Muitos alimentos ou preparações são considerados vilões e outros tantos, mocinhos. Essa dicotomia é interessante e acaba rendendo algumas histórias que ficam na boca do povo. O hábito alimentar é tão influenciado pela cultura que alguns mitos da nutrição, de tanto que são reproduzidos, são tidos como verdade.
Quer fazer um teste? Se comentar por aí que precisa aumentar o consumo de ferro para prevenir ou tratar uma anemia, aposto que receberá dicas para incluir no cardápio fígado, feijões, folhas verdes, frutas cítricas… e beterraba!
Mas a beterraba, que é tão famosa pelo seu suposto teor de ferro, na verdade apresenta uma quantidade muito pequena desse mineral.
Para efeito de comparação, 100 gramas de carne têm, em média, 3 gramas de ferro. Já 100 gramas de feijão contêm 1,3 grama de ferro. E a mesma porção de beterraba possui apenas 0,2 grama de ferro.
Ao pensamos no aporte de ferro, é preciso considerar também a sua biodisponibilidade, ou seja, a capacidade de ser absorvido e aproveitado pelo organismo. O ferro de origem animal, conhecido por ferro heme (que vem de hemácia, a célula vermelha do sangue), é mais bem absorvido pelo organismo do que o ferro não-heme, que é encontrado nos alimentos de origem vegetal.
Os nutrientes da dieta combinam-se e interagem entre si, de forma que podem ajudar ou atrapalhar uns aos outros. Com relação ao ferro não-heme, sabemos que a vitamina C otimiza seu aproveitamento. Na prática, a dica de incluir frutas cítricas na refeição é realmente eficaz para prevenir e combater a anemia.
A mais famosa dupla brasileira, arroz e feijão, também é capaz de melhorar o aproveitamento do ferro não-heme. O arroz é fonte de cisteína, um aminoácido que, por meio de reações químicas, deixa mais disponível o ferro do feijão para absorção.
Por outro lado, algumas substâncias presentes em alimentos de origem vegetal, como os fitatos, os taninos e o ácido oxálico, possuem efeitos inibidores sobre o ferro não-heme. São fatores antinutricionais que dificultam a absorção do mineral. E a beterraba, além de ter pouco ferro, ainda apresenta oxalato, que pode atrapalhar a captação da substância pelo corpo.
No Brasil, é comum o hábito de cozinhar o feijão com beterraba, na intenção de aumentar o aporte de ferro. Para avaliar a eficácia dessa prática, pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica de Goiás avaliaram o teor de ferro do feijão cozido com e sem a beterraba.
Ao contrário da crença popular, o acréscimo da beterraba levou a uma tendência de diminuição do ferro, ao se comparar com a preparação pura. Curioso, né? Esse achado não visa desestimular o consumo da beterraba, que é um ótimo alimento, mas nos faz pensar que a variedade da dieta é o caminho mais eficaz para obter todos os nutrientes de que o corpo precisa.
Fica a dica também para que não usemos nenhuma tática de esconder alimentos nas preparações das crianças mais seletivas. A confiança mútua é uma das estratégias para dividirmos as responsabilidades quando precisamos ampliar o repertório alimentar. Mas isso é assunto pra outra coluna.
Por Mariana Del Bosco. Nutricionista expert em alimentação infantil, professora do Centro Universitário Senac e mãe da Alice e da Isabel
Fonte: Saúde é Vital