Pelo terceiro ano seguido, o Brasil voltou a registrar em 2021 queda nas coberturas vacinais do calendário básico de imunização —que compreende as vacinas do PNI (Plano Nacional de Imunizações). Apenas 68% das crianças que deveriam ser atendidas foram vacinadas.
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A queda na cobertura vacinal começou em 2016 —desde então, houve apenas uma pequena recuperação em 2018. Em 2020, o país já tinha atingido patamares similares aos de 1980. No ano passado, para piorar, houve uma nova redução, de 12%.
Segundo especialistas, o maior problema está na sucessão de quedas, sem sinal de reação. Em 2021, os profissionais acreditavam em uma inversão nessa tendência, após o primeiro ano de pandemia de coronavírus (em 2020, os serviços de saúde foram bem mais impactados).
À reportagem, o Ministério da Saúde disse que monitora os dados e tem desenvolvido campanhas e novas estratégias para reverter o cenário (leia mais abaixo).
“Esperávamos, sim, um aumento da cobertura, até porque tivemos uma grande adesão à vacinação contra a Covid-19 e porque os serviços de saúde estavam mais acessíveis. Achávamos que isso levaria as pessoas aos postos, mas isso não ocorreu.”
Juarez Cunha, presidente da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações)
Diante de um cenário em que cada vez mais brasileiros abandonam as vacinas, Cunha e especialistas ouvidos pela coluna afirmam que o país está recriando, como em décadas passadas, uma geração de pessoas suscetível a doenças contagiosas —algumas delas que estavam eliminadas ou em baixíssima circulação no Brasil.
“Com certeza estamos criando uma geração desprotegida. Vamos pensar no caso da pólio: a cobertura ficou em quase 70%; são em torno de 3 milhões de crianças nascidas por ano e que devem ser vacinadas então temos aí pelo menos 900 mil crianças que estão suscetíveis. Isso vai se somando [a crianças não vacinadas nos anos anteriores], porque nossas coberturas vêm caindo”, diz.
Somente este ano já foram confirmados casos da doença no Malauí e em Israel, países onde não havia circulação do vírus. No Brasil, segundo dados do PNI, a cobertura vacinal da pólio foi 67,7% —quando o esperado é atingir 95%.
Cada doença tem uma cobertura vacinal indicada, de acordo com a capacidade de transmissão:
• Meningite e HPV: 80%
• Rotavírus, influenza e BCG (Tuberculose): 90%
• Demais vacinas: 95%
Em 2021, o país não atingiu nenhuma meta. “Isso sem falar nos reforços. No caso da pólio, metade não tem o reforço, ou seja, falamos de 50% de crianças [mesmo vacinadas] sem a proteção adequada”, diz Juarez Cunha. “E a tendência é que todas as doenças cresçam em números pela flexibilização pós-Covid [com a volta de eventos e aglomerações].”
“Nós temos 50 anos de sucesso do PNI no Brasil reconhecido no mundo. A população acredita e esperamos que isso contribua para recuperação das coberturas vacinais. O risco por essas baixas coberturas é previsível, mas evitável.”
Juarez Cunha, presidente da SBIm
Fake news crescem
Um dos fatores apontados como determinante para a queda da vacinação infantil foi a recente disseminação de notícias falsas sobre os imunizantes.
“Houve uma desinformação compartilhada sobre vacinas. Abordaram sobre Covid, mas isso impactou nas demais. Quando você coloca em dúvida, mina a confiança da população”, diz Juarez Cunha.
O pediatra e professor da UFS (Universidade Federal de Sergipe) Ricardo Gurgel concorda que a falsa ideia disseminada de que “vacinas não funcionam” impactou no resultado de 2021. “Foi lançada uma série de ressalvas à vacinação como um todo. O próprio governo federal pôs dúvida na vacinação, e claro que as pessoas ficaram receosas”, diz.
Gurgel chegou a ser nomeado no Diário Oficial, em 7 de outubro de 2021, para assumir o PNI, mas não tomou posse porque teve o nome vetado por posições contrárias ao que pensa o presidente Jair Bolsonaro (PL). Ele alega que, agora, a única saída é que o país tente correr atrás do tempo perdido.
