Em fevereiros comuns, a poucos dias do desfile, o vaivém de costureiras, soldadores, mecânicos e músicos tomaria o barracão da Unidos do Morro, em Barbalha. O trabalho, que começaria com o raiar do sol e atravessaria a madrugada, este ano, deu lugar a um cenário completamente diferente. Vazio. Sem aquela energia e ansiedade de entrar na avenida.
A pandemia da Covid-19 também interrompeu a tradição cinquentenária das escolas de samba em Várzea Alegre. Dezenas de pessoas ficaram sem atividade ou renda. O impacto afetou a comunidade do bairro do Rosário, onde nasceu a “Verde e Branco”, que completa 58 anos de fundação.
“Tem muita gente que dependia e depende da sede para sobreviver, pois, além de escola de samba, somos associação de moradores”, explica Nilo Veloso Júnior, presidente da Unidos do Morro. Em períodos regulares, de novembro a fevereiro, são mais de 30 pessoas operando pela agremiação, sem contar os voluntários.
A costureira Maria Eliane da Silva, 61, é uma das profissionais ligadas à folia. Ela chega a receber entre R$ 1,5 mil e R$ 2 mil, confeccionando fantasias e alegorias. “Primeiro lugar é a tristeza, porque é muito bom. Não vemos a hora da escola passar. É bonito demais”, descreve. Por outro lado, destaca que o recurso é importante para se manter. “Eu sempre fico com a certeza desse dinheiro e muitos dependem”, completa Maria.
Interrupção da tradição
Nilo lamenta a pandemia ter paralisado o momento de maior ascensão da cena carnavalesca local. Em 2020, retornaram outras escolas tradicionais à avenida, como a Barbasamba e a Águia de Ouro. A Mocidade Independente dos Bairros Unidos completou o grupo que desfilou ano passado. “Infelizmente, veio essa praga. Mas logo isso estará se resolvendo”, acredita o entrevistado.
A Unidos do Morro e outras escolas de Barbalha estão na expectativa do apoio por parte da Secretaria de Cultura e Turismo do município. Em ano de desfile, as agremiações promovem eventos como feijoadas, bingos e rodas de samba para arrecadar recursos.
“Estava dando certo, mas precisamos de um projeto para que paguem um valor justo. É nosso sonho. É importante que os novos administradores vejam que proporciona empregos diretos e indiretos, movimenta bares, restaurantes e lanchonetes. Artistas que ficam no anonimato aparecem no Carnaval”, defende Nilo.
A suspensão da festa também afetou a folia de rua de Barbalha. O bloco “Os Goteiras” (que reúne bonecos gigantes e completa 25 anos) e a frevioca dos “Batutas do Rosário”, pela primeira vez, não percorrerão as vias da cidade.
Mesmo compreendendo a necessidade de cancelar a brincadeira, o presidente do grupo, o torneiro mecânico Israel Vagner, lamenta pela data significativa. “Fico triste. Infelizmente estávamos nesta expectativa de homenagear os fundadores”, completa.
Somando a orquestra acompanhante d o bloco, os mais de 25 integrantes, barraqueiros, compositores, artistas plásticos e costureiras, “Os Goteiras” conseguem mobilizar cerca de 100 pessoas. “Fora o folião, os abadás e patrocinadores”, descreve Israel.
O desfile pelo bairro do Rosário chega a atrair 1,5 mil pessoas. “Temos a tradição das marchinhas, com mais de 25 composições. Esperamos fazer uma live para não passar em branco”, adianta.
O secretário de Cultura e Turismo de Barbalha, Isaac Luna, explica que trabalha no projeto de uma live com as escolas e blocos tradicionais. “Vão contar um pouco de sua história, executar seus principais sambas e marchinhas”, detalha o titular da pasta. A ideia é pagar ajuda de custo aos carnavalescos, que possa, pelo menos, minimizar o impacto.
“Entendemos ser um momento muito delicado. Estamos só aguardando o parecer da Secretaria de Saúde com protocolo sanitário para lançar”, detalha Luna. A transmissão deve acontecer no domingo de carnaval, já que os pontos facultativos e feriado foram cancelados.
Dor similar
Também com 58 anos de fundação, a Escola de Samba Unidos do Roçado de Dentro (Esurd), não festejará nas ruas de Várzea Alegre pela primeira vez na história. Criada por agricultores, a agremiação tornou-se uma das mais tradicionais do interior cearense e possui mais de 300 componentes.
Antonio de Sousa Neto dividia o tempo entre a roça e o Carnaval. Está duplamente triste. A chuva ainda não veio e a festa foi cancelada. “Com esse negócio que deu aí no mundo todo (Covid), nem estamos ensaiando e nem vamos sair. Carnaval esse ano vai ficar só na vontade”, lamenta. Ainda assim, a esperança permanece. “Pode ser que próximo ano façamos um Carnaval bonito”, diz.
Nesse período, o sítio estaria movimentado. No entanto, a realidade é galpões vazios e instrumentos empilhados. “O sentimento é de tristeza. De não estar apresentando a escola. Sabe ser uma coisa que envolveu o mundo todo. Temos esperança que tudo se resolva e possamos continuar”, relata Marta Alves, tesoureira da escola de samba.
Como geralmente atua no domingo, a Esurd realizará transmissão ao vivo contando toda sua trajetória e apresentando marcantes sambas-enredos. “Mesmo sem poder desfilar, apresentamos nosso carnaval, de forma diferente”, desabafa Marta Alves.
A secretária de Cultura de Várzea Alegre, Antônia Pereira, antecipa que a gestão exibirá registros audiovisuais de desfiles anteriores, com depoimentos de integrantes das escolas. Além da Esurd, o Município tem outras duas escolas: Mocidade Independente do Sanharol e Império Cadenciando.
“É uma forma de divulgar um pouco das histórias deste Carnaval, para que permaneça viva na mente das pessoas”, justifica. Quanto ao tema dos recursos destinados às escolas, a gestora conta ter aplicado 100% da Lei Aldir Blanc.
Para Várzea Alegre foram destinados R$ 312 mil. Parte do valor foi repassado à manutenção das escolas, mas a gestora não detalhou quanto foi entregue. “Todo ano o município dá uma ajuda de custo. Como não vai sair, vamos programar para o próximo ano”, antecipa.
Por Antonio Rodrigues
Fonte: Diário do Nordeste