Câncer (ou neoplasia maligna) é o nome que se dá a um conjunto de mais de 200 doenças diferentes que têm como característica em comum o crescimento anormal de células. Quase sempre, essas células anormais formam tumores sólidos, que invadem regiões vizinhas e podem se desprender e ir para outras partes do corpo –processo chamado de metástase. A exceção é para os cânceres que afetam o sangue, como a leucemia, que raramente geram tumores, nem metástase, mas podem infiltrar os tecidos e órgãos diretamente.
Graças aos avanços na medicina, receber o diagnóstico de câncer não é mais sinônimo de sentença de morte. A doença nem sempre pode ser evitada, mas políticas eficazes de incentivo a hábitos saudáveis, acesso aos serviços de saúde e rastreamento podem fazer uma enorme diferença na redução da mortalidade, nos índices de cura e na qualidade de vida dos pacientes para os quais a enfermidade é incurável.
Incidência
O câncer é a segunda doença que mais mata em todo o mundo, sendo responsável por cerca de 9,6 milhões de mortes por ano. No Brasil, o número mortes (mais de 200 mil por ano) só é menor que o provocado por doenças cardiovasculares, como infarto e derrame (AVC). Com o envelhecimento da população, a incidência de câncer vem aumentando: o Inca (Inca Instituto Nacional de Câncer) estima um total de 600 mil novos casos por ano.
Como surge o câncer
Nosso corpo é formado por trilhões de células diferentes, que crescem, se dividem e depois morrem, sendo substituídas por novas células. O manual de instruções para todo esse processo ordenado vem inscrito nos genes, espécies de arquivos presentes em cada uma de nossas células.
O câncer surge a partir de uma mutação genética, ou seja, uma alteração no DNA (ácido desoxirribonucleico), o composto orgânico presente no núcleo das células onde ficam guardadas todas informações genéticas do indivíduo.
Existem alguns genes responsáveis por promover a divisão celular, os chamados “proto-oncogenes”, e também há “genes supressores do tumor”, que retardam a divisão celular ou levam as células a morrer na hora certa. Um câncer pode surgir a partir da ativação de oncogenes ou pela desativação dos genes supressores do tumor.
O câncer é um problema genético ou hereditário?
É possível herdar um DNA anômalo do pai ou da mãe, mas a maioria das mutações genéticas ocorrem ao longo da vida, por um erro durante a multiplicação das células, ou pela exposição a um agente carcinogênico (ou carcinógeno), como a radiação ou o cigarro. Estima-se que apenas 10% de todos os cânceres ocorram devido a fatores hereditários.
Assim, dizemos que o câncer é uma doença de origem genética, mas nem sempre geneticamente herdada. Os diferentes fatores de risco interagem de forma específica para cada pessoa, por isso nem todos os integrantes de uma mesma família expostos aos mesmos fatores de risco ficam doentes.
Carcinogênese
O processo de formação do câncer, ou carcinogênese, é lento, podendo levar anos até o surgimento de um tumor visível. Os diferentes estágios envolvidos dão uma ideia de quão complexa é a doença e suas causas:
1) Estágio de iniciação As células são geneticamente alteradas por certos agentes cangerígenos, mas a doença ainda não está instalada.
2) Estágio de promoção A célula “iniciada” sofre a ação de outros tipos de agentes e se transforma, lentamente, em uma célula maligna. Se a exposição for suspensa, ainda há chance de interromper o processo.
3) Estágio de progressão A célula modificada começa a se multiplicar de forma descontrolada e irreversível, e o câncer se manifesta (por exemplo na forma de um tumor ou de alterações em células do sangue).
4) Metástase Eventualmente, as células cancerosas de um tumor localizado podem atingir os gânglios linfáticos próximos ao tecido afetado e, então, há risco de se espalharem, produzindo uma metástase (um tumor em outra parte do corpo).
Qual a diferença entre tumor maligno e benigno?
