido, porque ele acelera a metabolização do álcool, então o efeito da bebida passa mais rápido.
“A metadoxina começou a ser usada de forma indiscriminada para driblar o bafômetro, por fazer o álcool durar menos no organismo, mas é um medicamento que tem que ser usado com prescrição médica”, diz Ramos. “Não tem milagre, não dá para garantir que se você tomar, em tanto tempo não vai ter álcool no organismo, varia de pessoa para pessoa.”
Como evitar a ressaca
Para não acordar depois de uma bebedeira com a sensação de que foi atropelado por um caminhão, a melhor forma é seguir estas dicas:
• Beba água: intercale um copo de água a cada copo de álcool;
• Não beba de estômago vazio: de preferência, coma antes, durante e depois de beber;
• Mantenha uma alimentação saudável.
Fonte: VivaBem/UOL