“Precisamos de uma atuação mais proativa dos governos. Algumas estruturas de vacinação ficaram exclusivas para Covid-19. Estamos vendo escolas recebendo ações para vacinação da Covid. Por que não atualizar também a caderneta vacinal? Temos de pensar soluções”, afirma.
Sem a vacinação, diz, o risco de termos de volta doenças já eliminadas é “altíssimo”. “A pólio não temos, teoricamente, o vírus circulando hoje aqui; ele foi todo substituído pelas cepas vacinais. Mas a gente pode importar pelas movimentações aéreas de um país para outro, algo muito mais frequentes hoje”, observa.
“A maior parte das vacinas pode ser resgatada. A pessoa que não tomou nenhuma contra pólio no começo da vida, pode tomar a qualquer momento. Só não pode contra o rotavírus –que só pode se imunizar até 8 meses meses de vida.”
Ricardo Gurgel, pediatra e professor da UFS
Desigualdade regional
A vacinação no Brasil não tem uma realidade única.
Quando olhamos os dados de imunização —considerando as vacinas do PNI—, vemos que há diferenças entre as regiões, e assim como no caso da Covid-19, o Norte é o que tem registrado piores coberturas.
Veja a cobertura vacinal de 2021 por região:
• Norte – 62,5%
• Nordeste – 64,7%
• Sudeste – 68,8%
• Centro-Oeste – 73,5%
• Sul – 77,1%
Segundo Charles Tocantins de Souza, vice-presidente do Conasems (Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde), essa queda se arrasta há alguns anos e “passa por múltiplas razões”.
“A gente acredita que ter desaquecido as campanhas nacionais de vacina, nos últimos anos, impactou. Na nossa região, a vacina chega aos usuários com dificuldades grandes de acesso às unidades de saúde. É muito importante então ter campanhas itinerantes, nos locais aonde essas vacinas vão”, pondera Souza, que é secretário de Saúde de Tucuruí (PA).
Para ele, a pandemia apenas agravou uma situação que já era sentida. Souza afirma que é preciso também que haja uma maior e contínua oferta de vacinas à comunidade.
“É preciso colocar essas vacinas de maneira clara, farta e à vontade nos postos de saúde. Hoje em dia, alguns [estados e municípios] fazem racionalização de dias para vacina. Tipo: tal vacina é dada segunda e terça; outra, quarta e quinta. Eu acho que isso tem dificultado expressivamente a alcançar as metas.”
Charles Souza, vice-presidente do Conasems
Para que isso ocorra, diz, é preciso resgatar um antigo lema do PNI: “você pode perder as vacinas, mas não pode perder a oportunidade de vacinar um usuário”.
“Durante um tempo isso foi uma tônica, mas a gente passou por uma crise séria de BCG —em que a vacina era colocada em um único dia da semana porque não poderia perder doses. Isso foi o começo desse processo de racionalização”, lembra.
Além disso, há um outro efeito —esse colateral— do avanço das redes de urgência e emergência do sistema de saúde. “Hoje se procura muitas vezes a própria rede de urgência, e não a atenção básica [postos de saúde]. A solução, para nós, é fortalecer a rede básica de saúde”, afirma.
Saúde diz que monitora situação
À coluna, o Ministério da Saúde informou que “monitora atentamente as coberturas vacinais e tem trabalhado para intensificar as estratégias necessárias para reverter o cenário de baixas coberturas”.
“Nos últimos três anos, além de campanhas de vacinação contra influenza, poliomielite, sarampo, entre outras, a pasta tem promovido as campanhas de multivacinação para a atualização da carteira de vacinação da população. A pasta também tem reforçado, junto aos estados e municípios, a importância da manutenção das ações de vacinação de rotina, mesmo durante a pandemia da Covid-19”, diz.
“A recomendação é que os processos de trabalho das equipes de saúde sejam planejados com o objetivo de imunizar o maior número possível de pessoas, conforme orientações do Calendário Nacional de Vacinação.”
Nota do Ministério da Saúde
Ainda de acordo com a pasta, em 13 de dezembro, “o ministério lançou o Plano de Reconquista das Altas Coberturas Vacinais, em parceria com a Fiocruz. A estratégia tem como meta o aumento homogêneo da cobertura vacinal em todo o país até 2025”.
Por Carlos Madeiro
Fonte: UOL