Nem todo tumor é um câncer, mas todo tumor pode ser chamado também de neoplasia (“neo” e “plasia” significam “novo” e “crescimento”). Um tumor benigno (ou neoplasia benigna), ao contrário do maligno (câncer), cresce de forma lenta e organizada. Num exame de imagem, em geral, ele apresenta limites nítidos. Diferentes do câncer (ou tumor maligno), os benignos não têm capacidade de gerar metástase e, por isso, só costumam ser operados quando geram sintomas ou ameaçam estruturas vizinhas. Miomas uterinos são exemplos de tumores benignos muito frequentes e que nem sempre exigem cirurgia. Um tumor maligno pode surgir a partir de um benigno? Até pode, mas é muito raro.
Vale acrescentar que existem outros tipos de doenças caracterizadas pela proliferação exagerada de células que não são câncer, como as displasias e as hiperplasias.
Sintomas
Cada tipo de câncer pode gerar sinais e sintomas específicos, e muitos podem permanecer assintomáticos até que a doença se torne avançada. Entre as manifestações mais comuns, pode-se destacar:
– Presença de nódulo ou inchaço
– Anemia ou infecções frequentes
– Presença de sangue nas fezes ou secreções
– Pintas com bordas irregulares ou feridas que não cicatrizam
– Perda de peso
– Dor
– Fadiga
– Convulsões
Causas
Não existe uma causa única para o câncer, e sim fatores que interagem entre si, levando ao surgimento e proliferação das células anormais. Há causas internas, como hormônios, condições imunológicas, envelhecimento e mutações genéticas. E existem as causas externas, como a radiação ultravioleta, o cigarro, alguns vírus e outros elementos classificados como carcinogênicos (agentes cancerígenos).
Algumas dessas causas são impossíveis de se evitar, como o envelhecimento. Mas isso não quer dizer que seja impossível prevenir-se de um câncer. De acordo com o Inca, entre 80% e 90% dos casos de câncer se devem a mudanças provocadas no ambiente pelo homem ou seus hábitos. O estilo de vida sozinho, o que inclui dieta, obesidade, sedentarismo, uso de álcool e tabaco, responde por um terço de todos os casos da doença, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde).
Fatores de risco
Veja abaixo quais os principais agentes ou condições que podem aumentar a probabilidade de ter um câncer:
Idade: o envelhecimento é considerado o principal fator de risco para o câncer, pois, com o passar da idade, as células sofrem mudanças que as deixam mais vulneráveis aos processos que levam à doença. Além disso, uma pessoa idosa é exposta por mais tempo aos diversos carcinógenos. Nos EUA, a idade média de diagnóstico do câncer é 66 anos. Apesar dessa propensão mais alta entre os mais maduros, é bom lembrar que um câncer pode ocorrer em qualquer idade e alguns tipos específicos são mais frequentes em crianças ou adolescentes.
Sexo: além dos tumores exclusivos de cada sexo (como os de próstata, útero ou ovário), certos tipos são mais frequentes em homens ou mulheres devido a diversos fatores, como o hormonal. É o caso, por exemplo, do câncer de mama, que é mais raro nos homens apesar de eles terem essa glândula.
Tabagismo: os diversos compostos químicos presentes do cigarro têm capacidade de causar dano ao DNA e até o contato com a fumaça (fumo passivo) pode aumentar o risco de câncer. Segundo a OMS, esse hábito causa 22% de todas as mortes pela doença no mundo.
Álcool: estudos mostram que mesmo o consumo moderado de álcool pode aumentar o risco de certos tipos de tumores, como de boca, faringe, laringe, esôfago, estômago, fígado, intestino e mama.
Radiação: tipo de energia com determinado comprimento de onda, a chamada radiação ionizante pode danificar o DNA das células. Certos exames de imagem e a radioterapia, um dos tratamentos mais importantes para o câncer, podem ser fatores de risco.
Raios ultravioleta: a exposição aos raios emitidos pelo sol ou por câmaras de bronzeamento são o principal fator de risco para o câncer de pele.
Obesidade: vários tipos de tumor têm sido associados ao excesso de peso, que favorece processos inflamatórios e interfere na concentração de certos hormônios que facilitam a proliferação das células cancerosas.
