Dormir mais tempo é um pedido comumente feito por adolescentes e que, agora, pode ser explicado cientificamente. Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC) indica que mais da metade dos estudantes entre 14 e 17 anos têm sono insuficiente (55%) ou possuem sonolência excessiva durante o dia (48%). Os problemas afetam mais os alunos dos períodos integral, matutino e noturno em comparação àqueles que estudam à tarde.
A pesquisa entrevistou 11.525 estudantes do ensino médio de 123 escolas públicas de Fortaleza, no período de abril a outubro de 2015. Conciliar os estudos com atividade remunerada é um dos fatores que explicam a baixa duração do sono para 63% dos alunos entrevistados, conforme o estudo. Raynna de Oliveira, 21, viveu o extremo dessa situação quando teve de priorizar o trabalho como garçonete e saiu da Escola Estadual Dr. César Cals, onde cursava o ensino médio.
“Eu sentia muito sono e dificuldade para acompanhar as aulas. Tinha dia que eu nem aguentava ir, faltava muito. Minha diretora de turma (profissional responsável por ‘apadrinhar’ turmas e acompanhar estudantes de perto) notou, me chamou e perguntou se eu não poderia estudar à noite”, lembra.
Por morar sozinha, a jovem precisa trabalhar em dois locais diferentes para conseguir custear os gastos, e parou de estudar em pleno 2º ano do ensino médio. Em outubro deste ano, porém, Raynna pretende voltar. “Vou estudar no CEJA (Centro de Educação de Jovens e Adultos), concluir lá. Antes eu não sentia vontade de assistir aula por causa do cansaço, e isso prejudicava minhas notas. Assistia às duas primeiras e não aguentava o resto, pedia pra sair mais cedo”, desabafa.
Cenário
De acordo com Felipe Alves, doutorando em Ciências Médicas e autor da dissertação que apresenta o estudo, o dado mais alarmante é o de adolescentes com baixa duração do sono. O problema é mais frequente entre matriculados em tempo integral: 70% deles afirmam dormir menos de oito horas por noite. Em seguida, vêm os de turno matutino (63%) e noturno (56%). Os menos afetados são os que estudam à tarde: 38,2% dormem menos que o ideal.
Os padrões se repetem quando os números se referem a estudantes que assumem ter sonolência diurna excessiva (SDE): entre os de escolas de tempo integral, a prevalência foi de 57,6%; do turno matutino, 46%; noturno, 40,8%; e, por último, os menos “sonolentos” são os que estudam à tarde, dos quais 40,5% relataram sonolência diurna excessiva.
Outras variáveis avaliaram o sono dos adolescentes, considerando aqueles que, além de estudarem, trabalham, e ainda os que usam ou não dispositivos eletrônicos à noite, antes de ir à cama. Entre os que precisam trabalhar, 63% afirmaram dormir menos de oito horas, porcentagem que cai para 53% se considerados aqueles que só estudam. Já dos que assumiram à pesquisa que usam celular antes de dormir, 56,3% se queixaram de dormir menos de oito horas.
Solução
Para Felipe Alves, a solução ideal seria adiar o horário de início das aulas matutinas do ensino médio, para que começassem mais tarde, “prática já adotada no exterior e que potencializa o desempenho dos estudantes”. Apesar de reconhecer que “tem difícil implantação, na prática”, o pesquisador reforça a responsabilidade das escolas em agir sobre essa questão.
“Outra possível solução é conscientizar os adolescentes a terem hábitos noturnos mais saudáveis: diminuir o tempo de uso de celular e computador antes de dormir, incentivar a praticarem mais atividades físicas durante o dia, o que pode melhorar o sono. A escola é extremamente importante dentro desse processo, porque o adolescente passa muito tempo lá. É o cenário ideal para intervenções. Existem muitos hábitos sociais que ocorrem pela falta de informação. A ideia é que dentro da escola eles tenham acesso aos prejuízos à saúde de um sono de má qualidade”, frisa.
O G1 questionou a Secretaria da Educação do Ceará (Seduc) sobre possíveis estímulos aos estudantes ou mudanças de rotina para melhorar o desempenho deles. Em nota, a Pasta respondeu que “a instituição realiza estudos para tornar mais produtivo o período em que o aluno se encontra na escola”. Para promover qualquer mudança, porém, a Secretaria explica que “precisa se articular com instituições parceiras que colaboram no dia a dia da escola, como os municípios, na questão do transporte escolar, por exemplo”.
Sobre a realização de atividades físicas nas escolas, para que os estudantes despertem, a Seduc não respondeu, apenas assegurou que “promove o Desenvolvimento de Competências Socioemocionais com o objetivo de desenvolver habilidades de convívio, autoestima, pensamento crítico e autogestão”.
Por Lucas Falconery
Fonte: G1 CE