Lugar de repouso eterno, os cemitérios são equipamentos que necessitam de manutenção e adequação às normas ambientais. Caso isso não ocorra, os resíduos presentes nos espaços podem contaminar lençóis freáticos e prejudicar, além do meio ambiente, a saúde humana. Em 2019 e nos primeiros dois meses de 2020, o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) encaminhou, a pelo menos oito municípios, recomendações para adequação desses equipamentos.
Embora a Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) seja a autoridade ambiental responsável pelo licenciamento dos cemitérios, públicos ou privados, o MPCE pode fiscalizá-los por meio das promotorias locais.
Entre as irregularidades observadas pelo MP, estão a falta de licença ambiental para atuação, proximidade a reservatórios de água e destinação incorreta dos resíduos. A mais recente ação foi realizada em Juazeiro do Norte, no Cariri. Em fevereiro deste ano, a Promotoria de Justiça da cidade se reuniu com representantes de cinco cemitérios do Município, para discutir um Inquérito Civil Público que apura possíveis irregularidades na destinação das exumações de corpos sepultados. Segundo a denúncia, materiais, como restos de urnas funerárias e vestimentas, estariam sendo despejados no lixão do Município.
Cemitérios
Para Sidney Kal-Rais, superintendente da Autarquia Municipal de Meio Ambiente de Juazeiro do Norte (Amaju), responsável pelos equipamentos públicos, a audiência foi positiva.
“Foi pactuado que os empreendimentos apresentem seus Planos de Gerenciamento de Resíduos Sólidos (PGRS) e protocolos de Licenciamento Ambiental”, garantiu Sidney Kal-Rais
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O representante municipal ressaltou, ainda, que foram apresentados documentos que “comprovam a destinação de forma correta” dos resíduos.
Dos cinco equipamentos em funcionamento na cidade – Cemitérios do Socorro e São João Batista (municipais); Terra da Luz, Parque das Flores e Anjo da Guarda (privados) – apenas o Terra da Luz não é classificado como de impacto ambiental, segundo Kal-Rais. Neste sentido, foi alegado, também, que os equipamentos Parque das Flores e Anjo da Guarda não possuem licença ambiental, documento exigido pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) para funcionamento.
Resposta
Em nota, o assessor jurídico do Grupo Anjo da Guarda, Luiz Albernan Moura, negou a informação e ressaltou que “além de possuir Licença Ambiental, concedida pela Semace, o cemitério possui o Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos (PGRS)”. Sobre a acusação de destinação incorreta dos resíduos, o representante informou que o grupo contratou “uma empresa especializada e autorizada pela Semace” e que “o Cemitério Parque Anjo da Guarda é o único sediado em Juazeiro do Norte com licença ambiental totalmente regularizado”. Por sua vez, o Cemitério Parque das Flores garantiu “que já está adotando todas as providências discutidas no sentido de melhor atender às normas de proteção ao meio ambiente”. Já a Funerária Terra da Luz alega que possui “contrato com empresa especializada, que faz a coleta de todo resíduo”.
Nova Russas
Também este ano, em janeiro, a Justiça determinou a regularização de cinco cemitérios públicos em Nova Russas, na região Oeste. Os equipamentos estão localizados no bairro Alto da Boa Vista e nos distritos de Nova Betânia, Canindezinho, Lagoa de São Pedro e Major Simplício. As principais falhas identificadas são a “falta de manutenção e a desatenção à legislação ambiental, que trazem a possibilidade de o local ser um foco de degradação ao meio ambiente e de riscos à saúde pública”. No cemitério Nova Betânia, por exemplo, o Núcleo de Apoio Técnico (Natec) do Ministério avaliou que “não há sistema de drenagem destinado a captar, encaminhar e dispor de maneira adequada as águas pluviais”. A situação é agravada nos períodos mais chuvosos. Tentamos contato com a Prefeitura, mas até o fechamento desta edição não obtivemos resposta.
Necrochorume
Segundo a Semace, “são comuns os casos em que o cemitério foi construído há mais de 32 anos”, antes do início da atuação da superintendência como órgão licenciador, em 1987. A maior parte dos equipamentos irregulares “é de cemitérios localizados em áreas de preservação como margem de rios e dunas, alguns dos quais seguem em funcionamento, à espera de que a Prefeitura desative e o transfira para local apropriado”, informou o órgão, no entanto, sem detalhar os equipamentos em desacordo.
Nos cemitérios irregulares, são comuns problemas causados pela formação do “necrochorume”, um tipo de líquido poluidor do solo e do lençol freático. O material é liberado de cadáveres em putrefação e pode conter micro-organismos causadores de doença, como bactérias e vírus.
Mesmo não tendo sido informado nenhum procedimento legal junto ao Ministério Público, o Diário do Nordeste apurou que o Cemitério Público Nossa Senhora da Piedade, em Crato, pode apresentar problemas ocasionados pelo necrochorume. Construído há mais de 165 anos e ampliado três vezes, o equipamento foi edificado próximo de um riacho, que corta o lugar em meio às covas. Em 2009, uma precipitação chegou a arrastar parte de túmulos, caixões e restos mortais do espaço.
Adensamento urbano
O titular da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Territorial do Crato (Semadt), Brito Júnior, explica que o adensamento urbano desviou os cursos de água de alguns bairros para dentro do riacho que passa pelo cemitério. “Com a cheia, gera dificuldades”, admite Brito Júnior. Para tentar minimizar os impactos, a Pasta fez um trabalho de abertura de áreas na margem de 30 metros e impediu a abertura de novas valas próximas ao rio.
O secretário antecipou que há um projeto em discussão para drenagem da água para galerias subterrâneas, impedindo novos transtornos. “A discussão está em conjunto com a Secretaria de Meio Ambiente do Estado (Sema), que avalia a criação de uma Unidade de Conservação (UC) dentro do Parque (de Exposição Pedro Felício Cavalcante)”. Em nota, a Sema informou que o projeto está “em fase de planejamento para início das vistorias técnicas”. Após isso, “serão estabelecidos critérios e normas para a criação, implantação e gestão da UC”.
Com a criação, o espaço e seus componentes são protegidos pelo Estado, “sendo a alteração e supressão permitidas somente através de lei e de acordo com a categoria da Unidade de Conservação”, informa a Sema.
A expectativa é que o processo seja encerrado ainda neste semestre e, com isso, os restos mortais serão transferidos para outro espaço.
Fiscalização
Uma das principais dificuldades encontradas pelos órgãos públicos de fiscalização é que somente os cemitérios já licenciados são acompanhados. Constam na Consulta de Processos da Semace, 136 processos relacionados à manutenção, autorização ou regulação dos empreendimentos no Ceará. Estes são controlados por meio do Relatório de Acompanhamento e Monitoramento Ambiental (Rama), que prevê um automonitoramento pelos proprietários.
O empreendedor é obrigado a apresentar o Rama periodicamente ao órgão licenciador, “como condição à renovação da licença”, além de serem feitas fiscalizações extraordinárias provocadas pela população, por meio de denúncia de suspeita ou crime ambiental”, pontua a Semace.
Fonte: Diário do Nordeste