Dieta: além da bebida alcoólica, alguns elementos presentes na alimentação podem aumentar o risco de certos tipos de câncer se consumidos em excesso, como a gordura saturada, compostos existentes em carnes processadas (como presunto, salsicha, linguiça, salame, peito de peru etc.), produtos com conservantes (como nitritos e nitratos) ou muito sal. O baixo consumo de frutas e vegetais também aumenta a suscetibilidade ao câncer. Bebidas quentes demais e excesso de churrasco também são associados a certos tipos de tumores.
Hormônios: o estrogênio, que existe em maior quantidade nas mulheres, pode colaborar com alguns tipos de câncer, como o de mama. O uso em longo prazo da testosterona também pode levar ao câncer de fígado.
Infecções: alguns agentes infecciosos, como os vírus HPV ou da hepatite B e C, bem como a bactéria H. pylori (causadora de úlceras) e certos parasitas podem resultar na doença.
Hereditariedade: o fator genético exerce um papel importante na oncogênese, embora sejam raros os casos que se devem exclusivamente a fatores hereditários ou étnicos.
Imunossupressão: certos medicamentos para evitar a rejeição a transplantes ou doenças que afetam a imunidade, como a Aids, podem predispor a certos tipos de tumor. Outros medicamentos ou tratamentos usados no combate ao câncer também podem aumentar o risco de ter um segundo tipo de câncer no futuro.
Doenças crônicas: certas condições podem predispor o indivíduo ao câncer por provocar um estado crônico de inflamação, como a doença de Crohn e a própria obesidade.
Exposição ambiental ou ocupacional: pessoas que são expostas cronicamente a agentes carcinógenos, seja pelo local onde vivem, seja pela profissão que exercem, têm risco aumentado de certos tipos de câncer. Segundo o Inca, 10,8% dos casos de câncer em homens e 2,2% em mulheres surgem devido a fatores relacionados ao local de trabalho, por isso é importante o uso correto e constante de materiais de proteção.
Agentes cancerígenos
A Iarc (Agência Internacional para a Pesquisa do Câncer), ligada à OMS, mantém uma lista com todas as substâncias com potencial de provocar a doença comprovado em estudos com seres humanos, ou cujo risco é provável, mas ainda exige confirmação. A relação é atualizada regularmente, conforme novas evidências científicas surgem.
A lista de elementos cuja exposição pode aumentar o risco da doença é grande e inclui: agentes presentes naturalmente no ambiente (como gás radônio, metais pesados, a radiação ultravioleta e a radiação ionizante que vem do espaço), hormônios (como estrogênio natural ou sintético), componentes usados no diagnóstico e tratamento de doenças (como certos quimioterápicos, a radiação usada na radioterapia ou em exames de imagem), agentes infecciosos (como vírus e bactérias) e a extensa lista de poluentes (fumaça emitida pelos veículos ou pelos cigarros) ou componentes químicos usados na indústria ou em certas ocupações (como agrotóxicos, solventes, amianto, poeira de couro, madeira ou sílica etc.).
Cada um dos agentes cancerígenos pode atuar em diferentes estágios da formação de um tumor (iniciação, promoção ou progressão), por isso é difícil que um componente sozinho provoque a doença, com certas exceções como o tabaco, que contém componentes capazes de atuar nesses três diferentes estágios e, por isso, é chamado de agente carcinógeno completo.
Tipos de câncer
Os oncologistas (médicos especializados em câncer) costumam dizer que cada câncer tem nome e um sobrenome longo. Podemos classificar a doença de acordo com o tipo de célula em que o processo se iniciou, a estrutura e o órgão ou sistema afetados. À medida que o conhecimento sobre os diferentes tipos de neoplasia avança e os tratamentos se tornam cada vez mais especializados, as denominações ficam cada vez mais longas.
Em geral, os tipos de câncer são conhecidos pela parte do corpo em que surgem (por ex: mama, próstata, pulmão etc.). Ainda que a doença se espalhe para outros órgãos e tecidos, o câncer continuará a ser chamado pelo nome do local onde se originou. Assim, um câncer de mama que se espalhou para o pulmão, por exemplo, é chamado de câncer de mama metastático, e não câncer de pulmão.
Em relação às células onde o processo se inicia, as principais categorias são:
Carcinomas: têm início na pele ou nos tecidos que revestem os órgãos. Existem alguns subtipos, como adenocarcinoma ou carcinoma de células basais.
