Depois de tenebrosos anos de estiagem e crise econômica, a sobrevivência financeira de vários municípios cearenses é quase miraculosa. Muitas das cidades do interior são desprovidas de máquina arrecadatória própria. Seus sistemas produtivos rudimentares tornam limitadíssima a geração de emprego, renda e, em sequência, a arrecadação de impostos. Em verdade, do ponto de vista econômico, é longa a lista de municípios que podem ser tachados de cidades-fantasmas.
Levantamento do Tribunal de Contas do Estado (TCE), do ano passado, ilustra com clareza matemática a precariedade fiscal, ao mostrar que mais de 40 municípios cearenses arrecadam menos de 1% das despesas. Em uma comparação banal e meramente ilustrativa, seria como uma família ter renda de R$ 100 e gastos que somam R$ 10.000.
Portanto, às vésperas do Carnaval e com a eleição batendo à porta, a seca nos cofres leva um dilema aos gestores: fazer ou não festa?
Embora, no geral, a situação financeira das prefeituras seja de causar arrepios, há que se considerar a heterogeneidade de perfis dos municípios para não cair na fácil condenação indiscriminada. Existem lugares que possuem em seu código genético a aptidão ao turismo e, nesses casos, é compreensível o aporte responsável em entretenimento, pois teoricamente ele tem amparo na geração de riquezas e no fortalecimento de uma marca turística. Mas essas são exceções.
É mais comum que os festejos patrocinados com dinheiro público tenham propósito político em vez de econômico e, neste ano de eleição, isso tende a se exacerbar. Ora, em cidades com orçamentos tão magros, cujas gestões entregam pouco de concreto, uma festança com mega-atrações nacionais é uma forma de deixar alguma marca na memória do povo. Ainda que por horas, aquelas pessoas, acostumadas a receberem tão pouco do poder público, sentem-se valorizadas e contempladas com o lazer.
Mas, no contexto em que se encontra a maioria avassaladora dos municípios cearenses, é incongruente que cidades pequenas disponham-se a pagar centenas de milhares de reais por um show. Ainda que haja efeitos positivos no comércio local, no fim, a mensagem que fica é errada.
O carnaval é uma manifestação cultural a ser estimulada, mas, para municípios que mal conseguem se manter de pé, promover festas suntuosas em tempos de escassez de recursos é uma afronta ao bom senso administrativo.
Por Victor Ximenes
Fonte: Diário do Nordeste