“Fico desesperada”, diz Daniela (nome fictício), de 14 anos, sobre quando não tem acesso a internet. Ela, que vive em Americana, no interior de São Paulo, afirma acreditar que desenvolveu um vício em redes sociais.
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É comum que a adolescente passe horas por dia deslizando o dedo na tela do celular. No início, fazia escondido novas contas, mas hoje tem autorização dos pais. Ela diz que aplicativos de vídeos curtos, como do TikTok, são os que mais prendem sua atenção.
A jovem nota dificuldade no sono, ansiedade e também percebe que, por passar muito tempo assistindo a vídeos curtos, não consegue ver um filme sem ter vontade de pegar no celular.
“Penso que só vou assistir a um vídeo, mas quando vejo já estou há horas no telefone”, diz ela, que tem tentado controlar a compulsão mantendo o aparelho longe enquanto faz o dever de casa.
A percepção de Daniela é similar à de outros jovens. Segundo uma pesquisa publicada em março deste ano, realizada pela Common Sense Media com a Universidade Brown, quase metade das adolescentes que utilizam o TikTok se sente viciada na plataforma ou a acessa por mais tempo do que pretendia.
O TikTok lidera em tempo total gasto em sua plataforma, com jovens que passam mais de duas horas e 30 minutos nele por dia. O YouTube vem em segundo lugar, com quase esse tempo, seguido por Snapchat e aplicativos de mensagens, com cerca de duas horas, e o Instagram, com 92 minutos.
Muitas das meninas pesquisadas, com idades entre 11 e 15 anos, utilizam diariamente mais de uma plataforma.
Especialistas alertam que as redes sociais afetam o cérebro ainda em desenvolvimento. Entre as consequências, jovens como Daniela podem apresentar atrasos na aprendizagem com risco potencial de criar dependência ao uso das plataformas.
Estudos também apontam que o uso excessivo de telas em crianças e adolescentes é capaz de gerar danos na saúde mental, como aumento de depressão, solidão, ansiedade e falta de sono.
Na última semana, Vivek Murthy, assessor de saúde pública do governo americano, fez um alerta sobre o risco de profundo dano à saúde de crianças e adolescentes por uso das redes sociais. No documento, ele sugere medidas que famílias devem adotar para evitar a dependência entre os mais novos.
Para além do alerta, Murthy pede uma clareza maior das frentes de pesquisa sobre quais conteúdos causam danos, que vias neurológicas são mais afetadas e quais estratégias poderiam ser usadas para proteger os jovens.
Evidências científicas mais recentes já indicam que as redes podem provocar comportamento aditivo, da mesma maneira que o vício do cigarro e outras substâncias.
A sensação de euforia associada àquele “like” nas redes sociais faz o jovem buscar novamente o estímulo, e o cérebro vai compreender que acessar a rede gera uma recompensa, que é a liberação de dopamina. Assim se cria o mecanismo de dependência.
No Brasil, grupos de apoio acolhem pacientes que abusam dessas ferramentas e desenvolvem dependência. Segundo especialistas ouvidos pela Folha, é comum que entre garotos a dependência esteja associada a jogos online e, entre meninas, a redes sociais.
O psiquiatra Rodrigo Bressan, professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e presidente do Instituto Ame a Sua Mente, explica que nos mais jovens o sistema límbico, responsável pela área de prazer do nosso cérebro, é mais fortalecido, enquanto o sistema pré-frontal, associado às tomadas de decisão e ao controle dos impulsos, menos.
Por isso, entre os menores de 18 anos há uma maior inconsequência desses excessos.
Da mesma maneira que não é recomendável que uma criança ou adolescente consuma álcool ou cigarro, devido ao risco envolvido, também é contraindicado o acesso às mídias sociais e telas nessa faixa etária. No caso das redes, os jovens de 10 a 12 anos são os mais vulneráveis.
Katia Ethiénne dos Santos, sócia proprietária da KMK Consultoria e Treinamento e consultora na Brain Academy, que realiza pesquisas sobre tecnologias em educação, sugere que crianças de até 7 anos não tenham acesso às telas e que as redes sociais sejam evitadas até os 13 ou 14 anos, pelo menos. Nessa idade, explica, é possível que o jovem tenha desenvolvido uma consciência maior de consequências e responsabilidades.
Ela lembra do mecanismo chamado poda neural, que elimina os neurônios quando eles não fazem sinapses com a frequência ou intensidade esperadas —essa modulação ocorre na infância e na pré-adolescência. “Se uma criança recebe apenas estímulos de telas na primeira infância, e nenhum estímulo para brincar ou andar de bicicleta, esses aprendizados podem ser afetados”, explica ela. “O que devemos buscar é a estimulação com esforço, como brincar, jogar, fazer outras atividades que sejam estimulantes tanto do ponto de vista físico quanto neurológico.”
É a mesma visão de Telma Pantano, fonoaudióloga e psicopedagoga do Instituto de Psiquiatria da USP e coordenadora da equipe multidisciplinar do Hospital Dia Infantil, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas. “O problema não são as telas, mas o uso delas”, diz.
Pesquisadores buscam entender o comportamento de vício ligado às tecnologias. Bressan, que é um dos autores de um estudo que analisou sinais de “gaming disorder” (associada aos jogos online e videogames), explica que há fatores de risco associados ao desenvolvimento do comportamento aditivo, como o diagnóstico prévio de transtornos mentais (como depressão ou ansiedade) e jogar por horas a fio. Ele diz que os fatores de risco dos jogos podem ser extrapolados também para redes sociais.
Eduardo Guedes, coordenador do Instituto Delete, grupo de pesquisa ligado à UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) que oferece tratamento para consumo exagerado de tecnologia, afirma que a educação digital não deveria se restringir às famílias, mas também estar nas escolas, no governo e nas empresas por trás das plataformas.
Para ele, jovens não podem ser autorizados a utilizar as redes sociais sem controle. “Vemos crianças com atraso no desenvolvimento da fala porque não interagem com o mundo ou adolescentes que não conseguem formar uma frase porque estão na tela escrevendo com emoji, ouvindo o WhatsApp em modo acelerado. Não é brinquedo”, diz.
Pantano, do HC, concorda. “Usar as telas ou computadores não é o problema, mas como fazemos uso dessas ferramentas”, diz. Segundo ela, práticas como mandar mensagens curtas com uma ou duas palavras e um ponto de interrogação já levam a uma automatização do uso. “Não é o que deveríamos fazer nem ensinar para nossos filhos.”
Fonte: Folhapress