Sarcomas: têm início em células do osso, cartilagem, gordura, músculo, vasos sanguíneos ou outros tecidos conjuntivos.
Leucemias: têm início em células imaturas da medula óssea que dão origem aos glóbulos brancos (leucócitos) do sangue. Dependendo do tipo de célula afetada, a leucemia é classificada como mieloide ou linfoide.
Linfomas: têm início nos linfócitos, um tipo de glóbulo branco do sangue, e afeta o sistema linfático. Esse câncer é dividido em dois grandes grupos: Hodgkin e não Hodgkin, e cada um deles possui diferentes subtipos.
Mielomas: têm início nas células plasmáticas, um tipo de glóbulo branco do sangue.
Cânceres do Sistema Nervoso Central: têm início nos tecidos do cérebro ou da medula espinhal.
Tipos mais comuns
Tipos de câncer que afetam maior número de pessoas em todo o mundo:
1º Câncer de pulmão
2º Câncer de mama
3º Câncer de cólon (intestino) e reto
4º Câncer de próstata
5º Câncer de pele não melanoma
6º Câncer de estômago
Tipos de câncer que causam maior número de mortes em todo o mundo:
1º Pulmão
2º Cólon e reto
3º Estômago
4º Fígado
5º Mama
Fonte: OMS (2018)
Tipos de câncer que afetam maior número de pessoas no Brasil:
1º Pele não melanoma
2º Próstata
3º Mama feminina
4º Cólon e reto
5º Pulmão
6º Estômago
7º Colo de útero
8º Cavidade oral
9º Sistema Nervoso Central
10º Leucemias
11º Esôfago
Fonte: Inca (2018)
Tipos de câncer que causam maior número de mortes no Brasil:
1º Pulmão
2º Cólon e reto
3º Mama
4º Estômago
5º Próstata
6º Fígado
7º Pâncreas
8º Sistema Nervoso Central
9º Esôfago
Fonte: Inca (2016)
Como é feito o diagnóstico do câncer
Um câncer pode ser diagnosticado em exames de rotina ou após alguma queixa do paciente. Além dos exames em consultórios, diversos procedimentos podem ser solicitados pelo médico para confirmar ou descartar uma suspeita, como exames de sangue (hemograma completo e eventuais testes de marcadores tumorais, entre outros), exames de imagem (como radiografia, ultrassonografia, ressonância magnética e tomografia) ou endoscópicos (como endoscopia, colonoscopia etc).
PET/CT A tomografia por emissão de pósitrons utiliza substâncias radiativas que indicam a existência de alterações malignas em diferentes partes do corpo. É indicada apenas em certos casos confirmados de câncer, quando é preciso verificar com maior precisão a extensão da doença.
Marcadores tumorais Existem substâncias produzidas por tumores ou em resposta a eles no sangue e em certos fluidos corporais que podem colaborar com o diagnóstico. É o caso, por exemplo, do PSA (câncer de próstata), o AFP (fígado), CA 15-3 (mama e outros), CA 125 (ovário), entre muitos outros. É importante destacar que, sozinhos, eles não são capazes de determinar um câncer, já que essas substâncias também podem aumentar em outras condições. “Andar a cavalo, de moto ou o próprio orgasmo podem fazer o PSA aumentar”, exemplifica Mônica Stiepcich, patologista sênior do Grupo Fleury. Apesar de insuficientes no diagnóstico inicial, esses marcadores são fundamentais para determinar a escolha do tratamento e monitorar a resposta da doença às terapias.
Biópsia A confirmação de um câncer depende de uma biópsia da lesão suspeita ou, no caso dos cânceres de sangue, da medula óssea. A retirada de tecido para análise microscópica pode ser feita de diferentes formas, como por agulha fina ou grossa, por punção aspirativa, por raspagem (como no Papanicolau), com um corte para remoção do tumor inteiro ou parte dele (biópsia excisional ou incisional, respectivamente), por endoscopia, por laparoscopia ou outros procedimentos cirúrgicos menos invasivos.
