Uma multidão se reúne no largo da Capela do Socorro, onde está o túmulo do Padre Cícero. Após o sol se pôr, acontece a tradicional bênção das velas. Os devotos acendem suas velas ou lamparinas, vendidas aos montes no entorno da Capela. Em seguida, um cordão de luz toma as ruas de Juazeiro do Norte, entoando em uma só voz: “Bendita e louvada seja a luz que mais alumeia. Valei-me meu padrinho Ciço e a Mãe de Deus das Candeias”. A procissão da luz, o momento mais bonito da Romaria de Nossa Senhora das Candeias, acontece amanhã, dia 2 de fevereiro, marcando o fim do chamado “Ciclo de Romarias”, que atrai milhares de pessoas, de setembro até fevereiro, à terra do Padre Cícero.
Origem
Diferente das duas maiores romarias, a de Nossa Senhora das Dores, padroeira do município que é celebrada desde que Juazeiro era apenas um povoado do Crato, e de Finados, que surgiu espontaneamente após a morte do Padre Cícero, a origem da celebração de Candeias é envolta em mistérios e hipóteses. Atualmente, estima-se que ela reúne 250 mil pessoas.
A pesquisadora Renata Marinho explica que não há um ponto inicial confirmado, ou seja, uma data específica para a origem da celebração. Segundo a oralidade, a versão mais popular explica que, com a vinda de pessoas para o então povoado em busca de alento espiritual e material, havia necessidade de emprego. Um serralheiro, que passava dificuldades, teria pedido ajuda ao “padrinho”. O sacerdote orientou que fabricasse candeeiros. “Aí, chegando próximo à data da celebração, ele teria recomendado aos fiéis que comprassem (candeeiros) para uma grande procissão que aconteceria dia 2. As pessoas procuraram o serralheiro que conseguiu exercer seu trabalho”, conta a pesquisadora.
“Não existe, pelo menos não encontrei, uma documentação que diga o ano que começou”, reforça a também pesquisadora Fátima Pinho, que estudou o papel da imprensa na divulgação dos milagres. Contudo, uma segunda hipótese, narrada em cordel, conta que em 1897, houve uma procissão de velas para iluminar a mente do bispo Dom Joaquim José Vieira. “Para que ele olhasse para a ‘questão’ de Juazeiro com piedade. Aquele ano estava no auge da repressão contra o milagre (da hóstia). O Padre Cícero já havia sido cassado das ordens sacerdotais. Os padres que reconheceram os fatos extraordinários, já haviam se retratado”, explica Fátima Pinho.
A pesquisa encontrou uma narrativa muito semelhante à procissão das velas atual, publicada em 30 de abril de 1891, no jornal “O Estado do Ceará”. O texto é do professor e jornalista José Marrocos. A celebração, porém, foi feita para marcar a Sexta-Feira da Paixão de Cristo, durante a Semana Santa. “É uma narrativa poética”, conta a historiadora.
“Seguramente, mais de vinte mil pessoas com velas acesas acompanharam a procissão do enterro e de qualquer parte que se olhasse para longe préstito que já entrava numa rua quando mal começava a sair de outra, parecia ver-se o exército inumerável das estrelas em demanda dos espaços cerúleos do céu e do infinito. No meio, pois, deste mar de luz avultava, como soberana, a imagem sacrossanta da Mulher das Dores”, narrou José Marrocos.
Luz
A celebração de Nossa Senhora das Candeias ou da Candelária, da Apresentação, da Luz ou da Purificação remota à época de Cristo. O dia 2 de fevereiro marca 40 dias após o nascimento de Cristo. “Os dias de resguardo, em que a mulher é considerada impura, não poderiam entrar no templo”, conta Pinho. A “Virgem da Luz” teria aparecido na ilha de Tenerife, na Espanha, em 1400. A devoção à santa se espalhou, principalmente, por Portugal.
Para Dom Gilberto Pastana, bispo da Diocese de Crato, a celebração tem um significado mais profundo. “Ninguém caminha nas trevas, na escuridão. O povo que caminhou nas trevas viu uma grande luz. Essa luz é o Senhor, essa luz é Jesus. O sol da Justiça, da vida, que nos indica o caminho. Assim é o sentido da luz nesta procissão”, acredita o sacerdote. E para o religioso, a romaria está muito próxima disso. “É o povo de Deus em caminhada. Nós devemos caminhar na construção de um mundo mais feliz, fraterno e cheio de paz. Deixa o que está de morte, pecado e escuridão para trás e segue a nova terra, o novo céu, prometido pelo Senhor”, completa o bispo.
Por Antonio Rodrigues
Fonte: Diário do Nordeste