Na zona rural de Aiuaba, região dos Inhamuns, o agricultor Luís Feitosa, de 79 anos, já perdeu a conta de quantos bovinos mandou marcar a ferro e fogo. A região tem tradição de criar gado a solta e daí a necessidade de identificar os animais.
A prática, que divide opiniões, passou a ser usada no sertão nordestino, a partir da ocupação das terras por parte de fazendeiros que iniciaram o ciclo econômico do gado e do couro.
“Sempre foi assim”, rememora Feitosa. Ele explica que o melhor tempo de “ferrar” o gado é no verão, “na ausência da chuva, de moscas e de outros insetos, para evitar doenças e infecção na pele”. Geralmente, a ferra (marcação) é feita na perna, abaixo do ventre, ou na face, para não danificar a pele. Esses locais são escolhidos para não prejudicar a comercialização do couro que tem melhor valor na ausência de furos, cortes ou rasgões.
Divergência
Apesar da tradição, cresce o número de pessoas contrárias ao método. As instituições protetoras dos animais defendem outras opções, como o uso de chips, brincos, tatuagem ou de ferro frio a nitrogênio. “Deve-se buscar alternativas. Métodos de menor crueldade para o animal”, defende a presidente da União Internacional Protetora dos Animais (Uipa), Vanice Teixeira Orlandi. “Deveria haver uma norma ministerial que obrigasse o abandono de métodos cruéis”, avalia.
O presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV-CE), Célio Pires, no entanto, discorda da análise de Vanice Orlandi e avalia que as instituições protetoras dos animais “fazem um auê desnecessário”. Ele considera que “está ficando impraticável criar animais”. Célio argumenta que este método é o que menos maltrata o bicho, pois “só é preciso ser feito uma única vez”. As outras alternativas, acrescenta o presidente do CRMV, além de ser mais caras, precisam ser feitas repetidas vezes e “não são tão eficientes”.
Célio Pires recorda ainda o fator histórico pelo qual fez surgir a necessidade da marcação dos animais no Sertão cearense. “Antigamente, as terras não eram cercadas, e o gado era criado à solta. Então, uma vez por ano, os vaqueiros reuniam os animais e os ferravam para identificação do dono”, reitera.
Além das iniciais do proprietário, há também o ferro com letras que identificam o Município a que pertence o animal. “Iguatu antigamente se chamava Telha, por isso, ainda hoje se usa a letra ‘T’; Quixeramobim era denominado Santo Antônio de Pádua, daí o uso da letra ‘A’, assim cada cidade tem sua identificação”, explica Pires. Ele acrescenta que “não há nenhuma norma por parte do Ministério ou do Conselho Veterinário contra o uso da marcação a ferro e fogo”.
Registro
No Ceará, a Coordenadoria de Desenvolvimento da Pecuária (Codep), núcleo integrante da Secretaria de Desenvolvimento Agrário (SDA), cuida dos registros dos ferros utilizados para marcar o gado.
Conforme o técnico do setor, Paulo Arruda, o Estado conta com mais de 35 mil registros datados desde 1939. “Atualmente, fazemos em média três registros por mês”, informa. Esse número, segundo avalia, deve crescer nos próximos anos devido à nova exigência do Banco do Nordeste para financiamento da compra e venda de animais.
A norma do Banco tem por objetivo coibir fraudes. Com a marcação, evita-se que um mesmo rebanho seja financiado para dois ou mais produtores, a exemplo do que era costume ocorrer nas exposições agropecuárias no interior do Ceará.
De acordo com a Codep, o criador interessado em registrar a sua marca tem que pagar uma taxa municipal, cujo valor varia a cada cidade, e outra estadual no valor de R$ 99,80. Após o pagamento, o criador encaminha o desenho da sua marcação utilizada nos ferros para a Coordenadoria de Desenvolvimento da Pecuária. Esse procedimento é necessário, conforme Arruda, para regularizar a marcação. “Se o gado é ferrado, mas a marca não é registrada, não há nenhum valor legal”, explica.
Cuidados
Especialistas alertam, entretanto, que é preciso seguir algumas orientações para garantir uma boa marcação do bovino. O instrumento deve ser feito em aço inox, por ser um material leve, durável, que não distorce e possibilita marcas sempre perfeitas.
A marcação deve ser feita com o animal bem imobilizado, tanto com pescoceira quanto com a contenção do posterior. Um segundo vaqueiro pode melhorar a contenção dobrando a cauda do animal para cima e para frente, formando um arco – manejo conhecido por anestesia baiana.
Esse procedimento insensibiliza superficialmente a região onde será feita a marca e evita que o animal sinta dor e se movimente. Deve-se ter cuidado para não forçar demais, causando dor ao animal.
Por Honório Barbosa
Fonte: Diário do Nordeste