Em alguns casos, a biópsia já é feita durante o exame para investigar uma suspeita, como nos exames endoscópicos. Em outros, já é o próprio procedimento curativo, como acontece nas biópsias para câncer de pele. Alguns exames, como a colonoscopia (no trato gastrointestinal), ainda têm papel preventivo, já que são removidas também lesões com potencial de se transformar em câncer. Ainda é comum que seja feita biópsia de linfonodos (gânglios linfáticos) para determinar a extensão da doença e a existência de metástase.
Após a retirada, a amostra é analisada por um patologista, que vai observar as características das células coletadas e compará-las com as saudáveis. Além de identificar o câncer, a análise permite sua classificação. Esses dados, junto com outros que podem ser obtidos com a realização de outros exames ou da própria cirurgia permitem o estadiamento do câncer, o conjunto de informações que irá determinar o tratamento.
Existem diversos sistemas de estadiamento, mas a maioria dos tumores é classificada de acordo com o sistema TNM (T refere-se à localização do tumor, N à existência ou número de linfonodos afetados e M, a metástase). O câncer também costuma ser classificado por estágios (1 para estágio inicial, 2 quando ainda não se espalhou, 3 quando há células cancerosas nos linfonodos e 4, para estágio avançado, quando há metástase).
Testes genéticos Testes moleculares mais sofisticados também podem ser feitos após a biópsia para se observar a presença de marcadores no tumor que podem determinar o uso de terapias alvo ou imunoterapia. Essa é uma área que tem avançado muito e revolucionado o tratamento. Um exemplo desse benefício é o teste Oncotype Dx, capaz de detalhar o risco de agressividade de um câncer de mama. Um estudo realizado pelo Grupo Fleury e pelo Hospital Pérola Byington, em São Paulo, com 111 mulheres reduziu a indicação para quimioterapia em 70%. “Isso não só significa que muitas mulheres podem evitar efeitos colaterais como perda de cabelo e risco de infecção, mas também representa uma economia de recursos”, observa Mônica Stiepcich.
Os testes genéticos também são capazes de indicar a presença de mutações hereditárias, o que não apenas pode influenciar no tratamento como também pode levar os familiares do paciente a serem testados como medida de prevenção. É o caso da atriz Angelina Jolie, que decidiu fazer cirurgias preventivas após descobrir que era portadora de um gene, o BRCA1, que aumenta significativamente os riscos de câncer de mama e de ovário.
Biópsia líquida Apesar do nome, esse exame não costuma substituir a biópsia tradicional. Trata-se de uma tecnologia avançada que permite analisar fragmentos de DNA tumoral que circulam no sangue. Seu uso ainda é restrito a casos específicos de câncer.
Como tratar o câncer
Como o câncer engloba dezenas de doenças diferentes, existem diversas modalidades possíveis, que, com frequência, são combinadas. A tendência é de um tratamento cada vez mais individualizado, que leve em conta não apenas as características do tumor, mas também do paciente. A tão falada “medicina personalizada” tem evitado procedimentos mais invasivos, o que resulta em mais qualidade de vida. Veja, a seguir, um resumo dos diferentes procedimentos adotados para destruir tumores ou impedir que as células anormais se proliferem.
Cirurgia A cirurgia oncológica quase sempre se destina a remover o tumor e os tecidos em volta dele com o objetivo de curar a doença, ou, em alguns casos, controlar sintomas que comprometem a qualidade de vida do paciente. Com o avanço da medicina, os procedimentos têm sido cada vez mais conservadores, a fim de se evitar complicações e evitar os impactos psicológicos de uma mutilação. A biópsia e os exames de imagem determinam a extensão do procedimento, mas há ocasiões em que só após a cirurgia é possível completar o estadiamento do câncer.
Radioterapia É o uso de doses fracionadas de radiação para destruir um tumor ou impedir que as células tumorais aumentem. Também pode ser indicada em casos em que o câncer é incurável, com o objetivo de melhorar os sintomas e dar mais qualidade de vida ao paciente. As aplicações são indolores, mas pode haver efeitos colaterais como reações na pele e cansaço. Existe a radioterapia interna ou externa, e existem diversas técnicas diferentes que permitem maior precisão e menor risco para o paciente.
