A aposentada Elza Barros, 76, mesmo na cadeira de rodas, viajou da aldeia indígena pankararu, entre os municípios de Tacaratu e Petrolândia, em Pernambuco, para visitar o túmulo do Padre Cícero neste dia 2 de novembro. A romeira veio agradecer por estar melhor de um problema na perna. “Não aguentava assentar o pé no chão, gritando de dor”, conta, sem detalhar a doença.
O sentimento da devota é parecido com o de outras milhares de pessoas que viajaram até Juazeiro do Norte para participar da Romaria de Finados que, em uma semana, reuniu cerca de 300 mil católicos que consideram a cidade como uma “nova Jerusalém” no sertão nordestino. Diferente das outras romarias, a característica desta celebração é a espacialidade. Os visitantes se espalham por diversos bairros e formam grandes feiras livres a céu aberto.
“O romeiro faz seu caminho, já que considera a cidade um grande santuário”, define o padre Cícero José da Silva, pároco da Basílica de Nossa Senhora das Dores.
Porém, o grande alvo desta devoção é o túmulo do Padre Cícero dentro da Capela do Perpétuo Socorro – templo que o próprio sacerdote construiu. É lá que centenas de romeiros se espremem para ficar mais próximos do local onde estão os restos mortais do “padrinho”.
Muitos, sem conter a emoção, choram aos seus pés. Além disso, os devotos levam diversos objetos para tocar sua sepultura, como terços, quadros, carteiras, chaves, estátuas, medalhas, chapéus.
Hoje (2), duas celebrações emocionantes marcam a despedida dos devotos. A primeira missa, pela manhã, reúne milhares de fiéis no largo da Capela do Socorro.
Estima-se que, só neste sábado, 100 mil pessoas visitem o túmulo do fundador de Juazeiro do Norte. Mais tarde, ao meio-dia, a tradicional bênção dos chapéus finaliza os festejos na Basílica de Nossa Senhora das Dores.
Origem
Segundo a historiadora Danielle Agapto, a Romaria de Finados é compreendida como a celebração legítima ao Padre Cícero. “As outras celebrações eram suprimidas pela Igreja, mas não tinha como conter a visita a um finado. Então, ela começa em torno da morte dele”, acredita. Outras celebrações como a Romaria de Nossa Senhora das Dores e a Romaria de Nossa Senhora das Candeias, já existiam antes da morte do sacerdote, em 1934. “É a maior romaria, mas também a mais emotiva. Antes, as pessoas faziam a pé, levavam mantimentos em burrinhos, faziam acampamentos. Existia a dificuldade de locomoção, que fazia a romaria ser menor”, narra Danielle. De forma espontânea, a celebração foi crescendo mesmo entre os meses mais quentes do ano. “É uma época difícil até financeiramente. A maioria dos romeiros eram agricultores”, aponta a historiadora.
Sacrifício
Vestidos de preto, representando o luto, no sol de 35 graus, muitos romeiros fazem o sacrifício físico para estar em Juazeiro do Norte. “Se aproxima da reverência à morte, mas não é um romeiro triste”, ressalva a historiadora. “A Romaria de Finados é em torno da memória. Ela tem a característica de ser a romaria dos que mais lutaram para existir”, reforça Danielle.
Muitas pessoas ainda têm a promessa de se enterrar no Cemitério do Socorro, que fica atrás da Capela homônima. Hoje, praticamente não há mais espaço ali. Até as veredas entre os túmulos foram ocupadas por devotos do Padre Cícero que desejavam estar próximos do santo popular. No túmulo do “padrinho”, neste Dia de Finados, um chão de flores se forma em pequeno templo religioso.
Recém-batizada como “Romaria da Esperança”, o bispo Gilberto Pastana, líder da Diocese de Crato, definiu a Romaria de Finados como escatológica, “reporta ao fim dos tempos, mas também à vida eterna”, acredita. Os romeiros que visitam Juazeiro vêm para rezar por seus entes queridos, mas também pelo sacerdote. “Aqueles que confiam no Senhor sabem que a morte é uma passagem. A vida do Padre Cícero, esses testemunhos, recorda esses valores”.
Economia
Com o grande fluxo de pessoas, as ruas de Juazeiro ficam estreitas para o número de comerciantes. A maioria deles vem de outros estados. Alguns improvisam um local para dormir em seus próprios caminhões, onde armam suas redes. Com duas toneladas e meia de rapadura, doce preferido pelos romeiros, o vendedor Adriano Rodrigues viajou de Santa Cruz da Baixa Verde (PE) para ganhar uma renda extra na Romaria de Finados. “O romeiro compra muito e gosta de levar para suas famílias”, conta.
Andando alguns minutos pelo entorno do Santuário de São Francisco é possível encontrar uma diversidade de eletrônicos, brinquedos, artigos religiosos, roupas e artesanato. Outra atração é a variedade de produtos medicinais que colorem as calçadas e praças da cidade.
Por Antonio Rodrigues
Fonte: Diário do Nordeste