Quimioterapia É o uso de substâncias para destruir as células do câncer. Existem diversas opções possíveis, que podem ser usadas sozinhas ou de forma combinada de acordo com o tipo e a extensão da doença. É comum que sejam administradas por via intravenosa (por meio de um cateter inserido na veia) em sessões semanais durante um certo período, mas também existem quimioterápicos por via oral, injeções ou pomadas. Em geral, a terapia é realizada após a cirurgia, para eliminar as células cancerosas que restaram no organismo e evitar o retorno da doença. Em alguns casos, pode ser indicada antes, para diminuir o tamanho do tumor e evitar uma cirurgia mais invasiva e perigosa. Os quimioterápicos também destroem células saudáveis de crescimento rápido, por isso é são comuns efeitos colaterais como queda de cabelo, além de náusea, vômitos, fadiga, diarreia e risco aumentado de infecções.
Hormonioterapia É o uso de medicamentos para bloquear a ação de certos hormônios que estimulam o crescimento do câncer, como o estrogênio ou a testosterona. O tratamento é frequente em casos de câncer de mama ou de próstata. Os efeitos colaterais são semelhantes aos da menopausa ou da andropausa.
Terapia-alvo O conhecimento das mutações específicas que geram determinados tumores permitiu o desenvolvimento de drogas com ação mais dirigida, o que preserva as células saudáveis dos pacientes. Algumas dessas substâncias, os inibidores da angiogênese, conseguem impedir que o tumor seja alimentado por novos vasos sanguíneos e “morra de fome”. Outro exemplo são os anticorpos monoclonais, produzidos em laboratório a partir de células vivas, que liberam substâncias tóxicas especificamente no tumor. Hoje existem terapias-alvo aprovadas para certos tipos de tumor de mama, pulmão, colorretal, pulmão, melanoma e leucemia mieloide crônica. Em geral, possuem menos efeitos colaterais que a quimioterapia, mas nem sempre substituem essa última.
Imunoterapia É o uso de tratamentos que ajudam o sistema imunológico a identificar as células do câncer como inimigas e, então, destruí-las. Existem diferentes substâncias que atuam em mecanismos distintos que permitem às células tumorais não serem atacadas pelo nosso sistema de defesa. A imunoterapia é apontada como uma das maiores promessas contra a doença, e trouxe um aumento de sobrevida e qualidade de vida significativos para pacientes com certos tipos de tumores, como melanoma, rins e pulmão. Os efeitos colaterais são mínimos, embora exista o risco pequeno de reações autoimunes. Além disso, alguns cânceres respondem bem enquanto outros não, o que ainda é objeto de pesquisa. O alto custo também é um obstáculo para o uso da imunoterapia, especialmente em países como o Brasil.
Medicamentos de suporte O tratamento do câncer costuma envolver diversos medicamentos que não atuam diretamente na doença, mas ajudam a controlar sintomas ou efeitos colaterais das terapias, como dor, enjoo e inflamação.
Transplante de medula óssea A medula óssea é o líquido gelatinoso que fica dentro dos ossos, onde são produzidas as células do sangue. O transplante é indicado em alguns casos de leucemia, linfoma ou mieloma múltiplo, depois que o paciente é submetido a um tratamento para destruir a própria medula. Pode ser autogênico, quando as células vêm da medula do próprio paciente, ou alogênico, quando vêm de um doador. As células também podem ser obtidas do sangue de cordão umbilical. O principal risco é a predisposição a infecções logo após o procedimento.
Vigilância ativa Em certos casos, a melhor conduta é não tratar, mas apenas monitorar o paciente e seus sintomas. Essa tendência tem sido frequente em muitos casos de câncer menos agressivos, como certos tumores de próstata.
Estilo de vida A orientação nutricional é fundamental para aliviar efeitos colaterais do tratamento, como náusea e anemia. Emagrecer pode melhorar a resposta às terapias, mas o paciente não deve se submeter a dietas radicais. Exercícios orientados por um profissional habilitado são úteis para combater a fadiga, a depressão e o excesso de peso, entre outros problemas, e a fisioterapia pode ser indicada após certas cirurgias.
Apoio psicológico O câncer não envolve apenas a saúde física, por isso é fundamental que o paciente seja atendido por psicólogos. Após o diagnóstico, é comum surgirem preocupações, ansiedade, medo da morte e da mutilação, conflitos com outras pessoas, além de sintomas depressivos que podem surgir como efeito colateral dos tratamentos. As terapias da fala não só aliviam o sofrimento psicológico, como melhoram a adesão do paciente às terapias e ao autocuidado, além de reduzir o estresse, fator que tem impacto na imunidade. Participar de grupos de autoajuda ou pelo menos trocar ideias com outros pacientes também pode ajudar nesse aspecto.
Terapias integrativas Assim como o suporte psicológico, as terapias integrativas (ou práticas mente-corpo) têm se mostrado importantes para o alívio do estresse e recuperação, por isso, são oferecidas a pacientes oncológicos em instituições de referência. Alguns exemplos são a meditação, as posturas ou exercícios respiratórios da ioga, terapias de toque sutil. “O ideal é que a prática seja aprendida pelo familiar ou cuidador também, e que seja adaptada às necessidades e condições de cada paciente”, comenta Fábio Romano, coordenador do programa Survivorship, coach de saúde e terapeuta corporal do grupo de Medicina Integrativa da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein. Para quem busca essas terapias por conta própria, a recomendação é sempre avisar o oncologista e evitar o consumo de chás ou fitoterápicos, que podem interagir com os medicamentos e causar reações graves, como lesões no fígado.
Câncer tem cura?
As taxas de cura para o câncer variam muito de acordo com o tipo de tumor, sua localização, o estágio em que é diagnosticado e as condições gerais de saúde do paciente. “Podemos dizer que, considerando todos os tipos de câncer, mais da metade dos pacientes têm oportunidade de ficar curados”, afirma Alexandre Palladino, chefe de oncologia clínica do HC I, do Inca, no Rio de Janeiro. Infelizmente, alguns tumores são mais agressivos e crescem muito rápido, ou então só geram sintomas quando já estão avançados, por isso nem sempre o diagnóstico precoce é possível.
Em geral, um paciente é considerado curado se depois de cinco anos continuar sem sinais do câncer. Mas não quer dizer que a cura é para sempre. Algumas pessoas podem nunca mais ter a doença de novo, enquanto outras terão recidivas ou tumores em outras partes do corpo, por isso o acompanhamento deve ser regular.
O que muda depois do câncer
Após um tratamento bem-sucedido contra o câncer, alguns desafios podem persistir e precisam ser acolhidos. Os exames de rotina futuros podem causar um enorme estresse, e o suporte psicológico pode ser necessário, por exemplo. É preciso aprender a lidar com eventuais problemas relacionados à cirurgia ou aos quimioterápicos, como doenças, alterações no corpo, fadiga ou baixa autoestima.
O câncer afeta a vida sexual?
“Alguns pacientes podem ter dificuldades sexuais em decorrência dos tratamentos e às vezes não conseguem falar sobre o assunto”, comenta o oncologista Diogo Bugano, que integra o ambulatório de sexualidade do centro de oncologia e hematologia da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein.
“Mudanças no cabelo ou o uso da bolsa de colostomia podem interferir muito na autoimagem”, acrescenta a psicóloga Alyne Braghetto, também do Einstein. Todas essas questões podem ser tratadas com abordagens específicas e fazem uma enorme diferença na qualidade de vida, mas nem sempre são abordadas pelos médicos ou pelos próprios pacientes por causa da preocupação maior em curar o câncer.
Cuidados paliativos
São os cuidados de saúde física e mental prestados aos pacientes que sofrem com doenças graves, como o câncer, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida. Eles devem ser oferecidos o quanto antes, e são prioritários nos casos terminais. Esse tipo de assistência envolve profissionais de diferentes especialidades, e engloba desde o tratamento da dor e de outros sintomas, bem como assistência psicológica, social e espiritual.
Direitos sociais de um paciente com câncer
Pacientes com câncer e seus familiares devem se informar sobre benefícios como auxílio-doença, saque do FGTS e do PIS/Pasep, licença por motivo de doença em pessoa da família, testamento vital, aposentadoria por invalidez e outros. Uma cartilha com informações atualizadas podem ser obtidas no site do Inca.
Como ajudar uma pessoa com câncer
Ajudar um familiar ou amigo que está com uma doença grave é fundamental para proporcionar conforto e o suporte necessário para enfrentar a emoção do diagnóstico, a agressividade do tratamento, e, algumas vezes, a aceitação de uma doença sem cura. Mais do que dizer as palavras certas, é importante oferecer auxílio prático, como acompanhar a pessoa em procedimentos e consultas, anotar dúvidas para o médico, ajudar nas compras, cuidados com a casa em assim por diante. Muitas vezes os próprios familiares precisam de suporte psicológico para ajudar o paciente da melhor maneira possível.
Prevenção e detecção precoce
Não fume e não deixe que fumem ao seu lado. O cigarro libera no corpo do fumante e também no ambiente mais de 4.700 substâncias tóxicas e cancerígenas, sendo responsável por parcela considerável das mortes por câncer e doença cardiovascular.
Tenha uma dieta saudável Capriche na ingestão de alimentos de origem vegetal, como frutas, verduras, legumes, leguminosas e cereais integrais. A dica do Inca é consumir ao menos três porções (que caibam na palma da mão) diárias de verduras ou legumes, e duas de frutas. Modere o consumo de itens ultraprocessados, como produtos prontos para consumo, embutidos e bebidas adoçadas.
Mantenha o peso adequado A obesidade gera um estado crônico de inflamação e alterações hormonais que podem levar ao câncer, por isso é importante ter uma alimentação saudável e fazer exercícios.
Pratique atividade física regularmente Os exercícios não apenas ajudam no controle do peso, como também interfere no bem-estar e nos níveis de inflamação.
Evite o álcool O consumo de bebida alcoólica é associado a diversos tipos de câncer e, mesmo doses pequenas podem aumentar o risco. Em combinação com o cigarro, o dano é potencializado.
Se proteja do sol Use protetor solar, chapéu e roupas para evitar a exposição à radiação ultravioleta, especialmente entre 10h e 16h.
Fique em dia com as vacinas A imunização contra o HPV, disponível no SUS, protege contra os principais tipos de vírus envolvidos no câncer de colo de útero e também de cavidade oral. A vacina contra hepatite B, presente no calendário oficial, é outro modo de prevenção do câncer de fígado.
Amamente, se for mãe O aleitamento materno é um fator de proteção contra o câncer de mama.
Vá ao médico regularmente e faça os exames de rotina indicados pelo profissional. Exames como papanicolau, mamografia, toque retal, colonoscopia e observação e pintas podem não apenas permitem o diagnóstico precoce, como podem levar à eliminação de lesões que podem se tornar malignas.
Evite a exposição ocupacional Se seu trabalho envolve agentes cancerígenos conhecidos, como exposição ao sol, a produtos químicos ou radiação, siga sempre todas as orientações quanto ao uso de equipamentos de proteção. Cobre seu empregador caso os riscos ocupacionais não sejam controlados.
Fontes consultadas: Alexandre Palladino, chefe de oncologia clínica do HC I, do Inca; Alyne Braghetto, psicóloga do ambulatório de sexualidade da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein; Diogo Bugano, oncologista da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein; Fabiana Makdissi, cirurgiã mastologista do A.C. Camargo Cancer Center; Fábio Romano, terapeuta corporal e coordenador do programa Survivorship, do grupo de Medicina Integrativa do Centro de Oncologia e Hematologia da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein; Mônica Stiepcich, patologista sênior do Grupo Fleury; Rachel Riechelmann, diretora de oncologia clínica do A. C. Camargo Cancer Center; Sabrina Rosa de Lima Matos, enfermeira da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein; Talita Bueno, hematologista do A.C. Camargo Cancer Center
Referências: Associação Brasileira de Linfomas e Leucemias (Abrale); Agência Internacional para a Pesquisa do Câncer (Iarc); American Cancer Society; Instituto Nacional de Câncer (Inca); Instituto Oncoguia; Ministério da Saúde; Organização Mundial da Saúde (OMS)
Fonte: Viva Bem/UOL